Lisboa > Monumento aos Mortos do Ultramar > 14 de Novembro de 2009 > Regina Mansata Djaló, viúva do Alferes graduado 'comando' africano Demba Cham Seca, apontando com o dedo o nome do seu marido, um dos 53 militares do Batalhão de Comandos Africanos, fuzilados no pós-Independência, e que passaram a figural na memorial dos Mortos do Utramar.
Fotos: © Manuel Bernardo (2009). Direitos reservados
1. Mail enviado ao nosso editor Virgínio Briote, com data de 17 de Novembro:
Assunto - Homenagem aos 'comandos' africanos fuzilados II
Caro Senhor/Amigo:
Com pedido de divulgação junto remeto o 2.º texto sobre este assunto.
Cor Ref Manuel Bernardo
2. Homenagem aos 'Comandos' africanos fuzilados clandestinamente na Guiné
por Manuel Bernardo
(…) O meu marido era o Alferes graduado 'Comando' Demba Cham Seca.
(…) Á terceira vez foi novamente detido, no dia 21 de Março de 1975, pelas duas horas da tarde. Quando, à noite, fui levar-lhe comida à esquadra de polícia de Bafatá, disseram que ele já não precisava dos alimentos. Soube, depois, que, nessa noite foi mandado para Bambadinca, onde foi fuzilado juntamente com outros. Os Tenentes Armando Carolino Barbosa e o Tomás Camará foram dois deles.
(…) Na certidão de óbito, conseguida apenas em 2000, consta: 'Faleceu de fuzilamento, por ter servido com entusiasmo o Exército Português'.
Regina Mansata Djaló, in 'Guerra Paz e Fuzilamento dos Guerreiros' (...) (2007), p 358.
Depois das habituais honras militares, foram homenageados os três militares falecidos na Guiné, na zona de Guidaje (cerco por muitas centenas de guerrilheiros do PAIGC a esta povoação, durante quase um mês), em Maio de 1973, e cujos corpos foram recuperados pela Liga dos Combatentes, num programa a decorrer nos três teatros de operações para esse efeito; isto é, no caso da Guiné para identificação e concentração no cemitério de Bissau em condições com alguma dignidade. Depois, os que as famílias demonstrarem interesse em serem trasladados para Portugal, julgo que tal poderá ser levado a efeito com o patrocínio de outras entidades.
Foram eles o Furriel Mil José C. M. Machado, de Valpaços, o 1.º Cabo Gabriel F. Telo, da Calheta/Madeira, e o Soldado Manuel M. R. Geraldes, de Vimioso, que depois seguiram aos seus destinos.
E ninguém falou nos 'comandos' africanos fuzilados…
De seguida, o Ministro da Defesa, acompanhado pelo Presidente da Liga dos Combatentes e do Presidente da Associação de Comandos, Dr. Lobo do Amaral, procederam ao descerramento das placas com os nomes de 53 'comandos' africanos (20 oficiais, 29 sargentos e 4 soldados), fuzilados clandestinamente a partir de Março de 1975, 'apenas' por terem combatido com honra e brio no Exército Português, no teatro de operações da Guiné, vários deles durante quase toda a guerra.
Nos discursos do General Chito Rodrigues, do General CEMGFA Valença Pinto e do Ministro da Defesa esta situação de fuzilamento nunca foi referida. Nem D. Januário Torgal Ferreira, na sua oração por alma dos militares, ou o locutor de serviço o mencionou.
Assim, não podemos ficar admirados pelo facto do Correio da Manhã, na sua edição do dia seguinte tenha noticiado: “No Monumento aos Combatentes foi ainda descerrada uma placa com o nome de 53 comandos mortos na Guiné.” Nem disseram que eram africanos e guineenses, nem que foram fuzilados pelo PAIGC.
Deste modo a mensagem que passou para o público foi que os 53 militares portugueses foram agora colocados por, do antecedente, lá não estarem por qualquer lapso da organização do Memorial (**)…
Pode perceber-se o melindre desta situação, já que se trataram de crimes contra humanidade (não prescrevem), mas volto a repetir o que já disse em texto anterior. O General Nino Vieira, em Novembro de 1980 (confirmado nos meses seguintes), depois de ter tomado conta do poder na Guiné-Bissau, assumiu a autoria, por parte do PAIGC, antes liderado por Luís Cabral, dos fuzilamentos clandestinos de cerca de 500 pessoas e que foram enterradas em valas comuns de 35 a 38 pessoas. Isto veio publicado no jornal oficial do PAIGC - edições de 14 e 29-11-1980 e 18-1-1981 (in Manuel A. Bernardo, Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros Guiné: 1970-1980, Lisboa 2007, pp 119 a 127).
O combate à corrupção vai ser a sério?
Lembro o que afirmou o Ministro da Defesa Nacional: “(…) Todos os soldados mortos ao serviço da Pátria merecem momentos de reflexão e que o século XX foi duro a todos os níveis”. E mais à frente acrescentou: “Homenageamos os esforços de todos, curvamo-nos perante os que morreram e apoiamos os ex-combatentes e os deficientes das Forças Armadas. (…)”
Será que esse apoio, agora reafirmado, também tem que ver com a revisão das decisões tomadas pelo seu antecessor, que retirou aos combatentes direitos adquiridos, tal como a diminuição do quantitativo da fraca pensão anual, que um governo de maioria PSD/CDS tinha atribuído (na minha ocorreu uma redução de cerca de 75%)? Não acredito, já que, para este Governo, a crise internacional e nacional parece justificar tudo, excepto os casos de corrupção que vão proliferando ao longo dos tempos. [...]
Enfim, a Verdade dos acontecimentos, quer já de natureza histórica, como o ocorrido com os referidos fuzilamentos clandestinos dos 'Comandos' africanos, quer dos casos de corrupção que alastram por esse País, acabará por vir ao de cima. Demorar mais ou menos tempo depende de uma sociedade civil mais activa, que exerça os seus direitos de cidadania e os accione através dos mecanismos, que tem ao seu dispor numa Democracia e num Estado de Direito.
PS - Junta-se a fotografia de Regina Djaló que, em 14-11-2009, aponta para o nome do marido Demba Seca, fuzilado na Guiné e agora constante do Memorial dos Combatentes do Ultramar.
Cor Inf Ref Manuel Amaro Bernardo
16-11-2009
[Revisão / fixação de texto / título: L.G.]
___________
Notas de L.G.:
Sobre o Cor Inf Ref Manuel Bernardo:
"O Coronel, na situação de refoma, Manuel Amaro Bernardo cumpriu quatro comissões em Angola e Moçambique. Em 25 de Abril de 1974 encontrava-se colocado na Academia Militar. Na altura do 25 de Novembro de 1975, então no Regimento de Comandos, fez parte do Posto de Comando que coordenou as acções militares" (VB).
Vd. alguns dos postes que já publicados sobre o livro de Manuel Bernardo (e não Bernardes, como às vezes por lapso foi publicado no nosso blogue):
30 de Novembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2318: Notas de leitura (4): Na apresentação de Guerra, Paz e Fuzilamento dos Guerreiros: Guiné 1970/80 (Virgínio Briote)
31 de Março de 2008 > Guiné 63/74 - P2706: Notas de leitura (5): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de Manuel Amaro Bernardo (Mário Beja Santos)
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2711: Notas de leitura (6): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros, de M. Amaro Bernardo (Mário Fitas)
2 de Abril de 2008 > Guiné 63/74 - P2713: Notas de leitura (7): Guerra, Paz e Fuzilamentos dos Guerreiros: Resposta a um Combatente (M. Amaro Bernardo)
4 comentários:
"Demorar mais ou menos tempo depende de uma sociedade civil mais activa,que exerca os seus direitos de cidadania e os accione através dos mecanismos,que tem ao seu dispor numa Democracia de Estado de Direito"-----------------A nao ser o citado uma simples figura retórica para "arredondar",a pergunta que surge,é:-Haverá outro tipo de sociedade,que nao a CIVIL,numa Democracia e Estado de Direito? José Belo.
A denuncia destes fuzilamentos perante jornalistas portugueses, em Bissau, pelo Nino Vieira, denúncia feita no 14 de Novembro de 1980, e não ter havido nenhuma condenação da parte dos políticos e dos militares portugueses daquele tempo, é motivo para sentirmos vergonha desse silêncio.
Já não é complexo "de colonizador", antes complexo de "abandono".
Enfim, complexos históricos!
Antº Rosinha
Recuso toda e qualquer ideia de responsabilidade colectiva. Aliás, este é um dos nossos princípios éticos.
"(vi) recusa da responsabilidade colectiva (dos portugueses, dos guineenses, dos fulas, dos balantas, etc.), mas também recusa da tentação de julgar (e muito menos de criminalizar) os comportamentos dos combatentes, de um lado e de outro"...
Os crimes praticados em 1975 e anos subsequentes, pelo PAIGC (ou em nome do PAIGC no poder), contra os guineenses que serviram o Exército Português durante a guerra colonial, têm que ter autores morais e materiais, à luz do direito internacional, à luz dos nossos princípios civilizacionais...
O que aconteceu foi execrável, monstruoso, e deve ser lembrado por todos nós, guineenses e portugueses, como um trágico acontecimento que nunca mais deverá ser repetido nessa terra verde e vermelha a que estamos ligados pelo afecto, a história, a cultura, a língua...
Relembrar todos os nossos camaradas guineenses executados sumariamente em Bambadinca, no Xime, no Cumeré e noutros sítios - comandos africanos e outros, militares e civis, incluindo o meu amigo Abibo Jau, da CCAÇ 12 e depois CCAÇ 21 - depois da saída dos portugueses, é um imperativo moral, é um dever de justiça, é um dever de memória, é um gesto de camaradagem, é uma obrigação civilizacional...
Mas não pode ser, por sistema, meu caro Coronel Manuel Bernardo um arma de arremesso político, uma bandeira do revanchismo, um pretexto para o revisionismo histórico, etc.
Importante, isso, sim é recolhermos depoimentos de testemunhas dos acontecimentos, familiares, amigos, carrrascos, vítimas,etc. Para que eles, os nossos camaradas guineenses, não sejam fuzilados duas vezes...
O nosso blogue estará aberto à publicação de testemunhos, idóneos, credíveis, inéditos, sobre os trágicos acontecimentos passados na Guiné-Bissau, do pós-independência... Como estamos abertos também à difícil e delicada reconstituição dos crimes, praticados em nome de Portugal, sobretudo nos primeiros anos da década de 1960, pela PIDE, pela polícia administrativa, por eventuais unidades do Exército, etc.
O malogrado Abibo Jau sempre me falou desses crimes, praticados em Bambadinca, contra indivíduos, nomeadamente de etnia balanta, beafada e mandinga, suspeitos de serem "turras"...
Não vale a pena, por outro lado, andarmos a recorrer, por sistema, à teoria do bode expiatório... A acção humana colectiva, organizada, tem sempre efeitos preversos... Todos nós, individualmente e em grupo, "pecamos" por defeito, por omissão, por silêncio, por distracção...
Gostaria de poder sacudir a água do meu capote, mas a verdade é que também sinto "culpa e vergonha", como português, como ex-instrutor, como ex-graduado, como ex-militar da CCAÇ 12, e sobretudo como homem, pelo miserável fuzilamento do meu Abibo Jau, em Madina Colhido, sem julgamento, sem direito de defesa... Do Abibo e dos demais...
CARO MANUEL BERNARDO,
CLARO QUE NINGUÉM FOCOU " O PEQUENO PORMENOR DO FUZILAMENTO"...
NEM GENERAIS,NEM CLÉRIGOS...
ÓBVIAMENTE,NEM A COMUNICAÇÃO SOCIAL...
ESTÁ TUDO CONTROLADO.
SÃO FARINHA DO MESMO SACO DE PODRIDÃO.
UM ABRAÇO
MANUEL MAIA
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