Guiné > Regiãop do Cacheu > Barro > CCAÇ 3 > 1968 > Um prisioneiro do PAIGC.
Foto: © A. Marques Lopes (2005). Direitos reservados.
Mensagem do Pedro Lauret (1), com data de 20 de Outubro de 2006, respondendo a um pedido do editor do blogue para opinar sobre algumas questões potencialmente fracturantes no seio dos antigos combatentes da guerra colonial (2):
A guerra tem regras. Existe direito internacional e convenções que a regulamentam. Cabe às Forças Armadas, em especial aos oficiais dos quadros permanentes fazer cumprir esses procedimentos, quer divulgando-os na formação dos que integram as fileiras, quer principalmente na acção.
A Marinha tem especial atenção a estas matérias, até porque o combate naval tem características diferentes do que é travado em terra. Um militar da Marinha é também um marinheiro, os marinheiros, por longa tradição naval, e por legislação, adoptam um conjunto de princípios que se designam por "salvaguarda da vida humana no mar". Este conjunto de princípios caros a quem anda no mar reflectem a consciência de alguma precariedade e impotência relativamente ao meio levando-os a abraçar aqueles princípios com convicção.
Num combate naval tradicional, o vencedor, ao afundar navios inimigos, vai provocar náufragos, que devem ser socorridos e tratados segundo as leis do mar. Cria-se assim uma dupla situação de prisioneiros náufragos.
Nunca os fuzileiros adoptaram lemas do tipo: "...nós não fazemos prisioneiros". Na guerra não vale tudo. O julgamento de Nuremberga vem claramente provar esta afirmação, retirando legitimidade àqueles que pensam que obedecer a ordens os absolve da responsabilidade de actos praticados.
Há individualidades em que é indiscutível a sua coragem e determinação, merecendo nalgumas circunstâncias a nossa admiração . No entanto o problema que se põe é a forma como alguns deles lutaram como quadros das Forças Armadas.
Para mim é intolerável, por exemplo, a Operação Mar Verde: As Forças Armadas prestaram-se a entrar em águas territoriais de uma potência vizinha, reconhecida internacionalmente e membro das Nações Unidas, com navios sem os símbolos nacionais, com os números de costado pintados; desembarcaram forças militares, com uniformes do PAIGC, armas soviéticas, sem qualquer identificação e com a informação que em caso de ficarem prisioneiros Portugal não os reconheceria. Em terra mataram indiscriminadamente civis, assaltaram o palácio do governo matando e pilhando-o, atacaram a casa de Amílcar Cabral, mataram familiares, pilharam lojas e cidadãos. A isto chama-se Terrorismo. Os actos praticados constituem, muito provavelmente, crimes contra a humanidade.
Muitas outras acções deste tipo tiveram lugar. Para mim são inaceitáveis e condeno-as firmemente. Estas acções poderiam ter sido levadas à prática pela PIDE, nunca pelas Forças Armadas.
Hoje, quando se fala de Conakri todos falam dos prisioneiros libertados, único objectivo atingido na operação. As Forças Armadas poderiam há muito tempo ter feito uma operação para os resgatar. Poderiam ter desembarcado um grupo de comandos, eventualmente embarcados num submarino, e de surpresa fariam um golpe de mão e libertariam os prisioneiros. Mesmo que a operação fracassasse e alguns militares fossem capturados mereceriam da comunidade internacional compreensão e protecção do direito internacional.
Não posso deixar, ao analisar certas personalidades [que se evidenciaram na guerra colonial], de as enquadrar nestas realidades. Penso que trazer estas matérias para o blogue é complicado, mas se o fizermos teremos que evidenciar toda a realidade. Será o blogue o espaço mais indicado para aprofundar estas matérias? Não poderemos nós com a nossa tertúlia debatermos estes temas doutra forma?
Um abraço
Pedro Lauret
___________
Nota de L.G.:
(1) Vd. alguns dos post do actual capitão de mar-e-guerra, na reforma, Pedro Lauret, que foi imediato da NRP Orion, na Guiné (1972/73):
29 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1393: Saudações tertulianas na chegada do novo ano de 2007 (1) : Luís Graça / Pedro Lauret
12 de Dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1362: Encontro: guerra colonial e descolonização (Pedro Lauret)
21 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1300: O cruzeiro das nossas vidas (3): um submarino por baixo do TT Niassa (Pedro Lauret)
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1231: Estórias avulsas (5): Rio Cacheu: uma mina aquática muito especial (Pedro Lauret)
22 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1202: Ganturé, Rio Cacheu, Maio de 1973 (Pedro Lauret)
1 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1137: Do NRP Orion ao MFA: uma curta autobiografia (Pedro Lauret, capitão-de-mar-e-guerra)
(2) Vd. último post desta série: 4 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1400: Questões politicamente (in)correctas (14): Os Zés da Desordem deste País (Albano Costa / Torcato Mendonça)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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