sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23956: Notas de leitura (1540): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 5 de Janeiro de 2023:

Queridos amigos,
Os autores passam em revista as facilidades e impossibilidades verificadas para a aquisição de aeronaves, houve uma enorme flexibilidade por parte das autoridades francesas e alemãs ocidentais, foram inúmeras as reticências britânicas e norte-americanas, estas exigiam a declaração formal de que as aeronaves a adquirir jamais iriam ser utilizadas em solo africano; neste trabalho também fica claro o desempenho da FAP na Operação Tridente, como é observado no texto aquela operação nunca teria chegado a bom porto sem o apoio dado aos desembarques, a cadeia de bombardeamentos, os abastecimentos de emergência e o transporte de sinistrados. Penso igualmente que para o blogue é uma fonte de enriquecimento as imagens que Hurley e Matos inscreveram no seu livro e que tiveram a amabilidade de as deixar fixar no nosso blogue.

Um abraço do
Mário



O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974
Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966), por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (11)


Mário Beja Santos

Este primeiro volume d’O Santuário Perdido, por ora só tem edição inglesa, dá-se a referência a todos os interessados: Helion & Company Limited, email: info@helion.co.uk; website: www.helion.co.uk; blogue: http://blog.helion.co.uk/. Percorremos já um longo percurso (esta recensão já abrangeu mais de metade da obra), os investigadores socorrem-se de um processo diacrónico, atravessam toda a cronologia de acontecimentos internacionais e nacionais que se prendem com o fenómeno da descolonização africana e como este afetou a Guiné; depois dão-nos o quadro dos meios aéreos existentes, no início da década de 1960 e a sua evolução até ao desencadear da guerra, a adaptação de infraestruturas (nomeadamente Bissalanca, Cufar e Gabu), o aperfeiçoamento na formação dos pilotos, etc. Estamos exatamente num momento em que os autores abordam os comportamentos militares dos primeiros comandantes-chefes e as aquisições efetuadas, designadamente na Europa Ocidental.

Está historicamente comprovado que o Brigadeiro Louro de Sousa falou inteiramente verdade em Lisboa, perante o Conselho Superior de Defesa Nacional, em 1963, justificando a urgência em reforços e envio de recursos para travar os ímpetos da guerrilha, fundamentava as suas posições com relatórios tanto das forças terrestres, como navais e aéreas, caso do Coronel Krus Abecasis que era o Chefe-de-Estado-Maior da 1.ª Região Aérea. Este identificou as deficiências mais críticas na organização e operacionalidade da FAP: havia muito pouca cooperação entre os serviços e uma supercentralização das cadeias de comando. Observou ele também uma ausência de coordenação entre os pilotos e as forças terrestres, havia uma concentração de informações nos níveis mais altos do comando, mas os pilotos ignoravam-nas. Foram questões gradualmente resolvidas nos anos seguintes pela introdução de vários mecanismos organizacionais que visavam melhorar a coordenação entre as diferentes forças e entre os escalões de comando.

Há também a registar a melhoria na disponibilidade de aeronaves dadas as boas relações militares e políticas com os governos da França e da Alemanha Ocidental. Dizem os autores que Paris procurou com caráter de urgência, tendo uma força nuclear independente fora da NATO, estabelecer uma estação de rastreamento no meio do Atlântico para o seu incipiente programa de mísseis balísticos, escolheu-se a Ilha das Flores como a base ideal, assinou-se um acordo em 7 de abril de 1964, este acordo de arrendamento da base das Flores teve um impacto positivo na ajuda militar francesa. A França tornou-se no principal fornecedor de armas a Portugal entre 1964 e 1971. Como lembrou o ex-Chefe de Estado-Maior da FAP (1977-1984), o General Lemos Ferreira, “não foi difícil para Portugal comprar material de guerra francês. Que eu saiba, nunca levantaram qualquer problema.” E assim se deu o fornecimento de um número impressionante de helicópteros Alouette III, recém-construídos, o primeiro dos quais foi entregue em 1963. O Alouette III iria desempenhar um papel fundamental na evolução da guerra na Guiné.

O apoio da Alemanha Ocidental à FAP não foi menos importante que o da França. Em 1960, o Ministério da Defesa da RFA identificou a necessidade de uma base de formação, depósito de logística e instalações a fixar como área de retaguarda continental da NATO. Lisboa ofereceu-se para construir uma instalação específica em Beja, que foi inaugurada em 21 de outubro de 1964, designada por Base Aérea N.º 11. Beja tornou-se na primeira base aérea estrangeira alemã, desde a Segunda Guerra Mundial, estará operacional até ao final da década de 1980. O acordo que levou à criação da base de Beja assegurou a entrega por parte de Bona de aeronaves, apesar de um embargo de armas da Alemanha Ocidental a Portugal, após o início das hostilidades em Angola. No final de 1963, o Ministério da Defesa da Alemanha Ocidental concordou na entrega de 46 DO-27 novos e usados e 70 T-6, com grandes descontos, sobretudo para os DO-27. Embora tivesse ficado estipulado que as aeronaves permaneceriam em Portugal e seriam usadas em defesa dos interesses da NATO, o governo português encontrou um expediente dizendo que a defesa do Ultramar servia os interesses da NATO. No final da década de 1960, a RFA tinha vendido ou alugado mais de 200 aeronaves à FAP incluindo os DO-27 e T-6, 40 caças Fiat G.91 e 15 Noratlas, aeronaves que serviram em África.

Lisboa encontrou parceiros menos dispostos a fornecer aeronaves, casos do Reino Unido e dos EUA. Entre 1962 e 1964 Portugal tentou adquirir vários tipos de aviões de combate britânicos, incluindo 6 bombardeiros Canberra, 15 bombardeiros Hunter e, pelo menos, uma dúzia de helicópteros de dimensão média Wessex ou Whirlwind. Lisboa elevou o nível dos seus pedidos, mas o Reino Unido recusou fazer acordo justificando o embargo com as guerras que Portugal travava em África, isto a despeito da Grã-Bretanha inicialmente ter estado inclinada a permitir a venda. O Reino Unido insistiu sempre que Lisboa desse a garantia que os bombardeiros não seriam usados em África, Lisboa recusou. O embargo de armas imposto pelos Estados Unidos da América parecia que iria dificultar tudo, invocava-se sempre a NATO, ficava interdita qualquer venda se qualquer das aeronaves fosse utilizada em África. Quando se soube que havia aviões norte-americanos em África, as relações entre Lisboa e Washington ficaram seriamente comprometidas. Franco Nogueira insistia que as aeronaves eram necessárias para dissuadir as frequentes “intrusões do espaço aéreo da Guiné Portuguesa no Senegal”. O principal aliado de Portugal na NATO suspendeu toda as entregas de todas as aeronaves e materiais prometidos no âmbito do Programa de Assistência Militar, incluindo peças de reposição e equipamentos de manutenção. Além dos F-86 terem ficado formalmente interditos, ameaçou-se o embargo aos P2V-5, F-84 e DC-6. Para atenuar as tensões existentes, Lisboa aceitou as exigências norte-americanas e reencaminhou os Sabre para a metrópole no final de 1964. A partida dos F-86 deixaria a FAP sem nenhum avião a jato na Guiné por quase 2 anos.

No último trimestre de 1963, a situação militar estava profundamente delicada, a guerrilha e a sua propaganda falavam na existência da República Independente do Como, o PAIGC deslocara centenas de militantes para esta região onde deixara de haver presença portuguesa. A dita República Independente incluía 3 ilhas: Como, Caiar, Catunco, separadas por canais estreitos, representava um ambiente clássico para operações de guerrilha. Os comandos militares portugueses tomaram nota dos dois riscos: o efeito da propaganda em meios internacionais e o facto destas ilhas estarem bem posicionadas para ataques e emboscadas em todo o Sudoeste da Guiné e poderem perseguir o tráfego marítimo ao longo da costa Sul. As crescentes bases do PAIGC eram também excelentes pontos de partida para a penetração da Península de Tombali e, a partir daí, em todo o Oeste da Guiné. Esta força de centena de homens do PAIGC era comandada por Nino Vieira acolitado por um grupo de 15 assessores militares ou observadores da República da Guiné. A 13 de dezembro de 1963, o Ministério da Defesa Nacional deu luz verde à Operação “Tridente”. O plano previa uma invasão anfíbia ao longo de múltiplos eixos, apoiada por forças aéreas e navais, o objetivo era ocupar as três ilhas e destruir ou obrigar o PAIGC a abandonar os redutos. Não vale a pena aqui voltar a desenvolver o decurso da operação.

O Comandante-Chefe Louro de Sousa revelava otimismo quanto ao sucesso da operação, otimismo que era igualmente compartilhado pela FAP, o comandante da ZACVG, Coronel Francisco Delgado, deu o seu aval ao plano geral das operações, direcionando as suas unidades para: proteger as zonas de desembarque, em cooperação com a marinha, realizar reconhecimento aéreo, evacuação médica, abastecimento de emergência e fornecer um posto de comando aerotransportado. Antes dos primeiros desembarques (14 de janeiro) foram lançados panfletos nas ilhas, alertando a população civil, era uma tentativa para reduzir as baixas de não combatentes, apesar da perda de surpresa operacional que tal alerta inevitavelmente causava. Os F-86, T-6, bombardeiros P2V-5 foram destacados para os bombardeamentos aéreos, enquanto os Do-27, Auster e os Dakota iriam cumprir as inúmeras funções de apoio; pelo menos um C-47 também foi colocado em serviço e três Alouette III foram envolvidos na operação, foi num desses helicópteros que viajou o ministro da Defesa, General Gomes de Araújo até ao comando de operação na fragata Nuno Tristão, ali se construiu uma plataforma improvisada para a aterragem de helicópteros.

Foram frequentes as avarias dos F-86 na Guiné, os motores tiveram que ser reenviados para Portugal depois de aproximadamente 200 horas de operação (Coleção Touricas)
Dois Alouette III em atividade operacional, no canto esquerdo está um Do-27 (Coleção Tiago Nóbrega)
Portugal tentou comprar bombardeiros Canberra B.2 no princípio dos anos 1960, mas a venda nunca se materializou, acabou-se por comprar aeronaves B-26 (Coleção Fred Willemsen)
Em 1964, Portugal foi obrigado a retirar os F-86 da Guiné devido à decisão norte-americana (Arquivo Histórico da Força Aérea)
Guerrilheiros do PAIGC na Ilha do Como (Coleção Alberto Grandolini)
Guerrilheiro do PAIGC a colocar uma mina antipessoal (Coleção Alberto Grandolini)
Operação Tridente, janeiro-março de 1964 (Matthew M. Hurley)
Chegada do ministro da Defesa Nacional, general Gomes de Araújo, à fragata Nuno Tristão (Arquivo Histórico da Marinha)

(continua)

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Notas do editor:

Postes anteriores de:

28 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23745: Notas de leitura (1511): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (1) (Mário Beja Santos)

7 de Novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23769: Notas de leitura (1514): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

11 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23776: Notas de leitura (1515): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (3) (Mário Beja Santos)

18 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23794: Notas de leitura (1519): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (4) (Mário Beja Santos)

25 DE NOVEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23815: Notas de leitura (1522): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (5) (Mário Beja Santos)

2 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23839: Notas de leitura (1526): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (6) (Mário Beja Santos)

9 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23859: Notas de leitura (1530): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (7) (Mário Beja Santos)

16 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23886: Notas de leitura (1533): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (8) (Mário Beja Santos)

23 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23909: Notas de leitura (1535): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (9) (Mário Beja Santos)

30 DE DEZEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23930: Notas de leitura (1538): "O Santuário Perdido: A Força Aérea na Guerra da Guiné, 1961-1974 - Volume I: Eclosão e Escalada (1961-1966)", por Matthew M. Hurley e José Augusto Matos, 2022 (10) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 DE JANEIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P23938: Notas de leitura (1539): "Noites de Mejo", por Luís Cadete, comandante da CCAÇ 1591; edição de autor, com produção da Âncora Editora, 2022 (2) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

antónio graça de abreu disse...

A República Independente do Como foi, na verdade, uma extraordinária república para os republicanos do PAIGC. Tal e qual como a nossa República Independente das Berlengas, para o faroleiro e as gaivotas.
Já agora o helicópetero para o nosso ministro é um Alouette 2 e não 3. A foto não mente.

Abraço,

António Graça de Abreu

Antº Rosinha disse...

Diz o General Lemos Ferreira: "não foi difícil para Portugal comprar material de guerra francês. Que eu saiba, nunca levantaram qualquer problema.”

E digo eu, aqui e agora, o difícil na França era Salazar e o nosso embaixador Marcello Mathias, selecionarem as empresas e os bancos que oferecessem as melhores condições, com cartas trocadas entre os dois e às vezes entroncadas com outras dos embaixadores da Inglaterra e até da Alemanha.

Cartas com uma frequência mínimo semanal com assuntos que chegavam aos mais pequenos pormenores e aos mais "miseráveis" escudos e cuidados.

Li todas as cartas entre os dois, publicadas em livro (cadeira 1968, Mathias na França durante a Guerra do Ultramar 1961), 7 anos vezes 52 semanas são 364 cartas ida e volta 728 cartas.

Salazar sabia que não era com mais helicópteros e submarinos e "Mirages" que ganhava qualquer guerra.

Se soubesse que era com mais e melhores armas que ganhava a guerra, era as armas que quisesse com os créditos que ele negociasse.

Com o Salazar era tudo ao pormenor. Até as cartas entre Salazar e embaixadores sobre o "visto Gold" para Calouste Gulbenkian, foram inúmeras cartas até Salazar e Gulbenkian dizerem sim.

As cartas, de poucas linhas (manuscritas) traduzidas para toda a gente ler, que eu li, são dois grandes volumes umas Com Marcello Mathias outras com Teotônio Pereira.

Mil cartas? muitas durante a II grande guerra.

cumprimentos