Guiné > Zona Leste > Sector L5 > CCS do BCAÇ 2912 (1970/72) > Poilão junto ao quartel de Galomaro, queimado por um ou vários raios... As árvores morrem de pé.
Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bafatá > Fevereiro de 2005 > "Vejam a beleza da miúda ao lado do meu filho. Hoje como ontem... O Pedro é o puto mais alto, ao lado da tia, mãe dos dois miúdos. Ele, por sua vez, é filho de uma fula e de um balanta, antigo guerrilheiro, e hoje oficial superior das Forças Armadasa Guineenses. A moça muito bonita é irmã do Pedro. O João e o Sado estão no lado direito" (1)
Fotos e legendas: © Paulo Santiago (2007). Direitos reservados.
IX Parte das memórias do Paulo Santiago, ex-Alf Mil, comandante do Pel Caç Nat 53 (Saltinho , 1970/72) (2). O Paulo é natural de Águeda.
Já referi, em textos anteriores, a abertura e posterior utilização da picada que ligava o Saltinho a Galomaro, via Pulom. Antes desta abertura, os abastecimentos eram efectuados por colunas, saídas de Bambadinca, via Mansambo, Xitole, seguindo até ao Saltinho (3).
Não sei de quem partiu a ideia da picada, penso que saiu da cabeça do Clemente [, capitão Carlos Clemente, comandante da CCAÇ 2701], encadeada numa sugestão do comerciante libanês Jamil Nasser (4).
A picada não teve grandes problemas de construção, sendo que a sua maior extensão já se encontrava aberta ao trânsito de viaturas, nomeadamente entre o Saltinho e Chumael (ver carta de Contabane), e servia também de via para os djilas que, em Chumael, flectiam à esquerda, abandonando a picada existente, tomando um carreiro - carreiro dos djilas - que seguia em direcção ao Pulom-Duas Fontes-Galomaro.
Houve que alargar aquele trilho, tarefa a cargo da CCAÇ 2701 e da CCS [do BCAÇ 2912] de Galomaro e estava aberta uma nova via, com grandes benefícios para os militares do Saltinho,como seja ir às putas a Bafatá.
Assim, no início de Abril de 71, mais dia menos dia, estava pronta para inauguração aquela nova acessibilidade. Uns dias antes, tinha chegado, de heli, ao Saltinho um Auxiliar de Pecuária, penso ser esta a designação, vindo de Bafatá, com a função de vacinar, contra a febre aftosa, o efectivo bovino existente na área. Por motivos profissionais, conversei muito com o senhor e bebemos também muitos uisques com Perrier. Ele era natural da Metrópole, casado com uma cabo-verdiana.
A inauguração da picada calhou ao Gr Comb do Alf Mil Op Esp Fernando Mota, indo eu à boleia, após um pedido ao Clemente. Acompanhou-nos o tal Sr Auxiliar de Pecuária que de imediato nos convidou para irmos jantar, eu e o Mota, a sua casa em Bafatá. Convite aceite na hora.
O piso da picada, onde tinha sido alargada, estava uma merda, tinham faltado as máquinas da Engenharia para arrancar os cepos dos troncos. Um tipo fartava-se de saltar dentro dos Unimog 404, mas há que aguentar, vamos para a cidade, que se lixem as costelas. Chegamos a Galomaro, com o corpo bem massajado, mas sem qualquer outro problema.
Informamos o comandante de batalhão [BCAÇ 2912], Ten-Cor Octávio Pimentel, que a via se encontra operacional e que seguiremos para Bafatá levar o Sr da Pecuária, onde jantaremos, regressando tarde ao batalhão onde iremos pernoitar. Acrescento que, naquela altura, não havia, em princípio, qualquer problema de encontro com o IN, no trajecto Galomaro-Bafatá e vice-versa.
Chegamos à dita segunda cidade da Guiné [, Bafatá,] perto do fim da tarde. Para mim, estava desde fins de Outubro de 70 no mato, chegar aquela cidade foi um deslumbramento... Havia automóveis, havia restaurantes, havia brancas e verdianas... Maravilha!
Encontro o Alf Mil Médico Abílio Oliveira que encontrara quando da minha chegada/passagem para o Saltinho e dormira uma noite no Esquadrão de Cavalaria (5). É médico e director do Hospital, tem uma carrinha Peugeot onde eu sento o cú, após meses de bancos de GMC e Unimog. Sei que também está convidado para o jantar em casa do Sr. da Pecuária, onde nos dirigimos.
Ficamos, eu e o Mota, embasbacados, a filha do Sr., mistura perfeita de branco com cabo-verdiana, é um espanto, uma beleza em qualquer lugar do mundo, bonita, formas harmoniosas,uma coisa para comer com os olhos. Servem-nos frango à cafreela, está muito bom, mas, aquela moça ali ao lado tira-me o apetite,vou bebendo mais que comendo.
Mais bebidos que comidos, regressamos já bastante tarde a Galomaro, com aquela bela imagem de fêmea a pairar frente aos nossos olhos.Enquanto, eu e Mota jantávamos, o Gr de Comb andou a despejar os tomates nas putas, negras e verdianas, havendo alguns que também arranjaram tempo para se meterem nos copos.Dormimos em Galomaro, regressando na manhã seguinte ao Saltinho.
Passados uns dias, mais uma incursão a Bafatá.D esta vez,vai o Cap Clemente e eu com o Pel Caç Nat 53. Do Saltinho até Galomaro, vamos em dois Unimog 404. Na sede do batalhão o Clemente crava um jipe, para melhor nos movimentar-mos na cidade. Grande parte dos meus homens, negros, tinha família ou amigos, em Bafatá, para eles era também festa, estas saídas. Seguimos directos ao Transmontano, apesar de ter insistido com o Clemente, fazermos uma paragem em casa do Sr da Pecuária.
No Restaurante apareceu o dono de uma escola de condução(será que era também o proprietário da casa ?) que entabolou uma conversa sobre as grandes vantagens com a recente abertura da picada. Os militares do Saltinho que quisessem tirar carta, podiam agora,com grande facilidade deslocarem-se a Bafatá e concretizarem esse objetivo. Claro, a conversa foi sendo acompanhada com petiscos e bebidas, com predominância para estas, e prolongou-se até às tantas da noite, já com o meu grupo à porta do Restaurante, esperando por nós.
Muito bem enfrascados,lá resolvemos regressar a Galomaro. O Clemente comigo no jipe, e, para evitar o pó, os Unimog na nossa rectaguarda. O Clemente era um acelerativo com as viaturas. Poucos minutos após deixar-mos a estrada que seguia para Bambadinca,uma manobra mais arriscada, vai pneu e jante pró caralho. Grande merda,a noite está escura como breu e o jipe não tem roda sobresselente. Foda-se.
O Fur Mil Duarte, instruendo do Clemente nas Caldas, vinha no Unimog atrás de nós foi incumbido de resolver o problema: dirigia-se a Galomaro, sacava uma roda de um jipe,regressando ao nosso encontro. Passada mais de uma hora chegou a desejada roda e a informação que o Octávio Pimentel se fora deitar,todo fodido, por aqueles caralhos do Saltinho nunca mais chegarem.
Trocaram-se as rodas, seguimos para Galomaro, onde chegámos, passava da meia-noite... Maluqeiras. Acordo de manhã com os berros histéricos do Pimentel, eu, que estava com uma ressaca lixada,e o Clemente pouco melhor estaria. O gaijo estava com a manhã estragada, queria ir dar uma volta pela tabanca, ver as bajudas, encontrara o jipe sem uma roda e apoiado num cepo.
Grande azar, como podia o Duarte imaginar que aquele era o jipe do Comandante de Batalhão,os gaijos da CCS poderiam ter avisado na noite anterior, mas fecharam-se em copas, maginando a cena da manhã seguinte. Àuma ameaça de punição (ao Duarte) o Clemente empertigou-se, informando o Ten-Cor que a roda fora retirada por sua ordem.
Terminou por aqui, o Pimentel tinha um certo temor perante o Carlos Clemente.
__________
Notas de L.G.:
(1) Vd. post de 29 de Junho de 2006 > Guiné 63/74 - P923: As emoções de um regresso (Paulo Santiago, Pel Caç Nat 53) (2): Bambadinca
(2) Vd. post anterior > 12 de Abril de 2007 > Guiné 63/74 - P1653: Memórias de um Comandante de Pelotão de Caçadores Nativos (Paulo Santiago) (8): A pontaria dos artilheiros de Aldeia Formosa
(3) Vd. posts de:
11 de Agosto de 2005 > Guiné 63/74 - CLXX: As heróicas GMC e os malucos dos seus condutores (CCAÇ 12, Septembro de 1969) (Luís Graça)
20 de Maio de 2005 > Guiné 69/71 - XXII: O inferno das colunas logísticas na estrada Bambadinca-Mansambo-Xitole-Saltinho) (Luís Graça)
(4) Jamil Nasser, comerciante libanês do Xitole, de cuja casa o Joaquim Mexia Alves e outros milicianos da CART 3492 eram assíduos frequentadores. Vd. post de 11 de Julho de 2006 > Guiné 63/74 - P952: Evocando o libanês Jamil Nasser, do Xitole (Joaquim Mexia Alves, 1971/73).
(5) Vd. post de 12 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1168: Memórias de um comandante de pelotão de caçadores nativos (Paulo Santiago) (1): Periquito gozado
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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