domingo, 1 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23936: Mi querido blog, por qué no te callas?! (9): O nosso blogue à lupa dos lentes de Coimbra... Pequeno resumo da tese de doutoramento de Verónica Ferreira que nos caracteriza assim, em entrevista à Lusa: (i) uma espécie de comunidade de antigos combatentes à procura de um sentido para a participação na guerra colonial; (ii) com um lado nostálgico de partilha de memórias, mas também de revolta pelo sacrifício inútil e não reconhecido; (iii) com um postura defensiva e uma visão algo lusotropicalista do conflito; e (iv) onde há muitos "pequenos silêncios" e alguns tabus


Uma das imagens ícones (e mais plagiadas) do nosso blogue: o 2º Gr Comb da CCAÇ 12, 1969/71, no subsetor do Xitole do setor L1, Bambadinca, a atravessar uma lala.

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.

[Edição e legendagem : Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Antigos combatentes criam sentido de comunidade 
em blogues e Facebook, revela estudo

29-12-2022 11:22 | Porto Canal  / Agências (com  a devia vénia...)

Uma investigadora da Universidade de Coimbra analisou a participação em blogues e em grupos de Facebook de antigos combatentes na Guerra Colonial, espaços onde estes homens criam um sentido de comunidade, mesmo que com “silêncios” sobre aquele período.

O tema foi objeto de estudo da tese de doutoramento de Verónica Ferreira, investigadora do Centro de Estudos Sociais (CES) da Universidade de Coimbra, no âmbito do projeto de investigação CROME, que tem como objetivo fazer uma história da memória das guerras coloniais e de libertação combatidas entre o Estado português e os movimentos independentistas africanos.

O doutoramento centrou-se nas narrativas dos antigos combatentes em blogues (com especial foco para o maior blogue de veteranos, “Luís Graça & Camaradas da Guiné”) e em grupos da rede social Facebook.

Para Verónica Ferreira, a presença dos antigos combatentes em meios digitais espelha a necessidade dos próprios de “formarem uma espécie de comunidade”, de falarem das suas experiências passadas e de lhes darem um sentido.

Apesar de no Facebook e nos blogues a construção de narrativas ser diferente (nos blogues, há uma maior diversidade de relatos, enquanto o Facebook aparece como uma espécie de fórum), há “linhas narrativas transversais”, disse à agência Lusa a investigadora.

Verónica Ferreira nota que, para lá daquilo que é partilhado, das histórias ou experiências, é importante perceber “quais os silêncios que existem”.

“É preciso perceber a história da qual não se fala. Aquilo que se fala é sobretudo de um sentimento de revolta, por não haver reconhecimento do Estado do sacrifício dos combatentes. O silêncio surge em relação à violência perpetrada”, constatou, dando ainda conta de outros “pequenos silêncios”, como a homossexualidade, que não é falada, ao contrário de temas difíceis que acabam por ser abordados como a deserção ou filhos que foram deixados lá.

Segundo a investigadora, a violência cometida na guerra é evitada nos relatos que são partilhados e, no caso da relação com mulheres durante o período em que foram mobilizados, o assunto é “abordado de forma coloquial, em linguagem de caserna, nunca se analisando a violência por de trás dessas relações”.

Para Verónica Ferreira, “há uma postura defensiva” nos antigos combatentes, mesmo que não exista uma “narrativa homogénea”.

“Existem muitos combatentes, com contextos diferentes, com posições ideológicas diferentes, mas há uma linguagem defensiva, mesmo em relação àqueles que se posicionam de forma crítica, porque há sempre uma tentativa de justificar a participação” na Guerra Colonial, vincou.

Para a investigadora, que para além de análise dos blogues e grupos de Facebook também entrevistou colaboradores do blogue “Luís Graça”, há uma “perspetiva de legitimação da guerra”.

“Foram pessoas que viveram a guerra e têm que encontrar algum sentido para aquilo que viveram. Há uma tentativa de encontrar uma linha coerente para contar uma história de vida, que os satisfaça e que faça sentido”, notou.

Para além dessa postura defensiva, há também um lado nostálgico de contar as suas vivências, de reencontrar camaradas e de abordar as memórias de um momento em que “foram protagonistas da História”.

Se o diálogo entre antigos combatentes é sobretudo cordial, surgem, mesmo assim algumas tensões, que acabam por resvalar mais no Facebook, onde “é um pouco mais visível uma secção mais conservadora dos combatentes”.

Para Verónica Ferreira, apesar de ter havido sempre um esforço da extrema-direita para tentar cooptar os antigos combatentes, “nunca foi bem-sucedido”.

Essas tentativas são visíveis no Facebook, havendo inclusive um grupo ligado ao partido Ergue-te (antigo PNR), mas a cooptação “não parece que tenha sido bem-sucedida”, constatou.

Ao mesmo tempo, quer no Facebook quer nos blogues, a visão da Guerra Colonial é uma visão “lusotropicalista”, que olha de forma benevolente para a ocupação portuguesa, mesmo naqueles que se posicionaram contra a guerra.

A investigadora realça ainda a importância de se preservar o material que vai sendo partilhado e publicado nos blogues, especialmente em “Luís Graça & Camaradas da Guiné”, realçando que aquele espaço “é um manancial imenso de documentação, de relatos, de história oral”.

“Não existem programas que preservem aquela riqueza de material para além do esforço do Luís Graça e dos restantes camaradas. Seria uma perda imensa se o domínio fechasse e deveria haver um esforço para recolher e preservar aquele material de forma mais consistente”,
defendeu.

Notícia do Porto Canal | Agência Lusa, que nos chegou já ao findar do ano de 2022, pela mãos dos nossos camaradas Carlos Pinheiro e Miguel Pessoal. Fica bem na série "Mi querido blog", para inaugurar o ano de 2023  (**)... Fixação de texto / links / negritos: LG.
___________


7 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

De um modo geral podemos dizer que a tese toca na principais "características" e linhas de força que caracterizam o blog.
Só uma leitura atenta poderá confirmar esta ideia.

Um Ab.
António J. P. Costa

Anónimo disse...

Boa tarde
É possível ter acesso a esta tese de doutoramento!?
Albertino Ferreira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A tese de doutoramento da Verónica Isabel Pedro Ferreira, "Memórias virtuais: representações digitais da guerra colonial", defendida na UC - Universidade de Coimbra, setembro de 2022, está disponível aqui em formato pdf...

https://estudogeral.sib.uc.pt/bitstream/10316/102803/3/PhD_Memo%cc%81rias%20Virtuais_VF_Po%cc%81sDefesa_2022.pdf

Ainda não li, mas posso mandá-lo documento,que é público, por email. Para já, parabéns à Verónica pela conclusão com sucesso (académico) do seu trabalho. Ao longo das primeiras semanas de 2023, teremos por certo oportunidade de publicar mais comentários dos leitores (e se possível postes). Haja gente com coragem para "atacar" as 357 pp.

Declaração de interesses: nunca cheguei a ser entrevistado pela investigadora, alguns dos membros da Tabanca Grande, sim. Mas o blogue, na pessoa do seu editor, colaborou inicialmente com a equipa do projeto CHROME, gerido por Miguel Cardina.Estamos a falar antes da pandemia de Covid-19... Como tem colaborado com a comunidade académica, em geral.


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Universidade de Coimbra > ESTUDO GERAL > Repositório científico da UC

https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/102803

Título: Memórias Virtuais: Representações digitais da Guerra Colonial
Autor: Ferreira, Verónica Isabel Pedro
Orientador: Cardina, Miguel | Ribeiro, António Sousa
Palavras-chave: memórias digitais; colonialismo; guerra colonial; Facebook; Wikipédia; Blogues; discursos; veteranos
Data: 12-Set-2022
Projeto: H2020, ERC-2016-StG-715593
Local de edição ou do evento: Coimbra

Resumo: O estudo da memória pública e comum de eventos históricos foi-se desenvolvendo nas últimas décadas do século XX, particularmente dedicado ao estudo da memória de eventos traumáticos como o Holocausto. Em Portugal, esses estudos, de memórias consideradas traumáticas, têm dado os seus primeiros passos em temas como a ditadura estado-novista ou a memória do colonialismo português. Em suma, as memórias ligadas aos eventos do século XX português.

Nesta investigação em particular, interessou-me abordar a memória pública e comum da última grande guerra do século XX na qual o Estado português participou – enquanto regime ditatorial e colonial, o Estado Novo. A investigação da memória do Estado Novo e da Guerra Colonial até então não havia contemplado o novo espaço social dos meios de comunicação digitais – a Internet – e decidi encetar uma primeira investigação que colmatasse parte dessa lacuna.

Decidi, portanto, dedicar-me a iniciar o estudo da memória pública e comum da Guerra Colonial na Internet, nomeadamente em três plataformas: 1) os blogues de antigos combatentes; 2) em verbetes dedicados ao conflito na Wikipédia lusófona; e 3) nas páginas e grupos públicos de Facebook que abordassem de alguma forma a memória do conflito.

Neste sentido, pretendi compreender que semelhanças e que ruturas marcam este novo espaço mnemónico social? A investigação que desenvolvi nos últimos cinco anos teve como objetivo central compreender as dinâmicas de criação e produção de memória de memórias e quais as narrativas históricas mais presentes sobre o conflito nestas plataformas digitais. Assim, e em suma, encarei o meio digital enquanto espaço de (re)criação, divulgação e partilha de narrativas e representações sociais sobre a Guerra Colonial. A investigação pretendeu responder a duas grandes questões: 1) em primeiro lugar, que narrativas são (re)construídas em meio digital sobre a Guerra Colonial; 2) em segundo lugar, de que forma (como) e em que medida (quanto) o meio digital molda as narrativas memoriais sobre a Guerra Colonial.

Com efeito, pretendi, ao mesmo tempo, compreender quais as razões apontadas pelos produtores destes conteúdos para enunciar e divulgar essas narrativas através da Internet, que tipo de relação se estabelece entre as narrativas digitais e as narrativas em circulação noutros meios de comunicação. Ao fazê-lo percebi que se vão formando, sobretudo entre utilizadores de blogues e de páginas de Facebook, comunidades baseadas em experiências comum e na partilha dessas experiências. E, por fim, que relações se estabelecem entre indivíduos dentro e fora de grupos de pertença (dimensão comunitária e dimensão individual), i.e., que relação têm as memórias produzidas em meio digital com as restantes representações sociais da guerra e que relação têm as memórias em meio digital (os seus processos de produção e negociação) com as representações sociais dominantes sobre a Guerra Colonial e os consensos historiográficos existentes?

(Continua)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Universidade de Coimbra > ESTUDO GERAL > Repositório científico da UC

https://estudogeral.uc.pt/handle/10316/102803

Título: Memórias Virtuais: Representações digitais da Guerra Colonial
Autor: Ferreira, Verónica Isabel Pedro

Resumo (Continuação)


Para compreender o processo de produção e construção das memórias em meio digital foi importante ter em conta a interação entre meio digital e a construção de memórias individuais e coletivas de antigos combatentes fora das plataformas, situando-as num contexto histórico, económico e político mais amplo e influenciado por narrativas já presentes no meio social em que estes homens se movem. Concomitantemente, tive em conta a produção académica existente sobre a Guerra Colonial, a fim de colocar em perspetiva as narrativas exploradas em contexto virtual - explorando silêncios e ausências. Para tal, foi importante fazer um levantamento crítico da evolução da memória da Guerra Colonial nas várias plataformas digitais e analisar as representações da guerra e as narrativas memoriais presentes nos blogues e nas páginas coletivas/associativas de Facebook. A investigação teve ainda a colaboração de antigos combatentes que escrevem, simultaneamente, para o maior blogue de veteranos da Guerra Colonial em língua portuguesa – o blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné – que aceitaram ser entrevistados enquanto produtores de conteúdos digitais e antigos combatentes. O objetivo foi comparar as narrativas construídas fora do meio virtual, assim como indagar os produtores acerca das razões por si apontadas para a utilização do meio como espaço de enunciação.

(...) Descrição: Tese no âmbito do Doutoramento em Discursos: História, Cultura e Sociedade, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra.
URL: http://hdl.handle.net/10316/102803
Direitos: openAccess
Aparece nas coleções: FLUC Secção de Estudos Anglo-Americanos - Teses de Doutoramento
UC - Teses de Doutoramento

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Agradecimentos da autora aos antigos combatentes que entrevistou, pág IV.

(...) E, finalmente, a todos os antigos combatentes que abdicaram de umas horas do seu precioso tempo para conversar comigo, uma miúda de vinte e tal anos, sobre o período que se seguiu a uma das experiências mais marcantes das suas vidas. Agradeço por isso:

ao Eduardo Magalhães Ribeiro,
ao Mário Beja Santos,
ao Inácio da Silva,
ao Virgínio Briote,
ao Hélder Sousa,
ao Jorge Cabral – que, infelizmente, já não pôde ver esta tese concluída –,
ao Jorge Araújo
e ao Manuel Joaquim.

Para além do profundo agradecimento ao Luís Graça que não apenas me facilitou o contacto com os seus camaradas, como gentilmente me cedeu a entrevista que realizou com a colega, realizadora e investigadora Doutora Diana Andringa – a quem também muito agradeço.

Todos os erros, imprecisões e omissões que se possam encontrar no texto são, obviamente, da minha respondabilidade. (...)


Há uma dedicatória que me/nos sensibiliza, enquanto editor/es do blogue; "Em memória de Leopoldo Amado, Jorge Cabral e de todos aqueles que foram partindo enquanto escrevia estas páginas".

Por outro lado, entre os não-combatentes, e nomeadamente guineenses, membros do blogue entrevistados pela Verónica Ferreira, há que citar o nome do Cherno Baldé... E parece faltar um 10º entrevistado:

(...) Como descreve ironicamente, Jorge Cabral, um dos dez veteranos de guerra e membros do blogue que entrevistei... (pág. 37)...

Já descobri, é o José Marcelino Martins, que por lapso não vem na lista dos agradeciemntos... Os relatórios das entrevistas (a par do guião e da lista dos entrevistados) podem ser lidos no Apêndice (pp. 243 e ss.):

Tabanca Grande Luís Graça disse...

ANEXOS (pág. 338 do documento acima citado):

Lista de blogues de antigos combatentes e coletivos de veteranos:

Blogue Cacimbo, http://cacimbo.blogspot.com.

Blogue CC3413, https://cc3413.wordpress.com/tag/guerra-colonial/.

Blogue Especialistas da Base Aérea 12 Guiné 65/74, http://especialistasdaba12.blogspot.com.

Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné, https://blogueforanadaevaotres.blogspot.com.

Blogue Luís Graça e Camaradas da Guiné (I Série), http://blogueforanada.blogspot.com.

Blogue Relembrar para não esquecer!, https://guerracolonial.blogs.sapo.pt.

Blogue Cenas de Guerra, http://cenasdeguerra.blogspot.com.

Blogue Caçadores 3441, http://angola3441.blogspot.com.

Blogue Fórum 4611, http://forum4611.blogspot.com.

Blogue Onzima – Ccaç.3411, https://onzima-laranjeira.blogspot.com.

Blogue Histórias da Guiné 71-74 – A C.Cac 3491-Dulombi, http://wwwccac3491guine7174.blogspot.com.

Blogue Cart.3514 “panteras negras”, http://cart3514.blogspot.com/.

Blogue BART 1914 – Tite, Guiné/Bissau, http://bart1914.blogspot.com.

Blogue Tabanca do Centro, http://tabancadocentro.blogspot.com.

Blogue Tabanca dos Melros, https://tabancadosmelros.blogspot.com.

Blogue Tabanca de Matosinhos & Camaradas da Guiné, http://tabancapequenadematosinhos.blogspot.com.

Página Dos Veteranos da Guerra do Ultramar 1954 a 1975, http://ultramar.terraweb.biz/index.htm.[ Criada por um veterano que combateu em Moçambique]