sexta-feira, 4 de agosto de 2006

Guiné 63/74 - P1027: Estórias de Contuboel (V): Bajudas ou a imitação do paraíso celestial (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Saltinho > Rio Corubal > Novembro de 2000> Uma cena idílica, quase bíblica... Mulheres e crianças tomando banho nos rápidos do Saltinho... Como no Rio Geba do Renato Monteiro, em Contuboel, no já distante verão de 1969... Um sugestão de verão, continental, de 2006, com votos de boas férias para todos os amigos e camaradas da Guiné...

Foto: © Albano M. Costa (2005)

Quinto (e último) texto do Renato Monteiro, da série de cinco, que intitulei estórias de Contuboel, pequenos apontamentos que o meu amigo escreveu com base na sua experiência de instrutor de recrutas guineenses, em Contuboel, no 1º semestre de 1969 (1).

O Renato Monteiro foi furriel miliciano na CART 2479 - que deu origem à CART 11 e esta, por sua vez, à CCAÇ 11 (Contuboel e Piche). Foi, mais tarde, transferido por motivos disciplinares, para a CART 2520, Xime e Enxalé (1969).


À IMITAÇÃO DO PARAÍSO CELESTIAL

Acordo com os latidos da Daisy, já recuperada da mazela na perna, incitando-me a sair da cama. Como a querer lembrar a combinação que fiz com o Canininhas e o Português Suave em pirarmo-nos hoje para o rio Geba que o Fórmula Um, o condutor, afirma ficar a quinze minutos de Unimog.

Acordo como um animal de sangue frio em período de hibernação e, caso não fosse a barba por fazer desde há três por se ter gripado a bomba de água e a desagradável sensação pegajosa no corpo, bem teria mandado o compromisso para as urtigas. Mas avancemos. Tomado o pequeno almoço à pressa, toca de trepar para a viatura, com os dois camaradas vociferando contra o meu atraso, és sempre o mesmo, mais o Joshua apanhado a atravessar cabisbaixo a parada e a Daisy, como prémio do seu empenho em combater a minha letargia.

Por uma estrada todo o terreno, cheia de covas abertas pelas correntes das chuvas e de sulcos dos rodados das viaturas, em menos tempo que o calculado pelo Fórmula Um chegamos ao Geba: bem estreito quando comparado à sua dimensão em Bissau ou no ponto em que se cruza com o Corubal.

Mas bem mais largo quanto ás vistas que dele se podem colher: aquele pequeno grupo de bajudas, ó Cesário, sem rendas ou ramalhetes rubros de papoilas, apenas cintadas por uma tanga fina, tudo o mais só nudez ali exposta à luz do sol, com natural indiferença aos nossos olhos e sem nada ficarem a dever em graciosidade às virgens do paraíso celestial descrito por Jaló.

Salpicadas de espuma, com a água a escorrer em fios ou em contas pelos ombros, o seios, o colo, quantas aguarelas não dariam? Tantas quantas ninfas ou sereias de outros tempos imaginadas em pedra ou tela.

Pena, para não dizer pequena e simulada raiva, é a Segunda, a quem ironicamente comecei a tratar por Benvinda, nem uma única vez tenha posto os olhos em mim, limitando-se apenas a cumprimentar-me aquando da entrega da roupa à porta da camarata, limpa, sem vincos e ainda quente do ferro, ao fim da tarde.

À hora em que, num breve instante, o dia escurece, as boieiras alinhadas como esquadrões de caça recolhem ao refúgio da mata e o poente se tinge de cores vivas e quentes. Como nunca me foi dado ver.
_____

Notas de L.G.

(1) Vd. posts anteriores:

28 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1001: Estórias de Contuboel (i): recepção dos instruendos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

30 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P1005: Estórias de Contuboel (ii): segundo pelotão (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

2 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1017: Estórias de Contuboel (iii): Paraíso, roncos e anjinhos (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

4 de Agosto de 2006 > Guiné 63/74 - P1026: Estórias de Contuboel (iv): Idades sem lembrança (Renato Monteiro, CART 2479 / CART 11, 1969)

Sem comentários: