
Mapa da Guiné-Bissau: destaque, a vermelho, para a região de Quínara (adotamos a grafia que era usada pela cartografia militar portuguesa). Fonte: adapt de Wikipedia, com a devida vénia...
Segundo o Cherno Baldé, a palavra (e a grafia) "Quínara" é portuguesa e resultou da corruptela da palavra "Guínala" que designava uma parte dos três principais reinos biafadas do séc. XIX, criados em consequência do deslocamento destes que, empurrados pelas guerras de conquista dos fulas em revolta contra o jugo mandinga/soninqué na segunda metade do séc. XIX, depois de mais de 6 séculos de submissão e escravidão na região oeste africana da Senegâmbia.(*)
1. Comentário do Cherno Baldé, nosso colaborador permanente e assessor para as questões etno-linguísticas (**)
Caro amigo Luís Graça, a tua questão é: "Porque os biafadas de Quínara foram juntar-se à guerrilha?"...
Na minha opinião, eles aspiravam ao poder, ao regulado/regência sobre os outros grupos, eles queriam reinar sobre os outros à imagem e semelhanca dos mandingas, seus modelos e inspiradores, que governaram o território durante séculos.
No território da Guiné, da época, todos queriam o poder (ser rei, régulo ou djagra) o que, aliás acontecia um pouco por todos os lados em África e no mundo.
Os objetivos do PAIGC só mais tarde, após o congresso de Cassacá (1964), começaram a ser claramente expostos aos guerrilheiros e à população sob a sua dependência, antes disso muitos, sobretudo mandingas e biafadas, pensavam que a luta estava a ser feita no sentido de recuperar o poder das mãos de fulas e portugueses.
Os objetivos do PAIGC só mais tarde, após o congresso de Cassacá (1964), começaram a ser claramente expostos aos guerrilheiros e à população sob a sua dependência, antes disso muitos, sobretudo mandingas e biafadas, pensavam que a luta estava a ser feita no sentido de recuperar o poder das mãos de fulas e portugueses.
Para esses grupos em especifico, particularmente mandinga, Cassacá foi uma desilusão e o início do seu desengajamento paulatino, com uma migração massiva para o Senegal (Casamansa) e a Gâmbia.
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Arafan Mané |
O único grupo que conhecia minimamente os objectivos do PAIGC e tinham ido voluntária e de forma consciente para a luta (ao mato) eram de facto os cabo-verdianos e crsitãos/grumetes de Bissau e estes eram muito poucos para fazer a guerra, pelo que Amílcar Cabral sempre esteve reticente em relação ao início da luta e os jovens biafadas de Quínara (onde se incluiam os Arafan Maná, Malam Sanhá, Quemo Mané, entre outros), influenciados pelos mais velhos, estavam cheios de ambição, mas com pouca formação intelectual e informação sobre o mundo e obrigaram a cúpula do partido a decidir avançar com a guerra no território da Guine que, aliás, já outros partidos (MLG e FLING) já tinham iniciado no Norte.
(Revisão / fixação de texto, título do poste: LG)
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(*) Vd. poste de 13 de setembro de 2020 > Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)
(**) Vd. poste de 15 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26801: Recordações de um fulacundense (Armando Oliveira, ex-1º cabo, 3ª C/BART 6520/72, 1972/74) - Parte VIII
(***) Último poste da série > 14 de abril de 2025 > Guiné 61/74 - P26688: S(C)em Comentários (64): o blogue da Tabanca Grande, segundo Carlos Matos Gomes (1946-2025)
8 comentários:
O Amílcar Cabral, infelizmente, criou uma "caixinha de Pandora" (que foi o PAIGC) e ele próprio acabou por ser vítima dos velhos ódios tribais acumulados ao longo de séculos na Guiné... Merecia ter tido melhor sorte como homem, português, cabo-verdiano e guineense... Hoje já ninguém se lembra dele, na sua terra... Tem quase tantas referências (450) do que o Spínola (500) no nosso blogue...
Parabéns por esta belíssima aula de história da Guiné
.Quem sabia disto?
A Guiné tem uma história rica de muitos séculos.
Já tinha lido alguma coisa, mas cada vez sei mais e melhor
Podíamos ter uma melhor e mais profícua relação com esta nação histórica.
A culpa veio de cima!
Nós cumprimos o nosso dever, nada mais.
Abraço ao Cherno Balde
Virgílio Teixeira
O Cherno, com esse procedimento dos primeiros tiros em Tite, como que dá a entender que logo de início, o PAIGC de Amilcar, já estaria a não ter tudo na mão.
Nem mesmo tanto Amílcar como todos os dirigentes (estudantes do império, estudantes das missões, caboverdeanos e assimilados) dos movimentos que vieram a ganhar as 3 guerras, não só contra a metrópole portuguesa, mas também contra os movimentos dos "fidjus da terra", que eram vários, e perigosos, porque tribais, nem quisessem fazer a guerra no mato.
Com diz o Cherno, já havia movimentos em movimento antes do PAIGC actuar, e o caso que despoletou tudo foi com um movimento em Angola fora das mãos dos estudantes do império.
Neste caso o MPLA, mas que nem pensar a esta gente imaginar aquele tipo de guerra, mas que se viram obrigados a avançar para o "mato" mais por medo aos "pretos" do que aos "brancos".
Sim, porque tanto Amílcar como todos os dirigentes vitoriosos, conheciam mais facilmente como lidar contra o colonizador do que contra o colonizado.
Baseio esta ideia, porque o MPLA, (intimamente ligado desde a fundação a Amilcar) foi o primeiro movimento, sem ir no "mato", já tinha iniciado as hostilidades um mês e meio antes do terrorismo da UPA no norte de Angola.
Foi a 2 (ou 4?) de Fevereiro, ataque à casa da reclusão em Luanda e à 6ª esquadra da PSP.
na mesma cidade.
E era assim, nas cidades que esses movimentos vitoriosos, pensavam que em duas penadas corriam com o "colon".
E acabou por ser na Guiné, não na Guiné apenas, mas principalmente internacionalmente que Amílcar acabou com aqueles três movimentos vitoriosos, em todos os campos.
Não teria sido o ideal, mas foi o que se pôde arranjar.
E baseio esta ideia,
É sabido que a guerra na Guiné não começou em Tite, na região de Quínara, nesta data, 23 de janeiro de 1963...Mas o Amílcar Cabral e sua máquina de propaganda aproveitaram a boleia, tal como já tinham "capturado", indevidamente, outra data "histórica", o 3 de agosto de 1959 (o "massacre do Pijiguiti"). Mas a história é feita também destes embustes, que hoje a IA (a dita "Inteligência Artificial") continua a reproduzir: sabemos como a IA funciona, se lhe derem merda, ela caga merda... (É bom que se desmifique este novo negócio que faz bilionários...)
Não sei o que os "hagiógrafos" de Amílcar Cabral (cujo centenário passou em 2024) dizem sobre isto: de qualquer modo, à revelia dos órgãos do "poder político" do PAIGC (e portanto do próprio Amílcar Cabral), dois "putos", biafadas, Arafan Mané, de 17 anos, e Malan Sanhá, de 15 anos, lançaram um ataque aventureiro e suicida ao quartel de Tite...
Nesta ação, em que arrastaram também elementos civis das imediações (estamos em pleno "chão biafada", pelo que eles jogavam em casa...), terão morrido 8 dos atacantes e 1 militar das NT.
Acrescente-se que foi um precedente gravíssimo num partido que sempre fez questão, durante a "guerra de libertação", de dizer aos quatro ventos, nos areópagos internacionais, que subordinava o "poder militar" ao "poder político"... Mas uma coisa é a teoria (e a propaganda), outra a "praxis" (e a dura realidade dos factos)...
A partir daqui estavam lançados os dados, ou seja, aberta a "caixa de Pandora": Amílcar Cabral, um homem inteligente, e generoso, mas com um ego grande, acabou, infelizmente para ele, e para os nossos dois povos, o português e o guineense, por escolher o caminho das armas (logo da violência e do terror, "revolucionários") e traçar o seu próprio trágico destino...
Ele, descrito pela IA como um "homem cauteloso", justificava-se, argumentado que o "ditador Salazar" não lhe deixou outra alternativa... Infelizmente, as "guerras de libertação" estavam na moda, era uma ideia quase romântica, pegar numa Kalash contra o colonialismo e imperialismo, criar 2, 3, muitos Vietnames, seguindo o "guru" 'Che' Guevara "incendiar o capim e transformar o mundo"... Sobrou para todos nós, a nossa geração, que morreu estupidamente para nada: milhares de balantas, biafadas, mandingas, nalus, cabo-verdianos, fulas, portugueses, etc....
A guerra é a coisa mais séria do mundo: nunca se deve dar uma Kalash, de presente, a putos imberbes, de ejaculação precoce como os biafadas Arafan Mané e Malan Sanhá...
...Ou uma G3...
Infelizmente também ajudei a formar soldados, das NT, com 15, "meninos de sua mãe"... No CIM de Contuboel, de junho a julho de 1969... Ninguém teve a lucidez e a coragem de dizer não ao recrutamento desses "djubis", fulas...
É engraçado, mas bem vistas as coisas, da ejaculação precoce dos jovens biafadas à cagada prematura dos tugas no quartel de Tite, na noite das facas longas, vieram a surgir o 25A74 e as independências precoces dos Palop's que hoje deram, claramente, em estados falhados. Nada acontece por acaso, tudo está interligado.
Cherno AB
Está bem observado, Cherno... É apropriado falar-se também em "cagada prematura", a par de "ejaculação precoce"... Tu tinhas 3 ou 4 anos nessa altura, e eras pastor...Eu ia fazer 16 anos, a 29 de janeiro...E estava à frente de um jornal regionalista... Muito longe de imaginar que, seis anos depois, iria ser mobilizado para a Guiné...
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