1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 7 de Outubro de 2015:
Queridos amigos,
Correndo o risco de repetir o que sobre António Carreira
escreveu a historiadora Maria Emília Madeira Santos, deve-se a este
investigador que percorreu toda as etapas da administração colonial a partir
dos 16 anos, que frequentou a Escola Superior Colonial e concluiu com alta
classificação alguns dos estudos que ainda continuam incontornáveis na
historiografia da Guiné Portuguesa, isto a propósito das companhias
majestáticas, do tráfico de escravos e da presença dos portugueses nos rios
da Guiné entre 1500 e 1900.
Dos seus trabalhos etnográficos, a investigação
sobre Mandingas continua a não oferecer contestação e de altíssima
importância se mantém a sua laboriosa investigação sobre a panaria
cabo-verdiano-portuguesa.
Este livro é uma homenagem de cabo-verdianos,
visto que Carreira nasceu em Cabo Verde. É lastimável que o seu nome se
mantenha numa semiobscuridade no tocante às universidades portuguesas.
Um
abraço do
Mário
António Carreira, etnógrafo e historiador, por João Lopes Filho
Beja Santos
“António Carreira, etnógrafo e historiador” é o título da obra que João Lopes Filho editou na Fundação João Lopes, Praia, Cabo Verde, em 2015 e apresentou na Sociedade de Geografia de Lisboa.
Para quem estuda a Guiné Portuguesa e a Guiné-Bissau, António Carreira é um nome cuja importância é mais do que relevante. Nasceu em 28 de Outubro de 1905 na Ilha do Fogo e faleceu em 22 de Abril de 1988. Foi para a Guiné com 11 anos. Aos 16, ingressou na Função Pública, onde permaneceu entre 1921 e 1954. Subiu a escada a pulso: foi capataz de estradas, Aspirante dos Correios e Telégrafos, Aspirante do Quadro Administrativo, Secretário de Circunscrição Civil e Administrador de Circunscrição Civil. Frequentou os Altos Estudos da antiga Escola Superior Colonial, tendo concluído o curso em 1949. Em 1950 foi nomeado Delegado Geral do Censo da População da Guiné. Em 1953, foi condecorado com a medalha de serviços distintos e relevantes no Ultramar pela sua brilhante atuação em serviços importantes da Administração Pública e pela publicação de estudos de índole etnográfica de indiscutível valor.
Reformado da Função Pública em 1954, passou a trabalhar na Casa Gouveia. Foi no exercício dessas funções que o seu nome ficará associado aos acontecimentos de Agosto de 1959, o chamado massacre do Pidjiquiti. Comenta a propósito o historiador Carlos Reis: “O Dr. António Carreira era essencialmente o responsável pelo massacre do cais do Pidjiquiti, enquanto gerente da Casa Gouveia, de acordo com as informações que tínhamos e que, só anos mais tarde se veio a saber não serem exatas. Hoje, sei que o facto de ele ter participado à Polícia que a carga da casa comercial que dirigia não estar a ser movimentada porque os estivadores tinham decidido entrar em greve, é algo que qualquer pessoa comum, naquela época, também faria se estivesse no seu lugar”.
Vinte anos mais tarde, Carreira reconhecia que, “os governantes da Guiné têm-se manifestados hostis à minha pessoa por razões ligadas aos acontecimentos do Pidjiquiti, em 1959, endossando-me a responsabilidade da ocorrência. Ora eu não me sinto com nenhuma responsabilidade direta no caso (…) o que para mim se aparenta curioso é que nunca tivessem apontado os autores materiais do caso: o Comandante Militar, o Comandante da PSP e os restantes agentes do Governo”.
Reformado após uma longa dedicação profissional, Carreira passou a residir em Lisboa, onde se dedicou à investigação científica. Em 1962, passou a fazer parte da equipa do Prof. Jorge Dias, no então criado Centro de Estudos da Antropologia Cultural. Carreira exerceu docência na qualidade de professor convidado na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
Frequentava o Centro de Cartografia Antiga onde ia visitar o seu diretor a amigo, Teixeira da Mota. Aprendeu a falar Fula, Mandinga e Manjaco, o que lhe facilitou a elaboração de trabalhos no campo da etnografia, com destaque para: Mandingas; Costumes Mandingas; Vida, religião e morte dos Mandingas; Mandingas da Guiné Portuguesa; Vida Social dos Manjacos; Subsídios para o estudo da língua Manjaca; Mutilações corporais e pinturas cutâneas dos negros da Guiné Portuguesa; Movimento natural da população não civilizada da circunscrição de Cacheu e censo geral da população não civilizada, em 1950.
Realce-se a ligação de Carreira à etnografia, através do seu envolvimento na criação do Museu de Etnografia a convite de Jorge Dias. A partir de 1956, Jorge Dias mudou-se para a Escola de Administração Colonial, mais tarde Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Ultramarinas. Foi no contexto do desenvolvimento académico da disciplina de Antropologia que fez uma viagem até à Guiné, onde conheceu Carreira através de Teixeira da Mota. O ponto de partida deste museu foi feito com base em recolhas no decurso das missões de estudo das minorias étnicas do Ultramar Português. Em 1962, Jorge Dias criou o Centro de Estudos de Antropologia Cultural, tutelado pela Junta de Investigações do Ultramar. Era uma equipa de luxo, composta por Jorge Dias, Benjamim Enes Pereira, Fernando Galhano e Ernesto Veiga de Oliveira. Jorge Dias incentivou Carreira a recolher objetos africanos no contexto do processo museológico. Tudo indica que Carreira regressou da sua primeira missão de recolha e estudo a Angola, em 1965, com uma coleção composta de 1194 peças. Em 1972, realizou-se a exposição “Povos e culturas”, era a primeira manifestação pública do Museu de Etnologia. Carreira trabalhou ativamente neste projeto, contribuindo com cerca de 3500 peças.
Voltando um pouco atrás, recorde-se que desde 1964 Carreira publicou no Boletim Cultural da Guiné Portuguesa artigos de história e etnologia sobre a chamada Costa da Guiné e sobre o arquipélago de Cabo Verde. Em 1965, terminou um dos seus livros mais apreciados, “Panaria cabo-verdiano-guineense”.
A sua bibliografia referente à Guiné mantém-se ao melhor nível, deve-se a Carreira importantes estudos sobre “As Companhias Pombalinas de Navegação, Comércio e Tráfico de Escravos entre a Costa Africana e o Nordeste Brasileiro”; igualmente nesta linha publicou “Notas sobre o tráfico português de escravos", tem um título de grande importância, “O tráfico de escravos nos rios da Guiné e ilhas de Cabo Verde (1810-1850): subsídios para o seu estudo”; um dos seus últimos livros é um trabalho incontornável: “Os portugueses nos rios da Guiné: 1500-1900".
Dele, escreveu a historiadora Maria Emília Madeira Santos: “Pode dizer-se que a História de África, em Portugal, recebeu de António Carreira o impulso decisivo que ainda hoje continua a fazer-se sentir nos estudos dos jovens historiadores, nas temáticas de encontros científicos e nos objetivos dos atuais centros de história de África. Foi António Carreira que teve a coragem e a inspiração de colocar, pela primeira vez em português, os africanos escravos ou livres, no centro de gravidade da História de África e da História do Atlântico”.
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Nota do editor
Último poste da série de 25 de novembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16760: Notas de leitura (905): "Adeus África - A Hiistória do Soldado Esquecido", romance de João Céu e Silva, Guerra e Paz, 2015 (Mário Beja Santos)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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1 comentário:
"Dos seus trabalhos etnográficos, a investigação sobre Mandingas continua a não oferecer contestação e de altíssima importância se mantém a sua laboriosa investigação sobre a panaria cabo-verdiano-portuguesa.
"Este livro é uma homenagem de cabo-verdianos, visto que Carreira nasceu em Cabo Verde. É lastimável que o seu nome se mantenha numa semiobscuridade no tocante às universidades portuguesas. "(Mário Beja Santos)
Mário, até o Amílcar Cabral reconhecia a importância do António Carreira para o conhecimento etnológico da Guiné... Percebo o teu reparo: a "academia portuguesa" é endogâmica, dificilmente aceita que um não-académico faça investigação, seja em que domínio for... Carreira era um "outsider" , tem além disso o labéu do "colonial-fascismo"...
É da mais elementar justiça reabilitar o seu nome e dar a conhecer a sua obra... Ab. Luis
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