quinta-feira, 26 de abril de 2007

Guiné 63/74 - P1702: A guerra também se ganhava (ou perdia) nas ondas hertzianas (Helder Sousa, Centro de Escuta e de Radiolocalização, Bissau)

Guiné > Bissau > s/d > O Furriel Mil Trms TSF (Piche e Bissau, 1970/72). Junto ao cais... Depois de sete meses em Piche (junto ao BCAV 2922), passou o resto da comissão no Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné.



Guiné > Bissau > s/d [1970-1972] > O Helder Sousa no seu quarto em Bissau... Na parede, um poster (um pouco insólito) do Che Guevara, um ícone da juventude da época, mas também um grande amigo do PAIGC...

Fotos: © Helder Sousa (2007). Direitos reservados.

1. Texto do Helder Sousa (ex-Fur Mil de Transmissões TSF, Piche e Bissau, 1970/72) (1):

Caro Camarada Luís Graça:

Já tratei das formalidades junto do Vitor Junqueira, no sentido de lhe confirmar a minha intenção de estar presente no almoço/convívio/confraternização em Pombal, dando-lhe também conta de que levo um acompanhante e que escolhia a ementa B.

Já contactei também o Carlos Marques enviando-lhe uma foto actual, dando-lhe conta do contacto com o Vitor Junqueira e informando que o acompanhante é também um ex-camarada da Guiné, meu padrinho de casamento, ex-Furriel Miliciano de Transmissões TSF, Nélson Batalha, que esteve e foi ferido em Catió em Abril de 1971, que não está muito bem actualmente e que eu espero e acredito que este evento o venha marcar de forma positiva e revitalizadora.

Em anexo envio algumas fotos tiradas na Guiné que consegui recuperar (não estão grande coisa, mas foi o que consegui) e uma foto actual.

Aproveito agora para dar mais algumas informações sobre mim e sobre a minha estadia na Guiné, utilizando alguma coisa que já enviei ao António Abreu.

Assim, para além daquilo que já indiquei, que me chamo Hélder Valério de Sousa, que vivo em Setúbal, que fui Furriel Miliciano de Transmissões TSF do STM, tenho o n.º de telemóvel 93 202 56 20 e o endereço de mail soushelder@gmail.com , que sou um atento e interessado leitor do blogue e agora já também membro da nossa Tertúlia, com cujos estatutos concordo...

Acrescento que nasci em Outubro de 1948 em Vale da Pinta (Cartaxo), vivi e fui formado nas várias escolas que Vila Franca de Xira proporcionava aos seus e fui para a Guiné aonde cheguei em 9 de Novembro de 1970. Para fazer juz àquela expressão que algumas vezes encontramos de qualquer coisa e um dia, também tive a aplicação prática da mesma que se traduziu pelo facto de ter regressado em 10 de Novembro de 1972, ou sejam 24 meses e um dia.

Fui em rendição individual embora do meu curso de transmissões STM fossemos 7 em simultâneo: 3 fomos no Ambrizete e os outros no Carvalho Araújo, ao que me lembro numa viagem atribulada.

Nós os três do Ambrizete (eu e os Fur Mil de Trms Nélson Batalha e Manuel Martinho Martins) chegámos um dia antes e, como era sabido, a velhice contava..... Curiosamente andou sempre à volta do S. Martinho. Para lá levei os ingredientes necessários para alguns conterrâneos (agora vivo em Setúbal mas à data vivia em Vila Franca de Xira) poderem fazer a festa e quando cheguei de volta de vez foi exactamente para entrar nessa comemoração.

Dadas as condições específicas da especialidade (TSF), fiquei algumas semanas em Bissau, em formação para adaptação às condições de exploração dos postos, tendo acabado por ir parar a Piche (então sede do BCAV 2922, do qual não tenho encontrado nada que refira encontros), tendo andado por lá do início de Dezembro de 1970 ao final de Maio de 1971. A partir dessa data fui para Bissau integrar o Centro de Escuta que era uma das jóias do então criado Agrupamento de Transmissões.
Guiné > Algures > S/d [1970-1972] O Helder Sousa em trabalho de radiolocalização...

Foto: © Helder Sousa (2007). Direitos reservados.



Aí participei na escuta e gravação permanente às rádios dos países vizinhos (Senegal e Guiné-Conakry) bem como dos noticiários em língua francesa para África da BBC e da ORTF:

(i) enviando o resultado (fitas gravadas) para a ACAP (Assuntos Civis e Acção Psicológica) onde pontificava Ramalho Eanes (o cara de pau, como lhe chamávamos, devido ao seu semblante sempre sério e severo) (2);

(ii) fazendo os empastelamentos às emissões de rádio do PAIGC (não eramos a única entidade, tínhamos algumas frequências a nosso cargo);

(iii) fazendo pesquisa das comunicações de telex dos países vizinhos;

(iv) enviando para o ar as emissões gravadas da Voz Livre da Guiné da Frente de Libertação Nacional da República da Guiné (Conakry);

(v) fazendo a escuta e intersepção das comunicações rádio (fonia, poucas, grafia principalmente) do PAIGC;

(vi) registando os teletextos de várias agência noticiosas (MAP, APS, MENA, FrancePress, etc., as quais eram de registo obrigatório, e de outras que íamos pesquisando);

(vii) produzindo acções de radiolocalização; contribuindo com notícias (recolhidas das agências noticiosas...) para uma comunicação chamada Presse Lusitana, salvo erro.

Como se vê, muita actividade, sem dúvida interessante, mas longe da guerra mais dura. Por isso não tenho muitas histórias para contar que possam aproximar-se sequer daquelas que tão bem têm sido retratadas pelos nossos tertulianos, dando-nos conta das angústias, dos medos, da coragem, do altruísmo, da camaradagem, até também de coisas menos próprias, por vezes com tanta intensidade e realismo que nos fazem reviver esses climas e nos transportam para esses locais e ambientes.

Prometo que irei buscar ao meu baú de memórias algumas coisas para partilhar com a Tertúlia (porque, apesar de tudo, também tenho alguns epidódios que merecem ser relembrados) mas ficarão para depois do nosso encontro, pois espero que ele também me sirva para reavivar nomes (os nomes, principalmente, vão ficando nublados...) e ordenar acontecimentos e datas para não dar indicações erradas.

Um grande abraço e até breve!

Hélder Sousa

__________

Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 11 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1652: Tertúlia: Três novos candidatos: José Pereira, Hélder Sousa e Jorge Teixeira

(...) "Chamo-me Hélder Valério de Sousa, vivo actualmente em Setúbal, fui Furriel Miliciano de Transmissões, do STM, cumprindo a comissão de serviço na Guiné entre 9 de Novembro de 1970 e 10 de Novembro de 1972, tendo estado cerca 7 meses em Piche (contemporâneo do BCAV 2922) e o resto da comissão ao serviço do Centro de Escuta e de Radiolocalização do Agrupamento de Transmissões da Guiné.


(2) Além de Ramalho Eanes, na REP.ACAP (Repartição de Assuntos Civis e Acção Psicológica), chefiada pelo então major Lemos Pires, trabalhava também, na época, o Cap Otelo Saraiva de Carvalho, então na sua 3ª comissão se serviço no Ultramar... Vd. Autobiografia de Otelo, publicada esta semana no JL - Jornal de Letras, Artes e Ideias, nº 954, de 25 de Abril/8 de Maio de 2007.

(...) "Nela foi meu subordinado um 1º cabo com piada, chamado Camacho Costa, que me acompanhou numa tournée que promovi pela Guiné como militares-artistas ali em serviço, fazendo ele a apresentação e a locução dos espectáculos. E para a repartição recrutei um outro 1º cabo em serviço, como escriturário, no Batalhão de Engenharia de Bissalanca e que eu soube fazer locução de profissão na vida civil. Chamava-se João Paulo Dinis, e pouco tempo depois,seria por mim de novo recrutado para o desempenho de importante missão na noite de 24 de Abril de 74" (...)(Excertos de: Autobiografia - Otelo Sariava de Caravalho: Era uma vez um português de 2ª classe. In: JL, 25 de Abril/8 de Maio de 2007, p. 7). (Negritos do editor do blogue).

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