1. Mensagem do nosso Camarada António Carvalho, ex-Fur Mil Enf da CART 6250/72, Mampatá, 1972/74, que nos foi enviada em 3 de Dezembro de 2009:
Camaradas Editores:
Começo por lhes agradecer todo o trabalho que têm na organização de nosso fantástico blogue. Não quero com isto dizer que concordo com tudo o que aqui aparece escrito mas é também, por isso, que este blogue é tão importante para todos nós.
Hoje, depois de um longo jejum, venho dizer aqui alguma coisa sobre «os fuzilamentos». Se acharem que tem algum interesse, publiquem, caso contrário, mandem para o lixo.
É que eu, com muita pena minha, não fiz, na Guiné, registo diário dos acontecimentos nem anotações avulsas. Assim e porque o meu arquivo cerebral também já não é o que era, pouco tenho para contar mas há sempre coisas que não se apagam.
Então vamos lá à narração:
Camaradas,
Em Mampatá, passe a imodéstia, relacionava-me, de modo geral, bem com a população local e muito bem com a família mandinga dos Sanés.
Naqueles anos de 72/74 o filho do Queba Sané, chamado Saliu Sané, integrava o Grupo Especial do Marcelino da Mata e estando aquartelado em Bissau, deslocava-se periodicamente a Mampatá em gozo de férias.
Em longas conversas aprendi com ele alguma coisa sobre aquele estranho mundo mas sobretudo forjámos uma amizade para sempre. Quando ocorreu o 25 de Abril, achei estranho o seu optimismo e confiança num futuro melhor. Santa ingenuidade!...
Dizia-me ele que "agora vamos todos os Guineenses de ambos os lados, combater sem armas pela construção de uma nova Pátria, pois somos todos irmãos». Disse-lhe insistentemente que não seria assim porque ao longo da história não era costume ser assim.
Dispus-me a pagar-lhe a viagem para Lisboa antes que o PAIGC passasse a controlar a situação. Não aceitou porque se julgava com direito a participar na génese de um novo país.
Por volta de 1995, vim a localizar o Saliu Sané, em Paço de Arcos, na Rua Indiveri Colucci, onde o visitei. Enquanto nos abraçávamos, o Saliu Sané chorando dizia-me: Carvalho tu tinhas razão... só não me mataram porque me apercebi a tempo de fugir de Mampatá para o Senegal e deste país vim, alguns anos mais tarde, para Lisboa.
O Saliu Sané casou em Lisboa com uma rapariga mandinga que lhe mandaram de Mampatá pois a primeira que deixara em Mampatá foi tomada por alguém do PAIGC. Soube este ano que o Saliu deixou o mundo dos vivos. Paz à sua alma e para os seus filhos o dobro do que para as minhas filhas desejo.
Quando estive em Mampatá, em Março deste ano soube que, até o More, simples milícia, foi morto pelo PAIGC.
Soube ainda que mais não foram fuzilados porque fugiram a tempo.
Muito tem sido dito sobre os culpados. O PAIGC? O governo português? O MFA?
Há uma coisa que sei: não bastava trazer os comandos africanos, era preciso também trazer os militares das CCAÇs, dos Pel.s Caç. Nat. e das milícias e ainda as suas famílias que, como se sabe, são bem numerosas e... já agora... será que quereriam vir?
Devíamos evacuar todos os que quisessem vir? Devíamos.
E podíamos? Não sei!
Um grande abraço do,
António Carvalho
Fur Mil Enf da CART 6250
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Notas de M.R.:
(*) Vd. último poste desta série em:
13 comentários:
Caro António Carvalho
Concordo em absoluto com as interrogações, respostas e consequentes dúvidas que colocas na parte final do teu texto.
Já agora, quero acrescentar às forças que referiste, outras que têm sido esquecidas: Os fuzileiros africanos e os G.E.s (Grupos Especiais), o que engrossaria ainda mais a lista de pessoas a evacuar.
O teu texto espelha ainda uma outra realidade: Ofereceste-te para pagar a viagem do Saliu Sané para Lisboa e ele respondeu-te com "o optimismo e confiança num futuro melhor" e "vamos todos combater sem armas pela construção de uma nova pátria, pois somos todos irmãos".
Santa ingenuidade. Tens razão.
Mas quantos daqueles homens e mulheres, cheios da mesma crença, não tomariam a mesma atitude?
Excelentes as tuas perguntas:
1)Será que quereriam vir?
2)E podíamos?
Um abraço para ti
Extensivo a todos os camaradas da Tabanca
José Vermelho
Ex-Fur Mil
CCAÇ 3520 - Cacine
CCAÇ 6 - Onças Negras - Bedanda
CIM - Bolama
Camarada Carvalho,
Pensei se valeria a pena comentar o teu texto, ele encerra tudo que haja para dizer.
Em minha casa sempre a comida chegava para quem batia à porta, mesmo sem ser esperado. Era prática dos meus pais dizerem que havia sempre lugar para mais um. Atenção, não éramos ricos, por vezes duvido mesmo se remediados, mas adiante.
Que era difícil, sem dúvida, mas nem tão pouco dar-lhes a hipótese de se salvarem?
Que pátria é a que abandona quem esteve disposto a dar o seu sangue por ela?
Fico-me por aqui.
BS
Caro António
Entrando directamente no assunto acho que devíamos ter proporcionado a vinda de todos os nossos camaradas guineenses que quisessem.E deveriam ter sido as nossa Forças Armadas a tomarem a iniciativa e a acompanhá-los em Portugal.Também tive conhecimento muito mais de um guia da minha Companhia (C.Caç.675) que foi fuzilado no Senegal, para onde teria fugido em 1975.Chamava-se Malan Griffon Sissé e tinha sido "Prémio Governador da Guiné" em 1970 ou 1971.Eles teriam sido ingénuos.Nós por cá assobiámos para o lado.E teremos que carregar com essas culpas.Até ao fim da vida.
Um abraço fraterno.
JERO-C-Caç-675 - 1964/66.
Caros Tabanqueiros
Com os comentários, ocorreu-me uma outra questão:parecendo-me correcto trazer todos os que quisessem, falta saber, nesse caso, se o Paigc o permitiria e, no caso de o não permitir, se havia condições no terreno de fazer a evacuação «manu militari». Não esquecer que, logo após o 25 de Abril, houve, pela nossa parte, um afrouxamento, quase diria uma deposição de armas e eu incluo-me nessa onda.
Caro Carvalho, naquela época apenas queríamos regressar, mal lá chegássemos. Que o tempo passasse depressa. Hoje lamentamos muita coisa que não fizemos, como por exemplo, tomar apontamentos. Não podemos ter remorsos, nem voltar atrás. Curioso, que falamos mais do que deveria ter sido feito por aquele povo, inculpando governos pelos desleixos, do que falamos de nós. É isto que define um povo, um português. Primeiro os outros, depois nós.
Um abraço para a Tabanca e para ti em especial.
Caros Tabanqueiros:
Lembrei-me ainda de outra coisa, esta sugerida pelo comentário do irmão Portojo: Claro que queríamos era vir embora depressa e vivos mas, o governo português, caso o Paigc se opusesse à evacuação dos que quisessem vir connosco,( pondo de parte a via «manu militari»), não devia e ou não podia negociar apoios económicos e outros que persuadissem o novo poder.
Fê-lo?
Mais um abraço para todos
Carvalho - Mampatá
Caro Carvalho: Sabias, sabiam os camaradas, que pagamos indemnizações de milhões de dolares, às ex- províncias ultramarinas aquando da descolonização ? Sabiam que foi dada a oportunidade de soldados ultramarinos de virem para Portugal, como aconteceu com o que nós chamamos de retornados ? E alguns vieram sim. O que nunca ninguem pensou é que, para além dos ladrões, os próprios irmãos se chacinassem uns aos outros. E porquê ? Apenas por interesses, quer fossem de americanos, cubanos, russos, chineses, etc. Pelo menos é o que fui lendo por aí. O acordo do Alvor previu tudo, menos o que era previsível...
Mais um abraço pata a Tabanca
Calma camaradas,
Por este andar daqui a pouco estamos a culpar-nos a nós todos e nós já nem estavamos lá.
È certo que quando lá estivemos
queriamos era virmos embora o mais
depressa possível, mas isso é perfeitamente legítimo. Para nós e
talvez para os finalistas desta guerra ainda fosse mais.
Não tenhamos dúvidas que a quem
competia tomar conta da situação para que o que aconteceu não pudesse ter acontecido era o governo e principalmente naquela
altura o MFA que era o dono de tudo quanto se passava no nosso país.
Com um grande abraço para todos,
ADRIANO MOREIRA - EX-FUR.MIL.
ENF. BIGENE,BINTA,GUIDAGE E BARRO
CART. 2412 - 1968/70.
Camarada Carvalho,
Tenho evitado escrever sobre este tema, mas hoje não resisto a vir aqui deixar um GRANDE ABRAÇO. Para ti, claro, pelo que está escrito e pelo sentimento que este escrito encerra.
Manuel Amaro
Caros Camaradas
Os camaradas Carvalho e Portojo lançam mais algumas questões e dúvidas pertinentes sobre este tema bem delicado.
Tal como o Portojo, fiquei com a ideia que terá sido dada oportunidade aos soldados ultramarinos de virem para Portugal, tanto que, alguns vieram.
Desconheço, no entanto, como é que a medida foi divulgada ou implementada, quais as condições, se era para todos ou só para alguns.
Já agora, sobre o tema, deixo só mais uma questão (isto sou só eu a pensar e sem querer levantar qualquer tipo de polémica):
Quando alguns dos nossos camaradas de armas da Guiné chegassem a Portugal, acompanhados das suas 2,3,4 mulheres, como é que a situação seria encarada não só pela população mais conservadora como pela população em geral? Alterava-se o Código Civil? Abria-se uma exepção? Qual a forma de ultrapassar o problema?
Um abraço para toda a Tabanca
José Vermelho
Caros tabanqueiros,
Criava-se mais um bairro de lata ou de palha ou do que eles quisessem em Lisboa ou arredores.
Deixavamo-los viverem o mais possível à sua maneira.
Bem mais indignos são os bairros dos drogados e deixaram que eles se criassem.
O Poder instituído tinha a obrigação de quase os trazer para cá à força fossem eles 5000 ou
500 000 e descontavam as verbas gastas nas idemnizações a dar às
antigas províncias ultramarinas se
é que a elas tinham direito.
O que é triste no meio disto tudo é que nós n~~ao sabemos da missa a metade. Pobres de n´s que também andamos à procura de sermos ressarcidos dos nossos direitos, mas meteram-nos no mesmo saco (brancos e pretos) e deitaram-nos ao lixo.
Um grande abraço para todos do camarigo,
ADIANO MOREIRA - EX-FUR.MIL.ENF.
CART. 2412 -BIGENE, BINTA, GUIDAGE,
E BARRO. 1968/1970
Creio que é justo recordar, sem "direitismos, ou esquerdimos" que houve tentaivas do Major Fabião para tentar de algum modo salvaguardar os africanos que se bateram por Portugal, sobretudo os que assumiram funções deccomando e especialistas (comandos)
Tentou que fossem enviados para Portugal. A questão que se punha era a sua segurança, pois se nós os que fomos combater à força éramos apontados a dedo pelos idealistas dominantes e o país corria riscos de guerra civil.
Para além disso queriam trazer as mulheres e ranchada de filhos. Seria bom pensarmos friamente nas consequências , se tal acontecesse.
Tentou que fossem enviados para um país africano. Proposta totalmente rejeitada, por serem "traidores" à sua pátria e a Africa toda.
Por último, foi-lhes feita uma proposta. Virem eles, só eles apra Portugal ou receberem seis meses de pré. esta foi a solução que na sua maioria aceitaram e consta que as lojas de Bissau se esgotaram rapidamente.
Gostava de ouvir, dos camaradas do blogue,que de algum modo estiveram ligados à mudança politica, seja qual for a frente onde se posicionaram, o que sabem dec concreto sobre este assunto que parece ser um tabu. Só leio criticas e mais criticas e lamentações.
Eu, nas minhas idas à Guiné, tenho procurado as raizes do problema e o que atrás escrevo, não passa de dadso recolhidos, mas que não vivenciei e o Major Fabião já cá não está para confirmar.
Sei que o Major Fabião, o General Spinola são referenciados com carinho.Deixemos de lamentar o passado de nos rotularmos de esquerditas ou direititas e demos as mãos, para ajudar aquele povo.O que está a ser feito pelos antigos combatentes, é muito mais do que o estado português fez durante tantos anos de dominio, mas ainda é pouco para minorar o mal l«que lhes fizemos.
Obviamente podíamos e devíamos! Aos militares caberia decidir se criam ou não vir. Na realidade não estivemos à altura das nossas responsabilidades e cada um ao seu nível. Todos sabemos o que se passava em Lisboa com o caos instalados e outros interesses a surgirem de forma avassaladora que fizeram com que a debandada fosse quase generalizada. Se nem os corpos dos nossos até aos dias de hoje fomos capazes de resgatar. O que é necessário para o exigirmos?
joao silva ex-furriel mil at. inf. 1972 a 1974 Ccav 3404, Ccaç 12, CIM
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