sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Guiné 61/74 - P16793: Inquérito 'on line' (92): A "batota no mato": Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo"... (António J. Pereira da Costa, cor art ref)



Guiné > Zona leste > Bambadinca > CCAÇ 12 (1969/71) > Pista de Bambadinca... Ao fundo, o muro do cemitério ... Uma DO 27 na pista... Era uma aeronave que  adorávamos  quando nos trazia de Bissau os frescos e a mala do correio ou, no regresso,  nos dava boleia até Bissau, para apanharmos o avião da TAP e ir de férias... Era uma aeronave preciosa nas evacuações (dos nossos feridos ou doentes militares, bem como dos civis)... Era um "pássaro" lindo a voar nos céus da Guiné, quando ainda não havia o Strela...

Em contrapartida, tínhamos-lhe, nós, os infantes, um "ódio de morte" (sic)  quando se transformava em PCV (ponto de comando volante) e o tenente coronel, comandante do batalhão, ou o segundo comandante,  ou o major de operações,  ia ao lado do piloto, a "policiar" a nossa progressão no mato...  Quando nos "apanhavam" e ficavam à nossa vertical, era ver os infantes (incluindo os nossos "queridos nharros") a falar, grosso, à moda do Norte, com expressões que eram capazes de fazer corar a Maria Turra..."Cabr..., filhos da p..., vão lá gozar pró c..., daqui a um bocado estamos a embrulhar e a levar nos corn...".

Também os nossos comandantes operacionais (capitães QP ou milicianos) não gostavam nada do "abelhudo" do PCV, em operações no mato...

Foto do álbum de Arlindo T. Roda, ex-fur mil da CCAÇ 12 (1969/71).

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
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1. Comentário, ao poste P16762 (*), assinado pelo nosso grã-tabanqueiro António J. Pereira da Costa:

[Foto à esquerda: António José Pereira da Costa, cor art ref (ex-alf art , CART 1692/BART 1914, Cacine, 1968/69; ex-cap art e cmdt , CART 3494/BART 3873, Xime e Mansambo, e CART 3567, Mansabá, 1972/74; tem mais de 110 referências no nosso blogue]


Nunca aprovei e não pratiquei a técnica do campismo.

Era arriscada para ambos lados. Por um lado informávamos falsamente o comando, dizendo que fazíamos uma guerra que não fazíamos; por outro deixávamos de criar no inimigo o respeito em que tinha da nos ter para não vir à porta-de-armas perguntar: "corpo di bó?

Quando fui colocado no Xime, em 22 de junho de 1972 [, na CART 3494,] informei lealmente o comando de que se me mandasse a qualquer lado e eu aceitasse a missão,  escusava de ir verificar porque era verdade. Porém, se eu dissesse que não ia,  era escusado empurrar. 

Dei-me bem com o sistema, embora sentisse que da parte do comando houvesse sempre essa dúvida. Numa das tais operações com PCV [, posto de comando volante, em geral em DO 27,]  cheguei a ser mal guiado e isso custou um embrulhanço sem consequências, mas sem vantagens.

De outra vez fui sobrevoado por um DO-27 mas não fui visto embora fosse a atravessar (mal) uma superfície lateritizada (ferruginosa e sem mato). Ou íamos bem camuflados ou o observador era coxo dos olhos. Inclino-me para a segunda hipótese, dado o sucedido na operação com PCV.

No caso da operação à Ponta do Inglês,  diria que não vejo a vantagem, a menos que houvesse elementos de informação importantes a explorar... Nunca lá fui, mas sei que se tratou de um destacamento ao nível grupo que se tornou insustentável, o que já diz qualquer coisa.

No fundo poderemos concluir que a lealdade e a inteligência deveriam andar juntas naquela "Guerra a Petróleo". Tapar o sol com a peneira dá mau resultado. (**)

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Notas do editor:

8 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Seria interessante a perceber a razão deste "ódio patológico" ao PCV ou esta relação de amor-
ódio à DO-27... A FAP era mais do que amada, era adorada pelos infantes.. Mas às vezes os pilotos tinham que fazer estes fretes, os tais "voos turísticos", levando a passear um ou mais senhores oficiais superiores... Não sei se estou a ser injusto, ou a exagerar... Na CCAÇ 12, também abominávamos o PCV... Não me recordo de algum dia nos ter sido útil... Imprescindíveis eram os nossos guias e picadores, al+em das nossas cartas miliatres... Eram o nosso GPS...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

... Aliás, temos uma dívida de gratidão aos nossos guias e picadores, guineenses... Sem eles, as nossas operações teriam sido bem mais penosas e mortíferas... E alguns pagaram bem caro a sua dedicação às NT... Eram simples civis, assalariados.pagos à peça (mina detetada e levanta, picagem, serviço de guia...). Precisamos de conhecer melhor o seu trabalho no TO da Guiné. Temos falado pouco deles...Na realidade, pouco ou nada sabíamos deles...

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

O único sítio onde tive conhecimento que havia guias/picadores, credenciados como tal, foi no Xime. Creio, pois, que se tratava de uma situação pontual.
Tinha dois - o Malan Djai Quité e o Makaman Biai - que era civis assalariados. Não me recordo por quanto e, como já disse, estive próximo de "cortar a colecta" ao Makaman. A detecção de uma mina "reforçava" o pecúlio auferido e aqui recomeçam as suspeitas. Como era possível detectar minas numa zona onde, embora houvesse uns restos de picada, se andava, muitas vezes, a corta-mato, em terrenos de lala? É que bastava passar uns metros mais ao lado e não se detectava a mina... E o o que fazia com que o PAIGC fosse pôr minas num local onde as NT tinham percursos repetidos mas muito aleatórios? Enfim, dúvidas que devia ter tido antes...
O levantamento ficava a cargo do especialista das NT, com verifiquei.
Teoricamente alternavam na realização dos patrulhamentos. Como o Makaman começou a "alternar" pouco, desconfiei e, pelos vistos, com razão. Todavia, "a História o absolverá", como já disse noutros posts em que procurei analisar a complexidade da situação vivida por aqueles que ficavam e ali viviam depois da saída de cada unidade e sem qualquer alteração da situação que se vivia.

Sobre o Malan, ferido na primeira emboscada na Ponta Cóli, mas que, constava de relatório da acção, tinha feito fogo com duas(!) G-3 e de pé, já me pronunciei. Terá apostado no cavalo errado e pagou (caro(?)) a sua fidelidade. Sei que tinha a mulher em Demba Taco o quer seria estranho, se não fosse na Guiné. Poderá ter desaparecido a partir daí...
Vivia num abrigo construído por si mesmo e às vezes parecia ter problemas mentais, como naquela noite em que vestido apenas com uma "ridia" (rede) foi a casa da viúva Maria. O burburinho inerente e ficou-se por aí.
Era um antigo lutador de luta mandinga e levou ao tapete o Costa - lisboeta e empregado do Sol-Mar - com bastante facilidade. Um dia perguntei-lhe por um chefe guerrilheiro que tínhamos informações que andava por ali, Tóda Na Fenba.
Respondeu:
- O gajo cá presta. Tem cu pequenino de Malan. Um dia jogámos porrada e Malan ganhou.

Um Ab
António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, o teu retrato "psicoprofissional" dos teus dois guias e picadores p Malan e o Mancamam (... já não conheceste o pobre do Seco Camará!) merece um novo poste, complementar daquele que publicaste, em 2010, na tua série "A minha guerra a petróleo"...

Fica prometido para amanhã ou depois...

Poucos oficiais do quadro permanente, como tu, que serviram em África, na guerra dita colonial, fazem este exercício de pedagogia e de humildade, que é exporem (e exporem-se...) as suas reflexões e vivências, como comandantes operacionais, num blogue, pouco ortodoxo, como o nosso... sabemos que a rapaziada da Academia Militar gosta de espreiatr o nosso blogue... Mas também investigadores e doutiorandos nas mais diversas áereas das ciências sociais e humanas (nomeadamente, história, antropologia,, sociologia)...

Tiro-te o quico!.. Luis

António J. P. Costa disse...

Obrigado, Camarada

Se espreitam nunca dei por nada e gostava.
Nada como uma boa briga entre velhos...

Um Ab. e bom fds

António J. P. Costa

Anónimo disse...


Tarde e a más horas eis outra opinião sobre o questonário.
Era o tempo da ditadura em que as nossas actividades individuais e colectivas eram vigiadas e punidas quando não obedeciam aos limites estreitos das normas que nos eram impostas. O que a mão direita fazia a esquerda não podia saber, pois havia sempre o perigo de sermos denunciados. Educados na repressão e no medo a “batota” que uma companhia fazia, podendo, não dava conhecimento dela a outra mesmo que fosse do mesmo batalhão. Esse jeito de esconder esses “pecados” ficou-nos pela vida fora, também para que os outros civis ou militares não fizessem juízos apressados sobre a nossa conduta .
Em Buba tínhamos uma actividade operacional intensa, programada pelas chefias militares tanto em Bissau como na sede do batalhão em Aldeia Formosa. Além de termos de fazer segurança às colunas de reabastecimento, que eram frequentes , a companhia era obrigada a ter um pelotão noite e dia no mato emboscado, entre Buba e Nhala a procurar fechar uma derivação do carreiro de Uane (continuação do carreiro de Guileje). O capitão da companhia militar da academia, sendo a autoridade máxima do exército , dentro do quartel, reduzia-nos a actividade operacional somente à permanência no mato até às 17.00 da tarde pois até essa hora ainda podiam circular avionetas ou helicópteros e trazer outros comandantes . Dentre os camaradas de todos os postos, com vários tipos de formação e formas de pensar nunca ouvi ninguém protestar contra essa facilidade que nos foi retirada somente durante um mês , porque um dia em que estava de oficial dia chamei o vago-mestre ao refeitório para procurar melhorar o rancho dos soldados que estava intragável. Por iniciativa dos comandantes dos pelotões (eu como os outros) sei também que o pessoal muitas vezes acampava perto do quartel. Nunca ninguém se queixou ou denunciou essa prática junto do capitão. Pelo contrário o pessoal queixava-se do excesso de actividade já que havia missões de que ninguém se podia baldar como por exemplo as picagens e a proteção às colunas de reabastecimentos.
O comando dos pelotões na falta dos alferes eram muitas vezes assumidas por furriéis normalmente com a mesma eficácia pois a formação militar de uns e dos outros era semelhante. Em todo o caso os pelotões, pela organização militar do exército, deviam estar sob o comando de um alferes e era o mais normal isso acontecer. Por esse motivo, quanto a mim os reis das baldas e da batota fora do quartel foram eles, já que os capitães no geral evitavam sair e algumas vezes dedicavam-se a outra batota mais rentável. Sobre este assunto li algumas opiniões de soldados, de cabos, furriéis e de um coronel reformado que um dia terá sido alferes. Refiro-me ao camarada António J.P.Costa que nunca vira a cara a qualquer desafio.
Por razões que já expliquei anteriormente e pelo avançar da idade que nos vai tornando mais frágeis e susceptíveis a criticas mais ou menos patrioteiras sei que não é fácil, será até um pouco doloroso psicologicamente para muitos, admitir que deliberadamente não cumpriam a actividade operacional.
A maioria dos camaradas querendo cumprir o apelo da Pária com bravura e patriotismo sentia as saudades do seu chão, das mães, dos pais , dos irmãos, das namoradas, das esposas e filhos, da família alargada, que estavam a milhares de quilómetros para onde eles queriam regressar sãos e salvos. Outros havia que não acreditavam na utilidade daquela guerra. Francisco Baptista

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Concordo em absoluto.
Em última análise, o homem que está no terreno é o último decisor e tem maior sensibilidade para a situação concreta que se vive. Se ele é o primeiro responsávelpelo que suceder, dê-se-lhe o fundo de maneio da decisão final, muitas vezes tomada sózinho e sem apoio ou consultando mais ningém.
Este comentário anterior rebate uma tese que já vi aqui defendida de que "éramos todos muinta valentes, mas muinta mal comandados"...
Não tenho memória de uma situação de desobediência em que a tropa se lançou avidamente sobre o In, apesar de ter recebido ordens para retirar. E aos gritos de (passo a citar) Bibá Pátria e Morte ao Insidioso e Ardiloso! atirarem-se pá frente (como diria Jorge Jesus) e escacarem tudo ukavia pascacar (fim de citação).

Um Ab.
António J. P. Costa

jpscandeias disse...

TARDE E MÁS HORAS.

Camarada Francisco Batista!

Tarde e más horas mas valeu a pena. O teu comentário quase retrata à perfeição o conjunto de realidades que eu vi. Á medida que ia lendo revivia várias situações análogas que, suportas pelos 25 meses que permaneci na Guiné, me fazem acreditar ser esse comportamento padrão. Seja, Cabuca, Mato Cão, Buruntuma, Xime, Xitole as diferenças -se as havia- eram ínfimas, daí o padrão. Marcamos presença e eu nem sei bem porquê. Mas sei que não foi por amor à causa. Não foi por convicção ideológica. Não foi à espera de honrarias. Foi o contexto do antes 25 que nem suponha estar tão próximo. Fui apanhado lá e já "fora de prazo", ia no 25 mês pelo que não me deu tanta pica.

João Candeias