1. O nosso Camarada Fernando Chapouto, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCAÇ 1426, que entre 1965 e 1967, esteve em Geba, Camamudo, Banjara e Cantacunda, enviou-nos a última fracção das suas memórias. Esta sua série havia sido iniciada em 29 de Agosto p.p., no poste P4877.
AS MINHAS MEMÓRIAS DA GUINÉ - 1965/67
A caminho de casa
O fim de um pesadelo
A bordo do Uíge, os dias eram passados a jogar às cartas e a contarmos as nossas histórias. É claro que nós, os furriéis das diversas companhias, como estivemos numa quadrícula, só nos víamos de vez em quando e de passagem, ou então, quando fizemos operações em conjunto.
No refeitório do Uíge, em primeiro plano o Furriel Paio, seguindo-se o Marques, o Cardoso (com óculos). Eu fui o fotógrafo.
No dia nove de Maio quando acordei e fui à vigia já vi terra.
Estávamos à entrada da barra, chegou o barco dos pilotos e lá fomos rio Tejo acima, até ao Cais da Rocha.
Neste percurso, quando nos íamos aproximando da Ponte de Salazar, sobre o Tejo, já concluída e inaugurada, olhei para os mastros do Uíge e para altura da ponte. Os nastros eram tão altos que pensei cá para comigo: “Agora não podemos passar porque a maré está cheia.”
Ainda bem que eu estava enganado porque o barco passou facilmente, como é óbvio, e atracamos no cais por volta das dez horas.
Quando vi o barco preso a terra levantei os braços de alegria, por regressar são e salvo.
O navio Uíge que nos transportou de regresso à Metrópole
Descemos do navio e, cumprindo a praxe, desfilamos pelo cais fora, em formatura (coisa a que já não estava habituado), perante as altas individualidades que ali nos vieram receber-nos e passarem a revista às tropas e verem o nosso perfil.
No mato não apareceram eles!
E eu sem botões nos bolsos do blusão. Estavam descosidos e dentro do bolso. Não os cozi, visto já não precisar do blusão. A tropa para mim acabara!
Mais tarde tive de “mobilizar” a minha esposa para voltar a cozer os botões, porque tive que ir às cerimónias do dia 10 de Junho, que decorreram no Porto, receber a Cruz de Guerra.
Em conclusão, hoje sinto-me um herói, não por ter sido medalhado com a Cruz de Guerra, mas sim pelo sentimento de ter cumprido o meu Dever, para com a minha Pátria, porque, na minha opinião pessoal, heróis são todos aqueles que serviram com dignidade e honra nas missões que lhes foram incumbidas.
Mais me sinto orgulhoso, apesar de ver e saber tão maltratados pela Tutela, os ex-Combatentes, neste últimos 35 anos.
Não esquecerei os que tombaram ao serviço da Pátria, esses duplos heróis que estão “esquecidos” pelos nossos políticos e curvo-me perante as suas memórias com todo o respeito e admiração.
Terminou a guerra de G3, no mato, no tarrafo e nas bolanhas, mas não terminou, no meu cérebro, a guerra psicológica. Aquela que passados quarenta anos continua me continua a atormentar.
Más recordações que acabarão um dia… quando… só Deus sabe!
Um forte abraço do,
Fernando Chapouto
Fur Mil Op Esp/Ranger da CCAÇ 1426
Fotos: Fernando Chapouto (2009). Direitos reservados.
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Nota de MR:
Vd. poste anterior desta série, do mesmo autor, em:
28 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 – P5365: Estórias do Fernando Chapouto (Fernando Silvério Chapouto) (15): As minhas memórias da Guiné 1965/67 – Rotinas perigosas V
2 comentários:
Caro Fernando
Finalmente regressaste a casa!
E, a avaliar pela alegria que relatas, parecia ter acabado o pesadelo mas, pelos vistos, não foi bem assim...
É natural. Quando se vivem intensamente os momentos, tudo fica bem gravado.
Agora uma pequena graça: já reparaste bem a diferença entre as fotos que encabeçam o 'post'?
Pois é, engordaste!
Um abraço
Hélder S.
Caro Fernando Chapouto
Não deve ter sido, pela conclusão que dás, o fim do pesadelo.
Foi apenas um interregno. Chamam-nos/chamamo-no de ex ou antigos combatentes, quando, neste dia a dia, ainda travamos um novo combate: o cambate pela nossa dignidade.
José Martins
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