quinta-feira, 2 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24817: Coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços (16): O Barroso que não era(é) só a 'carne barrosã' DOP: o comunitarismo agropastoril, segundo o Padre Fontes (1977) - Parte I: do boi do povo à paulada nas chegas e nas feiras

 

Foto nº 1 > Barroso, Montalegre, Covelo do Gerès >  Carreto da lenha (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 32)

 
Foto nº 2 > Chaves, Soutelinho da Raia > Segada (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 24)


Foto nº 3 > Barroso, Montalegre, Paredes do Rio   Antiga esc0ola, com cobertura de colmo (Fonte: Fontes, 1977, op cit, foto 4)

1. O Padre Fontes é uma figura popular na sua região (Barroso, Trás-Os-Montes, concelhos de Montalegre e Boticas). Tornou-se melhor conhecido, e desta vez a nível nacional, quando em 1983 organizou o primeiro Congresso de Medicina Popular para escândalo de alguns, a começar pelo seu bispo,  de Vila Real, que náo gostou da "heresia" de misturar o sagrado e o profano, Deus e o Diabo. 

É padre e etnógrafo. Conheci-o no verão de 1980, na sua casa em Vilar de Perdizes, Montalegre. Fui passar férias em família, mais um grupo de amigos, em Pitões das Júnias, Montalegre (a aldeia mais alta de Portugal, na serra do Gerês, a par da Gralheira, Cinfáes, na serra de Montemuro, ambas a cerca de 1110 metros acima do nível do mar), e onde a maior parte (ou boa parte)  das casas ainda eram de colmo; teria na altura c. de 238 habitantes, hoje menos de 151, contando na emigração, desde o Rio de Janeiro a Paris, pelo menos o triplo da população de 1980).  

E devorei dois dos seus livros, Etnografia transmonta, 1º volume: Crenças e tradições do Barroso, 1974; 2º volume: O comunitarismo de Barroso, 1977.(*).

Deste segundo volume  tomamos a liberdade de reproduzir alguns excertos onde se descreve, resumidamente,  traços do comunitarismo agropastoril de montanha (Rio de Onor e  Vilarinho das Furnas eram até aos anos 50 os exemplos mais típicos e estudados), traços esses que chegaram aos anos 70, no Barroso , e que hoje inevitavelmente desapareceram, ou tendem a desaparecer ou a transformar.se com as profundas mudanças económicas, sociais, demográficas, tecnológicas e culturais ocorridas desde então. 

O Lourenço Fontes, ele próprio um Barrosão de alma e coração,  começou a fazer recolhas etnográficas, desde os primeiros tempos de seminário, nos anos 50, sendo a sua própria mãe  uma primeira (e privilegiadfa) fonte de informação e conhecimento.

Barroso (ou Terras de Barroso) em sentido restrito é a região tradicionalmente formada pelos concelhos de Montalegre e Boticas.

Em homenagem a este homem, e naturalmente aos demais homens e mulheres do Barroso [ região de Trás-os-Montes que todos nós conhecemos mal, ficando pela "carne barrosá" DOP, o "vinho dos mortos" (Boticas) ou o "presunto de Chaves" e pouco mais... ] , damos a conhecer alguns dos seus  escritos, que também falam de "coisas & loisas do nosso tempo de meninos e moços" (*). 

Além disso enriquecem o nosso vocabulário, havendo aqui termos e expressóes que não são  familiares à maior parte dos nossos leitores, nomeadamente citadinos, e alguns dos quais nem sequer ainda vèm dicionarizados:

  • quentar o forno
  • ferrenhas
  • boi do povo
  • chegas
  • pastoria
  • limpaderia
  • tocar gado
  • manteça 
  • carreto da lenha
  • segar
  • mangação
  • colmar / colmador
  • soqueiro 
  • cabaneiro
  • boticairo
  • ceibe
  • pontilhão
  • merca
  • couto
  • ementes o vizinho vai botar um copo / ementes ninguém vem
  • à roda do povo
  • ó ano
  • banços do andor
  • pau de lodo
  • fojo do lobo
  • ardenhas
  • estadulhada, etc.

Excertos > Coletivismo agropastoril:  Manifestações atuais e antigas do omunitarismo em Barroso - Parte I (pp. 55-57)

Referência: FONTES, António Lourenço - Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre, ed. do autor, 1977, il., 299 pp, + 48 inum,  (Tipografia Minerva Transmontana, Vila Real).

(..:) Toda a vida do barrosão está imbuída de sentido comunitário,  familiar.

Todos os trabalhos pesados ou leves são motivos de entreajuda e colaboração:

  • a segada do centeio, do feno, 
  • a recolha dos mesmos, 
  • o arranque ou plantação da batata, 
  • a malhada, 
  • a desfolhada do milho, onde ele predomina, 
  • o carreto da lenha, 
  • a cavada do centeio, 
  • o arranjo dos caminhos, 
  • a abertura dos regos ou presas de rega,
  • os próprios moinhos comunitários, 
  • o forno e a sua obrigatoriedade de quentar
  • a  utilização dos baldios, seja para pasto, carvão, lenha,  roçar mato ou fazer a cavada

são manifestações evidentes e  r
eminisiscências de uma unidade familiar de cada aldeamento.

O boi do povo, um dos maiores  proprietários da aldeia, é  de todos os que têm vacas. Todos colaboram na sua manutenção e pastoria. Todos têm de lhe ir:

  • segar e recolher o feno, 
  • semear as batatas do boi, 
  • recolhê-las, 
  • pedir pão ou milho ou mesmo roubá-lo, quando os mais velhos os não querem dar às boas. 


Em Cambezes, quando é o tempo das ferrenhas tenras,  o boi anda à roda pelos vizinhos, cada um tem de dar ferrenha ao boi ou bois,  tantos dias como de vacas têm para cobrir. Todos pagam ao pastor do boi, conforme o número de vacas.  

Em Pitões pagam em alqueires de centeio  ao que guarda o rego da rega, no tempo da respetiva. O tratador é gratuito, trata do  boi para vender ou chegar com outro.

Nas chegas,  o desporto usual das aldeias do Barroso, todos vão acompanhar o seu boi, de pau na mão,  e rogar aos santos da igreja que ele seja campeão.

Se não for campeão,  ou o vendem,  ou o tratam para vir a sê-lo. Por isso, nem sempre o ser bom reprodutor é o motivo de conservar um boi, mas o ser o melhor lutador. Está aqui uma das razões da degenerescência da raça Barrosã, além de outras.

Nas festas religiosas, mistas de superstição e de cristianismo,  também o sentido de responsabilidade se reparte por todos à roda. Cada comissão nomeia, para o ano seguinte, a comissão respetiva. Um juiz e os mordomos necessários para angariar fundos pedindo pelas aldeias, de saco e alforge, esmola para o santinho. Há devotos que fazem, então promessa de ir pelas aldeias, fazer uma penitência. 

No dia da festa, todos têm de colaborar na manteça dos músicos,  do armador, do fogueteiro, dos padres,  gratuitamente e as horas que fizerem falta.

Nas procissões, os rapazes novos têm até brio de serem eles a pagar, para pegarem nos banços dos andores. Arrematam o banço do andor e todo o percurso, arrotam com o peso de enormes andaimes, em que vai o santo ou santos enfeitados com sedas, balões, fitas, luzideiras estrelas, anjos de papel, dinheiro, etc.

Nas feiras e festas a rapaziada junta-se em determinado local, mais ou menos central, ou a saída do povo, cada qual com o seu pau de lodo, antes, hoje com a sua pistola no bolso. [ A GNR acabou com os paus, diz o autor em nota de rodapé, pág. 56] 

Se tocam gado para a feira, cria, vaca, porco ou burro, esperam uns pelos outros, ou tocam uns o gado dos familiares e vizinhos. Para as crias irem melhor, há um que toca as vacas,  para apoio das crias ou  vitelos de todos. 

Na feira, guardam o gado, ementes o  vizinho vai botar um copo,  à tenda e,  se calhar, até lha vende, pois já sabe quanto vale e quanto tem de pedir aos mercadores,  que passam, fazendo mangação dos possíveis exorbitâncias do lavrador acanhado,  envergonhado no pedir.

Nos barulhos ou contendas,  entre  pessoas da aldeia diferentes,  também a coesão e unidade se manifesta. Um por todos e todos por um,  gritam logo. E toca de desgalhar paulada ou estadulhada nos inimigos do nosso vizinho. 

Há aldeias que não se ligam bem, apesar de serem da mesma freguesia ou muito próximas, que não se gramam por uma pequena questão particular. O Jogo do Pau era espectáculos nestas marés. (Salto).

Até no estrangeiro, o emigrante barrosão  vive e pratica o mesmo modo de vida comunitária. Mal tem trabalho, logo chamam a família e amigos que podem para ali fazer uma segunda aldeia familiar comunal. 

Que o digam todos as comunidades de  Barrosões em várias cidades do mundo. Ludlow, Milford, New Bedford, Mass e  Bridgeport Conn, New Jersey, N.W, nos Estados Unidos da América do Norte. Em Montreal, Ontário,  no Canadá. Em São Paulo, Rio,  no Brasil. Em Paris, Londres, S. Sebastião, Orense, África, Angola ou Moçambique, eram notadas as comunidades de Transmontanos, especialmente os Barrosões, pelo seu sentido de união e colaboração como sendo de uma família só. 

Na manutenção do padre e da conservação de monumentos de interesse público, todos contribuem, por derrama com a sua quota parte,  ou com dias de trabalho. ao padre Todos pagam em alqueires de pão ou milho, vinho, segundo tabela antiga,  e segunda as posses das famílias. 

Ao padre dão além disso,  a lenha para todo o ano, na matança, dão-lhe o melhor do porco, a assadura,  a rodela do pescoço e a língua,  para que fale bem na igreja; vão.lhe fazer os trabalhos agrícolas,  dão-lhe feno para o cavalo etc. 

Os altares das capelas têm zeladoras,  à roda do povo ou por promessa. As capelas são conservadas por comissões,  nomeadas autonomamente,  pelos vizinhos.

In: Etnografia transmontana: II - O comunitarismo do Barroso. Montalegre(pp. 55/57)


© António Lourenço Fontes (1977).


(Continua)


[ Seleção / fixação e revisão de texto / negritos, para efeitos de publicação deste poste; LG. (Com a devida vénia ao autor... ]

______________

Notas doo editor;

(*) Ver aqui um resumo biobliográfico;:

António Lourenço Fontes, mais conhecido por Padre Fontes, nasceu em Cambezes do Rio, Montalegre, Barroso, em 1940. É um padre católico português "com ampla ação cívica, social, cultural e literária", diz a Wipédia.

É o principal impulsionador do Congresso de Medicina Popular, em Vilar de Perdizes, Montalegre, e das "Sextas-Feiras 13", em Montalegre.  O Congresso de Medicina Popular realiza-se desde 1983 atrai curandeiros, bruxos, videntes,  cartomantes, etc,. além de psiquiatras, antropólogos e... turistas de todo o lado (Em 2023, foi a 37ª edição). Outro evento, que se realiza desde 2002, sob a organizaçáo da Câmara de Montalegre,  é a "Noites das Bruxas"  que decorrem em todas as "Sextas-feiras 13").
 
 Oriundo de um família pobre, de 12 irmãos (o pai esteve emigrado na Américva, em 1927), Lourenço Fontes fomou-se no seminário em Vila Real (1950-1962). Em 1980, concluiu a licenciatura em História na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.

Já desde o seminário era uma figura rebelde e contestatária ("com um terço na mão e o diabo no coração", escreveu ele no seu diário secreto da adolescència). Como jpvem padre, desterrado em Tourém e depois colocado em Vilar de Perdizes, lutou contra a situação política em vigor até ao 25 de Abril de 1974 bem como contra a guerra colonial. No Barroso morreram 41 jovens na guerra de ÁfriCA: 12 em Boticas 12 ( sendo 3 no TO da Guiné); e 29 em Montalegre (9 no TO da TO da Guiné).

Um dos mortos foi o Manuel Lourenço Fontes, que pode ser irmão ou parente do Padre Fontes: tem o mesmo apelido, é natural da mesma terra, Cambezes do Rio, Montalegre, era sold at inf, CCAÇ 2321 / BCAÇ 2837, morreu em combate em 5 de janeiro de 1969, na serra do Mapé, no TO de Moçambique, juntamente com mais 6 camaradas.

 O António Lourenço Fontes editou e colaborou em várias obras: Etnografia Transmontana (2 volumes), Usos e Costumes de Barroso, Milenário de S. Rosendo, Antropologia da Medicina Popular Barrosã, Chegas de bois, Raça Barrosã, Las fronteiras invisibles, Contos da raia, Crenzas e mitos da raia seca ourensana, Ponte da Mizarela, ponte do diabo, Roteiro dos castros de Montalegre, Roteiro dolménico de Montalegre.

Tem ampla colaboração em vários jornais e revistas regionais. Colaborador permanente da RTP, TVE, TVG. Participou em filmes da região: Terra de Abril, Terra Fria, 5 dias e 5 noites, Não cortes o cabelo que meu pai me penteou, Os demónios, documentários para a BBC, TV da Holanda e França, UNESCO, Odisseia...

Fez centenas de conferências por todo o país e no estrangeiro, em universidades, grupos culturais, escolas, autarquias, etc. Organizou diversos congressos, nacionais e internacionais. 

Fundou e dirigiu o mensário Notícias de Barroso (d1971 a 2006). Exerceu as funções de empregado, chefe de pessoal nos Serviços Médico Sociais de Vila Real (Montalegre), de 1973 até 1990. Exerceu as funções de secretário do gabinete da Presidência na Câmara Municipal de Montalegre desde 1990 a 2000 e reformou-se.

É considerado o maior etnógrafo de Trás-os-Montes depois do Abade de Baçal. O Ecomuseu de Barroso tem o seu nome. Em 2012, por iniciativa dos deputados eleitos pelo distrito de Vila Real foi solicitado ao Presidente da República Portuguesa que o Padre Fontes fosse distinguido com a Ordem do Mérito.

Apesar dos seus 83 anos e da doença de Parkinsom, ele continua a ser um trabalhador incansável e um Barrosáo apaixonado pela sua terra.

9 comentários:

Fernando Ribeiro disse...

Quando eu era muito pequeno, conheci uma pessoa que falava de uma maneira estranhíssima, que os adultos tinham uma certa dificuldade em entender. Se bem me lembro, ouvi dizer a alguém que essa pessoa era dos lados de Chaves. Ora em Chaves fala-se português. Com uma pronúncia local tipicamente transmontana, em Chaves fala-se português puro, que ninguém tem dificuldade em entender. Certamente a pessoa com o falar estranho que conheci na minha infância não era natural de Chaves. Seria do Barroso? Faço-me esta pergunta, porque há cerca de vinte anos encontrei um artigo na internet que revela a existência de um falar próprio do Barroso, que estava em vias de extinção. Provavelmente neste ano de 2023 já estará completamente extinto. O artigo já só se encontra no Arquivo.pt e pode ser lido aqui:

https://arquivo.pt/wayback/20050414184715/http://www.espigueiro.pt/noticias/ab233b682ec355648e7891e66c54191b.html

Mudando de assunto. É possível que a conquista de Lisboa aos Mouros se deva a um natural de Pitões das Júnias. Eu explico. No tempo de D. Afonso Henriques, chegou ao Porto uma armada de cruzados a caminho da Terra Santa, com a finalidade de se reabastecerem. Aproveitando a presença dos cruzados na cidade, o bispo do Porto fez-lhes um sermão, incitando-os a ajudar o rei de Portugal a conquistar Lisboa, convencendo-os de que combater os "infiéis" em Lisboa valia tanto como combatê-los na Palestina para a salvação das suas almas. A prédica do bispo do Porto resultou em pleno e todos sabemos que os cruzados ajudaram D. Afonso Henriques a conquistar Lisboa. O bispo do Porto chamava-se D. Pedro Pitões, tendo este nome porque era natural de Pitões das Júnias.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Obrigado, Fernando pelo teu contributo.

O Barroso, de facto, já inclui Chaves, embora seja um concelho vizinho... Quando estive em Pitões das Júnias em 1980 (e já lá fui depois mais uma vez, pelo menos), não me apercebi da existència de um dialeto propriamente dito...

As pessoas falavam muito e gostavam de estar com os estranhos, sem noção do tempo. Estavam ainda isoladas, não havia autoestradas.

Uma das moradores o máximo que tinha ido fora a Vila Real e outra ao Porto. Um homem com quem falei, tinha estado emigrado em França. Sem saber ler nem escrever, só com uma morada escrita num papel, chegou a Paris (ou arredores) e conseguiu localizar o familiar ou amigo que lhe deu guarida...

Na altura a aldeia tinha 500 vacas (a vezeira ia para o monte durante 8 dias com o pastor, as vacas à noite dormiam em círculo, com os cornos para fora, para se defeenderem dos lobos). Também tinham garranos, em estado mais ou menos selvagem... Iam pasrar a Espanha, e os dos galegos entravam também em Portugal...

Havia, além disso, duas vezeiras de cabras e cabritos: 2500 animais!... Iam à vez pastar todos os dias. Voltavam à noite... Era um espetácúlo vê-las regressar ao redil (debaixo das casas, grande parte ainda de colomo como na Guiné, quando lávoltei muito amsi tarde já estava tudo "telhado")...

Devido à altitude, os miúdos tinham as bochechas "vermelhas"...

As diferenças sociais notavam-se no nº de cabeças de gado: quem tinha 20 vacas, era rico; 2o, 3 ou 4, era remediado... Quem não tinha vacas nem terras, era "cabaneiro"...

Maqs tudo genet com... "massa": mataavm muitos porcos, tinham familiares no Brasil e em França, filhos juízes e doutores em Lisboa...

Foram umas férias inesquecíveis... A minha filha, Joana, com dois anos, tinha que andar às cavalistas do pai, as ruas eram "atapetadas" de bosta de vaca e de caganitas de cabra... Éramos dois homens, dois carros, e uma porrada de miúdos e mulheres...

Valdemar Silva disse...

O falar ou pronunciar como os dos lados de Chaves, que me desculpem, com o característico sibilante é para mim irritante.
Na tropa, no RAP3 (Fig. da Foz), havia dois cabos milicianos dessa região transmontana. Um era alto e castiço, sempre com a fralda de fora, e outro baixo, da minha estatura, muito irritante.
Certo dia, na sala de Sargentos, cheia a seguir ao almoço, estava eu com outro camarada sentados e concentrados a jogar às damas. Entretanto, o mais baixo de Chaves estava em pé atrás de mim a sibilar 'txzjoga aquela' mexendo nas damas do tabuleiro. Ó pá não chateies que estamos a jogar sossegados, disse-lhe eu irritado. Passado mais um bocado, outra vez 'txzjoga aquela' a sibilar-me aos ouvidos.
Levantei-me rapidamente e com um soco/gancho acertei-lhe na cara e embrulhamo-nos à porrada.
Houve uns segundos de socos e depois fomos acalmados por outros e acabou a pancada, com o de Chaves de nariz a deitar sangue e eu com um olho negro.
Isto devia ter sido em Maio68 (oh! o Maio de 1968) e ainda por lá andamos até Dezembro quando recebi a ordem de marcha para a guerra da Guiné.
Afinal não passava de uma palermice de eu embirrar com a fala à moda de Chaves e ele comigo por ter a mania de ser lisboeta, e nunca mais nos zangamos.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sim, tudo indica que o Manuel Lourenço Fontes, que esteve (e morreu em Moçambique, em combate, na serra de Mapé) fosse irmãoo do Padre Fontes... Veka-ase este excerto da entrevista publicad no "Diário de Notícias", de 13 de Julho de 2018, da autoria de Ricardo J. Rodrigues ( "O terço na mão e o diabo no coração: o diário secreto do Padre Fontes")

https://www.dn.pt/pais/padre-fontes-o-terco-na-mao-e-o-diabo-no-coracao-9583681.html

(...) Nos primeiros anos teve tempo de prosseguir a recolha de tradições, mas depois começou a sangria de rapazes. Os diários de 1967 a 1969 são de profunda reflexão política. "Estou farto destes senhores medievais que nos governam. Nunca seremos um país desenvolvido enquanto o povo sentir que está sempre em dívida com os poderosos", lê-se a 15 de março de 1968. No ano seguinte, a 12 de fevereiro: "O povo está a desenvolver uma tendência de desertar dos meios rurais. Pois se aqui só há fome e trabalho duro, que havemos de fazer? Emigram, fogem desta vida e fogem da guerra." Uma semana depois, a 19: "Porque raio andam estes rapazes a matar africanos que querem fazer da sua terra um país? Esta guerra tem de acabar e depressa. E esta ditadura o mesmo."

(...) Transformava estes pensamentos em cartas, e enviava-as ao .b:irmão, que estava em Moçambique,</b e a um par de rapazes de Tourém, que estavam em Angola e na Guiné. Assinava com o pseudónimo Ramiro Concha do Rio, nome que voltaria a usar anos mais tarde, quando abriu o jornal Notícias de Barroso. "Como iam num envelope da Igreja sabia que não seriam censuradas. E eles, lá em África, tinham instruções para lê-las em voz alta a um grupo de confiança uma única vez. E depois queimá-las." Por medo da PIDE, inventou um alfabeto secreto de linhas e pontos, com que começou a escrever os textos mais incendiários do diário. "E também fiz umas cartas com tinta invisível, feita de sumo de limão. Quando se aproximava do calor podia ler-se o que eu tinha escrito." (...)

(Negritos nossos)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sim, há quem defende que há um dialeto barrosão... Não sou especialista...

https://www.frontespo.org/pt/fichas-bibliograficas/oralidade-multissecular-do-dialeto-barrosao-e-a-construcao-da-identidade-local

Fernando Ribeiro disse...

Luís, respeitosamente contesto a tua afirmação de que o Barroso já inclui Chaves. Uma coisa é um planalto agreste e varrido pelos ventos, que é o planalto do Barroso, que liga a serra do Gerês à do Larouco (a terceira e a segunda serras mais altas de Portugal Continental, respetivamente), outra muito diferente é a Veiga de Chaves, fértil vale regado pelo Rio Tâmega, que corre ao longo de uma falha sísmica onde ocorrem esses fenómenos de vulcanismo mitigado que são as fontes de águas termais, em Chaves, Vidago, Pedras Salgadas, Campilho, etc. O Barroso e a Veiga de Chaves são territórios vizinhos, mas claramente distintos um do outro.

Quando, há muitos anos, fui a Miranda do Douro pela primeira vez, reparei que estavam dois homens a conversar em mirandês. Curioso, aproximei-me deles para ouvi-los melhor e, para minha grande desilusão, eles passaram a conversar em "fidalgo" (português), assim que se aperceberam da aproximação de um forasteiro. Mais tarde, aconteceu-me exatamente a mesma coisa na única vez em que fui a Rio de Onor, no concelho de Bragança. Duas pessoas conversavam no dialeto local (a que Jorge Dias chamou rionorês) e passaram a falar português quando passei por elas. As pessoas de Miranda do Douro, Rio de Onor e Guadramil (onde também fui) tinham vergonha de falar o seu próprio idioma diante de estranhos, porque o consideravam próprio de gente atrasada e inculta. Esta vergonha já não existe mais e os mirandeses, pelo menos, até mostram orgulho em falar a sua língua própria, porque esta se tornou uma língua oficial de Portugal, a par do português. Não poderá ter-se dado o caso de as pessoas de Pitões das Júnias também terem vergonha de falar o seu dialeto barrosão à tua frente?

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Sim, sim, tens toda a razão... O Barroso é Montalegre e Boticas... Embora vizinho, o concelho de Chaves difere ma geografia e na economia agrária... Estamos de acordo. LG

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Na Foto nº 2, a legenda dizia "Barroso, Chaves, Soutelinho da Raia"... Já corrigi: "Chaves, Soutelinho da Raia"... As legendas das fotos do livro foram complementadas por mim...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Para além do Manuel Lourenço Fontes, há um outro nmilitar barrosão que morreu em combate, no ataque ao aquartelamento da CCAÇ 2321 / BCAÇ 2837, na Serra do Mapé, RM Moçambique, em 5 de janeiro de 1969...

Trata-se do Manuel Barroso Gonçalves Pereira, sold inf n.º 07060067, natural de Paredes, freguesia de Salto, concelho de Montalegre...

Os restantes militares mortos eram de Chaves, Mesão GFrio, Guarda, Vila Nova de GHaia... e Praia, Cabo Verde (o alf mil inf Daniel Rui de Almeida Fonseca).

Foram todos mobilizados pelo BCAC 10 (Chaves).

https://ultramar.terraweb.biz/Imagens/mocambique_JAnteroFerreira_jornal_BCAC2837_ABR69_5.htm