sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5406: Os nossos camaradas guineenses (16): A morte do Aliu Sanda Candé (José Teixeira)



1. Mensagem de José Teixeira*, ex-1.º Cabo Enfermeiro da CCAÇ 2381, Buba, Quebo, Mampatá e Empada , 1968/70, com data de 2 de Dezembro de 2009:

Camaradas,

Junto mais um texto sobre a polémica que nunca conseguiremos "abafar" nas nossas consciências: A morte ou assassínio dos combatentes guineenses.

O José Belo e o Mexia Alves voltaram ao velho e para sempre inacabado problema relacionado com a morte ou assassínio de antigos combatentes guineenses, que alinharam ao nosso lado, pela Pátria Portuguesa.

O Grande problema é que muitos destes combatentes como o Aliu Sanda Candé, que conheci em Aldeia Formosa, foram fuzilados sem julgamento legal, mas em julgamento popular manobrado por forças do PAIGC, sem que haja documentação escrita do acto. Assim, não é possível provar o acto de fuzilamento que nos permita actuar junto do Ministério do Exército, para se conseguir o subsídio de morte ao serviço da Pátria.

No caso do Candé, tive conhecimento da sua morte por um primo, meu ajudante de enfermeiro, que alguns anos depois conseguiu fugir para Portugal. Ele, o Candé, ou o Alfero da milícia, Aliu Candé, que toda a gente do meu tempo se recordará, pelo seu porte e pela forma como geria o seu grupo de combate, pela forma como reagia perante o inimigo, avançando de peito aberto. Há que dizê-lo, quantos de nós não lhe deverão a vida. Possivelmente eu sou um deles.

Ele, que se orgulhava de cortar as orelhas dos desgraçados que caíam varados pelas balas da sua G3. Após a independência, recebeu o ”chorudo” prémio que Portugal lhe ofereceu pela dedicação à Mãe Pátria, creio que seis meses de ordenado, entregou a G3 e foi dedicar-se à agricultura na Chamarra, sua terra adoptiva, para continuar a dar á família o apoio necessário, até então suportado pelo exército português com o Pré mensal a que tinha direito por passar a vida a lutar contra conterrâneos e, eventualmente, familiares. Podia ter vindo para Portugal e integrado no exército português com o posto de alferes.

Posto conquistado na árdua luta de vida ou morte pois,  tanto quanto sei, foi lhe dada essa oportunidade, quando lhe ofereceram os seis meses de Pré. Ele que,  de soldado raso em Bolama, passou a cabo por mérito, logo a seguir alferes da milícia, comandante de um grupo de combate. Posteriormente, chamado de novo ao Exército como furriel e,  por fim, alferes comandante de grupo de combate de uma Companhia de Comandos africanos.

Apenas, e aqui está o busílis da questão, teria de vir para Portugal só. Deixar a família na Guiné. A sua família. Optou pelos seis meses de pré e pela família.

Um dia, andava na Lala, quando lhe apareceu um grupo da juventude do PAIGC. Levaram-no para Bambadinca, de onde era natural, promoveram um julgamento popular e condenaram-no à morte, por prego enterrado na cabeça... Morte horrorosa!

Os pormenores desse “julgamento” também são terríveis, segundo o seu primo, entretanto já falecido, o Mudé Embaló. Mobilizaram a população para uma manifestação ao homem grande de Bissau que iria fazer uma visita a Bambadinca. Juntada a população, apresentaram o Candé, como criminoso de guerra e promoveram o julgamento popular que conduziu à sua morte.

A vinda do homem grande de Bissau (Presidente Luís Cabral) fora apenas o engodo para atrair a população e assim lhe poderem demonstrar com se tratavam os chamados inimigos da Pátria

A informação que tenho é que viveu umas horas em sofrimento, até morrer (como me dói o coração ao imaginar tal morte!).

Quando em 2008, encontrei a sua filha Cadidjtu Candé, em Guiledje, uma bebezinha de meses, quando passei pela sua terra, ela disse-me que o pai tinha sido fuzilado. Esta informação da Cadi contradiz o que o primo me tinha dito, no entanto, nada está escrito que comprove a sua morte por fuzilamento em resultado de um julgamento militar legal.

Assim sendo, não se pode provar que tenha sido condenado por servir Portugal, logo, a família terá muita dificuldade em provar que morreu ao serviço de Portugal, por falta de provas testemunhais e documentais. Apenas se sabe que a mãe ainda conseguiu visitá-lo uma vez. Depois oficialmente está morto. Aonde foi enterrado? Não se sabe. A sua morte resultou de quê? Não se sabe, porque não há dados oficiais.

Pergunto, numa situação destas,  do pós-guerra e ajuste de contas, quem se atreveria a descrever e registar dados tão comprometedores?

Como se poderá provar que não foi apenas um ajuste de contas de alguém que combateu pelo PAIGC e sofreu os efeitos da acção guerrilheira do grande Candé?

Perguntas a que eu muito gostaria de poder responder, mas a única verdade que sei, é que o Candé sofreu uma morte horrorosa.

Saibamos nós honrar a sua memória e o seu nome.

José Teixeira
1º Cabo Enf da CCAÇ 2381
__________

Nota de MR:

Vd. último poste da série em:


9 comentários:

Anónimo disse...

Amigo e Camarada JT,

Obrigado por este teu testemunho.

Há alguns Camaradas nossos que não acreditam, vá-se lá saber porquê, nos modos que se vão sabendo, como foram assassinados os nossos ex-militares guineenses... OS NOSSO HOMENS.

Que este teu testemunho lhes dê uma pequena ideia mais precisa e correcta!

Magalhães Ribeiro

Antonio Graça de Abreu disse...

"Ele, que se orgulhava de cortar as orelhas dos desgraçados que caíam varados pelas balas da sua G3". diz o Zé Teixeira.
A vingança foi matarem-no com um prego espetado na cabeça.
Um abraço,
António Graça de Abreu

Anónimo disse...

Conheci pessoalmente alguns dos fuzilados.Era amigo de um deles.Observei o tratamento por eles reservado a prisioneiros,ou aos corpos de inimigos mortos em combate,ou como resultado de interrogatórios bárbaros.Muitos deles se orgulhavam de nos contar,e mostrar,as suas colecoes de orelhas humanas guardadas em frascos,ou latas. Será justo extrapolar factos acontecidos em resultados de duros combates de vida e morte,mesmo quando para bem intencionadas divagacoes de tertúlias? A amizade e o respeito criado á volta da heroicidade detes camaradas leais que acreditaram no que por NÓS lhes foi dito,nao deverá,convenientemente,nao considerar a possibilidade de...se alguns dos fuzilados tivessem,noutras circunstancias,tido a mesma oportunidade em relacao aos guerrilheiros nao os teriam fuzilado? INGORÉ/Abril/1968..................Dois jovens desarmados sao capturados a trabalhar numa bolhanha.Primeiro bem espancados e "acamados" pelas coronhas das Mauser de dois Cipaios do Posto local frente ao Com.de Comp.e alguns Alf.periquitos.Posteriormente encerrados em abrigo subterraneo.Ao cair da noite foram lhes dados dois pratos de soupa de puré de grao com............vidro de garrafa finamente muído á mistura! Os gritos e os momentos passados pelos desgracados até morrerem sao dificeis de esquecer.Os que confecionavam o rancho eram soldados brancos,a sentinela aos detidos era tambem soldado branco. Critérios etnográficos ou geográficos quanto a procedimentos humanos de base? José Belo

Joaquim Mexia Alves disse...

Caro camarigo José Belo

Ou não entendi o que nos queres dizer ou então não percebo a argumentação.

Então porque alguns tiveram determinados procedimentos, ou poderiam vir a ter, já é critério para se aceitar a barbárie?

E uma coisa são as pessoas que procedem individualmente, outra coisa são as Forças Armadas Portuguesas, o Estado Português, e o Estado Guineense agindo colectivamente, julgo eu.

Abraço camarigo para ti e para todos

Anónimo disse...

Vai levar muitos anos até compreendermos a guerra que nos foi imposta, a nós e aos, neste caso, aos guineenses.

Cada um vai escrever a sua guerra, até os "joaquins Furtados" escrevem as suas. E os "lobos Antunes" tambem.

Mas este blog está a escrever a guerra ao vivo e a côres!

Apenas falta aqui o testemunho dos Comandos africanos e do povo africano guineense para o blog ser completo.

Estou a falar apenas dos comandos e do povo, não do PAIGC, que este testemunho temo-lo relatado quase diariamente.

Antº Rosinha

Anónimo disse...

Caríssimo Mexia Alves. Haverá quanto a mim duas questoes distintas neste assunto. 1)-Os fuzilamentos mais nao sao que cobardes vingancas dos vencedores sobre os vencidos.(para mais os exercidos sobre os nossos Camaradas o foram bem depois do fim da guerra). Os que algo poderiam/deveriam ter feito para evitar estas perdas de vidas nada de concreto fizeram. O Estado Portugues,As Forcas Armadas do Portugal Democrático de hoje deveriam assumir,pelo menos,perante as famílias(e para com as famílias) destes Camaradas que acreditaram em Portugal,as suas responsabilidades. 2)É outra questao o facto de alguns darem um estatuto de "anjos" a alguns dos militares guinéus ao servico de Portugal.Nem todos eles assim seriam,como nem todos nós.Daí o exemplo por mim apontado em relacao a Ingoré/Abril/1969. Por,entre outros ,ter feito parte de cuidada lista ,elaborada por camaradas militares "repescados",quanto a fuzilamentos por estes exigidos,a sorte destes nossos camaradas guinéus,totalmente abandonados,nao é algo que eu trate com leviandade. Um abraco Amigo do José Belo.

Zé Teixeira disse...

O José Belo tem toda a razão. Não se deve extrapolar as situações, nem era essa a minha intenção. Apenas pretendi demonstrar possíveis razões para vinganças "fora do sistema" instituido, o que não deixa de ser crime. Tanto quanto era crime o "corte de orelhas" ou a pancada e a morte de prisioneiros, com a cobertura dos nossos superiores hierárquicos.
Zé Teixeira

Joaquim Mexia Alves disse...

Meu caro camarigo José Belo

De acordo contigo e nem me aflorou a ideia que alguma vez tratasses tal assunto com leviandade, como dizes.

Eu não sou anjo e nem vejo em outros anjos e alguns deles...

Agora a responsabilidade como dizes e muito bem, é das organizações, (sejam elas quais forem) que se servem das pessoas e depois as deitam fora...

Abraço amigo para ti

Carvalho disse...

Caros Camaradas ou Camarigos:
É verdade que alguns pretos e alguns brancos, da tropa especial, da outra e da milícia, fizeram grandes sacanices,DURANTE o conflito.. Mas,acabado o conflito, com a troca de abraços entre os litigantes...
1ºForam mortos homens indistintamente de terem feito ou não sacanices.
2ºForam mortos homens, alguns de forma que não se matam animais,muito depois de acabada a guerra, sem qualquer processo instrutótio.

Um grande abraço-Carvalho de Mampatá72/74