quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Guiné 63/74 - P16782: Agenda cultural (524): Convite para a sessão de apresentação do livro "História(s) da Guiné-Bissau - Da Luta de Libertação aos Nossos Dias", da autoria de Mário Beja Santos, a levar a efeito no dia 6 de Dezembro de 2016, pelas 18,00 horas, no Auditório da Associação Nacional das Farmácias, Rua Marechal Saldanha, em Lisboa (Mário Beja Santos / Editores)




1. Em mensagem do dia 24 de Novembro de 2016, o nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), autor do livro "História(s) da Guiné-Bissau - Da Luta de Libertação Aos Nossos Dias", enviou-nos um extrato deste livro, a pedido do editor Luís Graça.


Extrato do livro “História(s) da Guiné-Bissau”, a lançar em 6 de Dezembro 

Os últimos dias de Portugal na Guiné Portuguesa

Beja Santos

A 27 de Abril, começaram em Bissau manifestações populares exigindo a libertação dos presos políticos, extinção da PIDE/DGS e a abertura de negociações com o PAIGC. A agitação crescia cada vez que chegavam jornais de Lisboa.

É um tropel de acontecimentos, parece que os próprios atores não têm comando no conjunto da peça. A 7 de Maio, Carlos Fabião, graduado em brigadeiro, escolhido por confiança de Spínola, seguramente tendo em consideração os doze anos que levara em comissões na Guiné, é nomeado como Encarregado do Governo e Comandante-Chefe da Guiné. Quando chega a Bissau, logo se apercebe que a missão de Spínola o encarregara perdera a razão de ser. Regista-se indisciplina nas Unidades, o MFA local vai tomando conta do poder, a Comissão Coordenadora estende-se à Armada e Força Aérea, qualquer esforço defensivo e dar continuidade ao processo político de autodeterminação são meros exercícios de retórica. Em Lisboa, o poder político procura negociar com o PAIGC, Mário Soares, já Ministro dos Negócios Estrangeiros, viaja para Dakar, conversa amistosa com os líderes senegaleses e com Aristides Pereira, o encontro é inconclusivo, não havia ainda qualquer compromisso formal sobre o cessar-fogo. Seguir-se-ão conversações em Londres e em Argel, todo este processo da descolonização conhece clarificação com a Lei 7/74, onde se inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos. Em 10 de Setembro, em Lisboa, ocorre o reconhecimento de jure. Em 24 de Setembro, em Madina do Boé foram solenemente comemorados o cinquentenário de Amílcar Cabral, os 17 anos do PAIGC (alegadamente fundado em 19 de Setembro de 1956) e o primeiro aniversário da independência, as autoridades portuguesas estão presentes.

A descompressão da guerra passara a ser uma realidade, a seguir ao 25 de Abril começaram encontros mais ou menos formais, de um modo geral, independentemente de casos de indisciplina, de alguma agressividade bacoca de alguns líderes militares do PAIGC, a paz em respeito mútuo alargou-se pelo território. Na sequência deste processo foram-se estabelecendo protocolos para uma retirada das tropas portuguesas e a entrada das forças do PAIGC. Para dar cumprimento ao anexo dos acordos de Argel tomaram-se medidas que vieram a ter consequências dramáticas. Vejamos como.

Dentro dos 28 pontos deste anexo, há que relevar as seguintes matérias: as Forças Armadas Portuguesas entrariam em retração e facilitariam a transmissão gradativa dos serviços da administração; a República da Guiné-Bissau obrigava-se a neutralizar os seus meios antiaéreos suscetíveis de afetar a circulação de aeronaves e de voos de reconhecimento no espaço aéreo à responsabilidade das Forças Armadas Portuguesas; as Forças Armadas Portuguesas obrigavam-se a desarmar as tropas africanas sob o seu controlo; uma comissão mista coordenaria a ação das duas partes; o governo português comprometia-se a pagar todos os vencimentos até 31 de Dezembro de 1974 aos cidadãos da República da Guiné-Bissau desmobilizados das suas forças militares ou militarizadas, bem como aos civis cujos serviços às Forças Armadas portuguesas ficavam dispensados; o governo português comprometia-se a pagar as pensões de sangue, de invalidez e de reforma a que tinham direito quaisquer cidadãos da República da Guiné-Bissau por motivo de serviços prestados às Forças Armadas Portuguesas; o governo português participaria num plano de reintegração na vida civil dos cidadãos da República da Guiné-Bissau que tivessem prestado serviço militar nas Forças Armadas Portuguesas e, em especial, dos graduados das Companhias de Comandos Africanos.

O que se irá passar, e de acordo com a escassa documentação existente, é que as Forças Armadas portuguesas abandonaram o território dentro dos prazos estipulados, e não se cuidou de garantir a normalidade do sistema económico e financeiro da própria vida administrativa e da natureza dos serviços de primeira grandeza, a começar pela saúde e pela educação, garantia do abastecimento a todos os níveis, e uma adaptação equilibrada na transferência da ordem colonial para a República independente. Em “Crónica da Libertação”, Luís Cabral virá dizer que encontrou os cofres vazios quando chegou a Bissau, que os colonialistas tinham partido com tudo, e com esta frase parecia deixar no ar que houvera um abandono puro e simples e que as novas autoridades foram confrontadas com o vazio do poder. Obviamente que a questão é mais complexa. O PAIGC, em toda a sua ingenuidade, estimara que o modelo administrativo adotado na luta de libertação se podia aplicar automaticamente à nova situação, com correções e ajustes. Presidia a mentalidade da coletivização, nunca se dimensionou que os Armazéns do Povo transacionavam muitos bens oferecidos por países amigos e que havia uma troca com as populações fora de controlo das autoridades portuguesas que entregavam os seus produtos agrícolas.

Não há uma referência nos Acordos de Argel à manutenção da presença portuguesa num regime de transição faseado, para evitar sobressaltos no funcionamento dos hospitais, dos estabelecimentos escolares, dos portos e na própria recolha de impostos. Com sobranceria, os quadros dirigentes do PAIGC julgavam-se capacitados para pôr pessoas habilitadas em todos os postos. E havia um fator ideológico preponderante, muito mais tarde invocado como fator determinante: era preciso mostrar aos movimentos de libertação irmãos (MPLA e FRELIMO) que o sistema colonial estava a soçobrar, era irreversível, as conversações para a independência de Angola e Moçambique não podiam ser arrepiadas por manobras dilatórias.

O PAIGC parecia embalado pela Constituição do Boé, acreditava piamente numa vigorosa participação popular que faria enfunar as velas dos ventos revolucionários, e que rapidamente se poria em ação uma política económica enfocada no investimento industrial e no setor público. Acresce que a Constituição do Boé dava como certo e seguro o funcionamento das instituições: a Assembleia Nacional Popular, o Conselho de Estado, o Conselho dos Comissários de Estado, os Conselhos Regionais e o Poder Judicial. Atente-se que no artigo primeiro da Lei n.º 3/73, de 24 de Setembro, foi nomeado o primeiro Conselho de Comissários de Estado, tendo como Comissário Principal Chico Té e 15 comissários e subcomissários. Como é óbvio na generalidade dos casos, estes dirigentes políticos estavam impreparados para enfrentar a realidade de um território descolonizado à pressa e inadaptado aos sonhos de Amílcar Cabral. Aliás, o líder fundador previra dificuldades de monta para reverter a economia colonial ao modelo que ele preconizava que seria uma adaptação de economia planificada onde a experiência vivida nos anos da luta tivesse a sua quota-parte de inserção.

E vamos assistir ao esbarrondar desses sonhos, ao agravamento de tensões internas, a escolhas económicas erradas e a uma total incapacidade de proceder a uma reconciliação nacional, isto quando uma boa parte da antiga colónia tinha participado no processo de “africanização” da guerra e tomado declaradamente partido pelas propostas de Spínola.
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Notas do editor

Vd. poste de 19 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16736: Agenda cultural (513): Lançamento do livro "História(s) da Guiné-Bissau", por Mário Beja Santos, dia 6 de Dezembro de 2016, pelas 18 horas, no Auditório do Museu da Farmácia, Rua Marechal Saldanha, Lisboa... Visita (gratuita) ao Museu de Farmácia e recital de Kora com o grande Braima Galissá!...

Último poste da série de 29 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16774: Agenda cultural (517) Acaba de sair, "Histórias Coloniais", livro póstumo de Dalila Cabrita Mateus (1952-2914) e e Álvaro Mateus (1940-2013) . Edição: A Esfera dos Livros, Lisboa, 2016

1 comentário:

Anónimo disse...

Do nosso leitor de Bissau, Augusto Costa
1/12/2016

Caro Lu+pis,

Permita que me apresente. Sou Augusto da Costa, guineense e leitor assiduo do vosso blog. Reparei numa gralha no extrato do novo livro do MBS “História(s) da Guiné-Bissau”, a lançar em 6 de Dezembro, onde numa passagem diz o seguinte:

Seguir-se-ão conversações em Londres e em Argel, todo es
te processo da descolonização conhece clarificação com a Lei 7/77, onde se inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos. Aqui, o correcto seria referir a a lei 7/74 que no seu artigo 2, como pode ver em baixo, reconhece o direito dos povos à autodeterminação.

Um abraço


Lei 7/74
de 27 de Julho
Tendo o Movimento das Forças Armadas, através da Junta de Salvação Nacional e dos seus representantes no Conselho de Estado, considerado conveniente esclarecer o alcance do n.º 8 do capítulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas Portuguesas, cujo texto faz parte integrante da Lei 3/74, de 14 de Maio;
Visto o disposto no n.º 1, 1.º, do artigo 13.º da Lei 3/74, de 14 de Maio, o Conselho de Estado decreta e eu promulgo, para valer como lei constitucional, o seguinte:
ARTIGO 1.º
O princípio de que a solução das guerras no ultramar é política e não militar, consagrado no n.º 8, alínea a), do capítulo B do Programa do Movimento das Forças Armadas, implica, de acordo com a Carta das Nações Unidas, o reconhecimento por Portugal do direito dos povos à autodeterminação.
ARTIGO 2.º
O reconhecimento do direito à autodeterminação, com todas as suas consequências, inclui a aceitação da independência dos territórios ultramarinos e a derrogação da parte correspondente do artigo 1.º da Constituição Política de 1933.
ARTIGO 3.º
Compete ao Presidente da República, ouvidos a Junta de Salvação Nacional, o Conselho de Estado e o Governo Provisório, concluir os acordos relativos ao exercício do direito reconhecido nos artigos antecedentes.
Visto e aprovado em Conselho de Estado.
Promulgado em 26 de Julho de 1974.
Publique-se.
O Presidente da República, ANTÓNIO DE SPÍNOLA.