quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Guiné 63/74 - P5389: Da Suécia com saudade (17): Os fuzilamentos... e as sublimações (José Belo)

1. Mensagem de José Belo, ex Alf Mil Inf da CCAÇ 2381, Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, actualmente Cap Inf Ref, a viver na Suécia, desde 1976 (*)

Assunto - Os fuzilamentos... e as sublimações (**)

Muito se tem escrito sobre os fuzilamentos que se efectuaram na Guiné. Alguns, com sincera revolta pela maneira como antigos Camaradas de armas foram abandonados à sua sorte. Outros, utilizando esta tragédia como bandeira de agendas políticas.  É assunto passível de algumas reflexões, não de VALORES, mas circunstanciais.

Muitos acreditam firmemente não ser possivel construir uma sociedade livre sobre alicerces coloniais, ou mesmo neo-coloniais. Quererá isto dizer que, por "razões ideológicas", tudo se deverá aceitar? Sentir orgulho na tal "descolonização exemplar" citada por alguns? Não terá sido antes a descolonização POSSÍVEL dentro do caos político vigente, e resultante das lutas pelo poder que imediatamente surgiram, no próprio dia 25 de Abril, entre Spinolistas e outros?

E,mais uma vez, descolonização possível, tendo em conta os interesses das duas grandes potencias mundiais que então se degladiavam à volta dos espólios coloniais, utilizando abertamente centros de influência disponíveis dentro do País. Mas, e voltando à Guiné, será dificil de aceitar que homens como Spínola, Fabião (com mais de uma década de estadia nas zonas operacionais da Guiné, e responsável pelas Milícias), assim como alguns outros que por lá tinham estado,  terão planeado, considerado, ou mesmo aceite os fuzilamentos como algo de inexorável e justo ?

Sei terem sido feitas, pelo menos no caso de Fabião, tentativas de encontrar países africanos próximos dispostos a receber estes militares, ou uma possível vinda dos mesmos para Portugal. O mesmo Niassa que tantos milhares de soldados transportou rumo à Guiné, poderia ter, facilmente, transportado umas centenas em sentido inversso.

Como teriam sido recebidos no Portugal de então?  No meio de tais, e tão profundas lutas políticas internas,  quem se teria atrevido a recebê-los nos seus Quartéis? Ou, simplesmente,  vir a público defendê-los? Os complexos e más consciências eram ainda muitos. Não se tinham, ainda, convenientemente "esbatido". (Já terá sido esquecida a triste e vergonhosa experiência passada por Marcelino da Mata às maos de alguns maoístas no RALIS?) .

Onde estavam então os que hoje tão convenientemente pretendem utilizar os fuzilamentos como bandeira política? Hoje, com o passar das décadas, tudo se torna, para alguns, tão nítido, tão simplista.  Mas, como poderia ter sido fácil, e sem tragédias indesculpáveis, o difícil momento de profundos conflitos sociais então vivido?

A infeliz sorte daquelas centenas de guinéus não terá, tragicamente, sido em parte diluída na opinião pública de então, nas tragédias humanas de muitos milhares de refugiados que iam chegando de Angola e Mocambique?  Ao falar-se dos Comandos Africanos, convenientemente fora do contexto que então os envolvia, e o mesmo se poderá dizer em respeito aos Milícias, não se estará a dar uma imagem um pouco deturpada pois eles não seriam propriamente "ingénuos/românticos/idealistas" sem a mínima consciência do que estava em jogo ao decidirem participar na luta armada contra uma rebelião na sua própria terra, combatendo gentes das mesmas etnias que os olhavam,  não como patriotas portugueses, mas sim como colaboradores dos colonialistas ? Tinham mesmo como "ajuda de memória" as independências dos países vizinhos.

Em todos os conflitos, ao fazer-se a paz, a sorte dos, pelos SEUS considerados como colaboradores, não tem sido feliz. Porque haveria de esperar algo de diferente por parte dos guerrilheiros do PAIGC? Terá a Administração Colonial de séculos lhes ensinado a... tolerância? Quantos sacrifícios humanos terá a guerra causado aos que contra nós lutavam? O ajuste de contas surgiu na primeira oportunidade,ma não teria sido possível algo de semelhante se alguns dos fuzilados tivessem, noutras circunstâncias, tido a mesma oportunidade em relação aos guerrilheiros?

É uma pergunta menos conveniente, mas de considerar, tendo em conta que alguns de nós conheceram pessoalmente muitos dos fuzilados. Para nós,os que não pretendem utilizar estes CAMARADAS que ao nosso lado (tantas vezes à nossa frente!)  lutaram, carregaram aos ombros os seus/nossos mortos, comungaram literalmente a mesma terra vermelha de sangue......não existem "agendas políticas", como não deverão existir complexos colectivos de culpas.

Isto, quanto a mim, não significa que se deve esquecer que algo se poderia/deveria ter feito por aqueles que acreditaram no que por NÓS lhes foi dito.

PS - Quero salientar aos Camaradas que se trata de simples reflexões circunstanciais sobre um assunto de tal modo sério e triste, para o qual tenho plena consciência de não possuir as "respostas" que alguns talvez tenham.

Estocolmo 1/12/09
José Belo

[Revisão / fixação / bold / título: L.G.]

______

Notas de L.G.:


(*) Vd. poste anterior > 20 de Novembro de 2009 > Guiné 63/74 - P5307: Da Suécia com saudade (16): É neste caldo de cultura que o nosso blogue é grande (José Belo)

(**) Sublimação= Acto ou efeito de sublimar...(v. tr. 1. Exaltar; tornar sublime; engrandecer;  2. Volatilizar quimicamente; 3. Purificar, expurgar de tudo o que é estranho ou impuro). Fonte: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa

11 comentários:

Torcato Mendonca disse...

Já fiz breve comentário no poste anterior.
O assunto é complexo,demasiado complexo e se lhe juntarmos uma pitada de politica...é assunto politico mas pode ser torneado e tratado de outro modo. Os homens da minha idade e "viram o que eu vi" não esquecem facilmente RALIS,outros acontecimentos e personagens, civis e militares, dessa época.

Eu curvo-me á memória de todas as vitimas, alguns delas andaram comigo. Mais, talvez algum dos que foi assassinado me tenha carregado ás costas em tarde a pedir evacuação...vidas.Eram irmãos!

Um abraço daqui, nesta tarde fria para a Suécia onde ainda deve estar mais frio. Mas o abraço é quente e fraterno, Torcato

Anónimo disse...

Gostaria de deixar claro que este meu poste foi escrito após leitura atenta do poste-5380 de autoria do Ex.Sr.Coronel Manuel Bernardo. José Belo.

Antonio Graça de Abreu disse...

Há algo de surreal no colocar em Belém do nome dos comandos africanos fuzilados pelo PAIGC, junto do nome dos nove mil mortos na Guerra de África, Colonial, do Ultramar, o que quiserem.
Foram fuzilados depois de terminada a guerra. Os poderes em Portugal lavaram daí as suas mãos.E continuam a lavar, na cerimónia recente em Belém nenhuma das brilhantes criaturas teve coragem de dizer a verdade. Associaram os comandos africanos mortos aos que caíram ao serviço da difusa Pátria, quando sabemos que foram fuzilados por necessidade política e militar, também um ajuste de contas pelos governantes da nova Guiné- Bissau.
Esses nossos irmãos de luta foram fuzilados porquê? Eram agentes do colonialismo português ou, se organizados, constituiam um tremendo perigo para o incipiente poder instituído na Guiné Bissau?
Um abraço,
António Graça de Abreu

mario gualter rodrigues pinto disse...

Caros camaradas

Muita tinta já foi consumida neste triste epísódio da nossa Guerra Ultramarina neste caso Guiné.

É sabido que o destino destes nossos camaradas já há muito tinha sido traçado pelas elites do PAIGC.

Os oficiais oriundos da Guiné Spinolistas ou não, tinham obrigação de saber que o PAIGC, não iam perdoar o passado destes nossos camaradas.

Homens como Fabião, Spnínola, Vasco Lourenço, Otelo, Salgueiro Maia, Almeida Bruno, todos tiveram posições de destaque na Guiné, e apóa o 25 Abril, alguns até pertenceram a orgãos de destaque do MFA e JSN. chegando a integrar as conversações de Descolinização, como foi possivel abandonarem os nossos camaradas á sua sorte.

Mais, após as conversações de Argel com Mário Soares MNE, que os nossos camaradas comandos tinham dúvidas em ser desarmados, a expressão do Sr. Ministro foi esta. (se for necessário o exército actuará para o efeito).

Que estavam á espera com gente desta estirpe!

Para mim, os culpados pelos fuzilamentos dos nossos camaradas foram os Homens que naquela altura Militares e Politicos governavam este Pais e traçavam o seu destino.

Tinham a obrigação MORAL e PATRIÓTICA de terem evacuado a tempo todos os nossos militares Continentais e Guineenses.


Um abraço


Mário Pinto

Anónimo disse...

Que hei-de dizer eu que, em Setembro/Outubro de 1974, fui testemunha das palavras de Paz e Confiança, ardilosamente enviadas pelos cobardes assassinos do PAIGCs, aos nossos Camaradas assassinados.

Estenderam-lhes as mãos e prometeram-lhes o esquecimento e a serenidade, pedindo-lhes a sua colaboração para reconstrução de uma Guiné melhor e mais desenvolvida.

Nunca esquecerei as palavras trocadas e jamais perdoarei estes assassinatos.

Culpas houve-as do PAIGC, do poder político na altura e às grandes hierarquias militares, que adivinhando a tragédia NADA fizeram para a evitar.

Que os culpados se corroam de remorsos.

Magalhães Ribeiro

Anónimo disse...

Queria chamar a atencao dos Camaradas para a pertinente observacao de Graca de Abreu quanto a importante promenor. Nao sei o que está escrito na lápide com os nomes dos Comandos Africanos fuzilados.Mas,a nao estar devidamente especificada a causa das suas mortes,e que as mesmas se deram após o fim da guerra,algo estará,deliberadamente,ou por incrível ignorancia(!)dos factos....errado! José Belo

Joaquim Mexia Alves disse...

Será remédio que não cura, será apenas um paliativo, mas que pelo menos o Estado Português assuma os seus erros nesta matéria, e já que não ajudou os combatentes fuzilados, ajude as viúvas ou os filhos que, por exemplo, quiserem estudar em Portugal, dando-lhes bolsas de estudo, deviadmente organizadas e controladas.

Que o Estado da Guiné, que muito esperamos estabilize brevemente faça também essas pazes com o passado reconhecendo os seus erros.

E que nós não nos calemos pois são nossos camaradas de armas, que connosco lutaram e muitos deram avida por nós.

Se não fossem as operações por eles levadas a cabo e não só, muitos quartéis na mata teriam vida bem mais dificil.

Abraço camarigo para todos

Luís Graça disse...

Boa questão, essa, levantada pelo meu amigo e camarada A. Graça de Aberu...

Então, quando é que acaba o raio da guerra colonial ? A questão, de facto, não é pacífica, tal como também não o é o seu início... Quando e onde começou ?...

A verdade fáctica é que os nossos camaradas guineenses são fuzilados no pós-Independência, longe da vista... e longe do coração dos tugas (uns em 1975, e outros em 1978, como o Saiegh, um "um homem do MFA", "um militar de Abril" - fez parte do "grupo de conjurados" que prendeu o Bettencourt Rodrigues, na Amura).

A Liga dos Combatentes, que gere o memorial aos Mortos do Utramar, tem que ter critérios, idóneos, sérios, consistentes, coerentes, fundamentados, para "gerir" estes frequentes (ou episódicos ?) conflitos de apreciação, análise e interpretação do conceito de "mortos do Ultramar"...

Em resumo, a Liga não pode, estar sujeita ao livre curso das pressões dos lóbis, seja a tutela (o Ministério da Defesa Nacional), seja as associações de veteranos...

Obrigado, António, é mesmo uma boa questão: quando acaba a "contabilidade" dos mortos do Ultramar ? Quem tem direito a figurar no memorial do Forte do Bom Sucesso ?

MANUEL MAIA disse...

CARO JOSÉ BELO,

DIZES;

... MUITO SE TEM ESCRITO SOBRE OS FUZILAMENTOS QUE SE EFECTUARAM NA GUINÉ. ALGUNS,COM SINCERA REVOLTA... OUTROS,UTILIZANDO ESTA TRAGÉDIA COMO BANDEIRA POLÍTICA...

SE NOS LIMITARMOS AO ESPECTRO DA TABANCA,AFINAL A GÉNESE DOS ESCRITOS E DAS LEITURAS,CONSTATAREMOS QUE A SEGUNDA ALÍNEA DAS DUAS ONDE SITUAS OS TIPOS DE ANÁLISE E ESCRITA,NÃO SE ENQUADRARÁ BEM AQUI POIS SALVO O ARMÉNIO SANTOS,QUE RECENTEMENTE ADERIU A ESTE ESPAÇO E NUNCA ESCREVEU NADA SOBRE O ASSUNTO,TODOS OS OUTROS,ESTÃO FORA DESSE ENQUADRAMENTO POLÍTICO,FELIZMENTE...

SPÍNOLA TROUXE MARCELINO PORTANTO PODERIAM TER TRAZIDO PELO MENOS OS MILITARES E OS MILICIAS( PORQUE ERA IMPENSÁVEL QUE AS CRIANÇAS -FAXINAS-SOFRESSEM IGUAL SORTE)

SPINOLA SABIA,FABIÃO SABIA E TODA A CORJA MILITAR E CIVIL TINHA DISSO A CERTEZA POIS NENHUM DELES ERA À ALTURA CONSIDERADO MENINO DE CORO INOCENTE OU ANJINHO PAPUDO...

DIR-SE-Á QUE SE ACOBARDARAM PERANTE MEIA DÚZIA DE VENDE PÁTRIAS E PARANOICOS QUE AMEAÇAVAM ENCHER O CAMPO PEQUENO DE "FASCISTAS" ENQUANTO ASSINAVAM ORDENS DE CAPTURA EM BRANCO,OUTROS,PÁ,FAZIAM REVOLUÇÕES,PÁ,PARA ENSINAR,PÁ,AO POVO,PÁ,QUE A ALIANÇA POVO/MFA,PÁ
ESTAVA PÁ DE PEDRA E CAL,PÁ...

NÃO PODEREMOS CHAMAR À DESCOLONIZAÇÃO COMO ALGO DE EXEMPLAR PORQUE ISSO SERIA OFENDER A INTELIGÊNCIA DOS PORTUGUESES, TAL QUAL FIZERAM ESSES VENDE- PÁTRIAS QUE TODOS CONHECEMOS LIGADOS A INTERNACIONAIS DE EXPLORAÇÃO DO HOMEM PELO HOMEM (QUE FORMULAM TESES CONTRÁRIAS À SUA PRÁXIS...)

PERGUNTAS COMO TERIAM SIDO RECEBIDOS POR EXEMPLO NO RALIS (DO FITIPALDI DAS CHAIMITES,QUE MATAVAM PESSOAS À PORTA,ACRESCENTO EU...)CREIO QUE MAL,PARECE ÓBVIO...

MAS O PAÍS TINHA MAIS QUARTEIS COM GENTE CIVILIZADA,ABSOLUTAMENTE NORMAL,PORTANTO HAVIA QUE TER RESGUARDADO QUEM DEFENDEU O PAÍS PORQUE SE SENTIA PORTUGUÊS,E A QUEM O PODER MILITAR ANTES DISSO RECONHECIA COMO TAL.

ENTRE NÓS NÃO PODE HAVER SENTIMENTO DE CULPA,MAS A CORJA,ESSA...ESSA DEVERIA SER JULGADA PELO SEU CRIME DE INACÇÃO, PELO SEU LAVAR DE MÃOS COMO SE PILATOS SE TRATASSE(MILITAR E POLÍTICA,EVIDENTEMENTE...)

CLARO QUE NEM FABIÃO NEM SPÍNOLA
PLANEAVAM ESTES CRIMES,MAS QUE FORAM CÚMPLICES COMO OS GOVERNANTES,AI ISSO FORAM.

UM GRANDE ABRAÇO
MANUEL MAIA

Colaço disse...

Perguntas de difícil resposta, mas custa a crer que Homens como Spinola, Fabião, Melo Antunes, Vasco Gonçalves, Rosa Coutinho, Otelo, políticos como Mário Soares.
Para citar alguns dos que me parecem no momento com bastante relevância.
Não acautelassem a vida daqueles militares que tanto deram à causa portuguesa.
E tendo como exemplo o vinte de Abril de 1970 o massacre do Chão Manjaco em que foram assassinados traiçoeiramente os majores Passos Ramos,Pereira da Silva, Osório e o alferes Mosca.
São interrogações que possivelmente nunca terão uma resposta concreta.
Cumprimentos Colaço.

Anónimo disse...

Caros Camaradas e Amigos. Salientei no que escrevi,ser o assunto de tal modo sério,triste,e menos digno,que me faltam "respostas".Como amigo pessoal de pelo menos um dos fuzilados,sou,eu,simples portugues,democrata,de esquerda,que me vou atrevendo a colocar estas perguntas,frontalmente,a mim próprio.Nada me ajuda,nas minhas perguntas,quem,ou quais das celebridades políticas,ou militares,da época,mais "chafurdaram" nesta lama. Os fuzilamentos mais nao sao que cobardes vingancas de vencedores sobre vencidos.É a realidade do fuzilamento/vinganca que,automàticamente,cria uma dinamica inversa de....vinganca/fuzilamento! Por muito inconveniente que seja relembrar o facto Histórico(!) nao se deve esquecer que durante o espaco de um ano foram sugeridos,duas vezes,em Portugal,o fuzilamento de opositores,por elementos das extremas de polos políticos opostos. José Belo