quinta-feira, 3 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23759: Mi querido blog, por qué no te callas?! (8): É como a ponte, que atravessámos duas vezes, a maior parte de nós, "ao p'ra lá e ao p'ra cá": parece que treme, mas não cai...


Lisboa > Março de 2007 > A Ponte 25 de Abril, sobre o Rio Tejo (Ponte Salazar, até ao 25 de Abril de 1974), reflectida sobre a fachada de vidro de um dos edifícios da Administração do Porto de Lisboa... Parece que treme mas não cai...

Foto: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa >  Junho de 1970 > A ponte sobre o Rio Tejo e o Cristo Rei, na margem esquerda... Em 1970, a febre da construção na outra banda já tinha começado, mas o Cristo Rei ainda era uma figura solitária na paisagem... Foto, sem legenda, do álbum do Otacílio Luz Henriques, 1.º cabo bate-chapas,  CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). 

Foto: © Otacílio Luz Henriques (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > 8/1/1964 > A ponte sobre o Rio Tejo, em construção: imagem do pilar norte, tirada do T/T Quanza. Uma foto notável com esta obra, emblemátca do Estado Novo, cuja construção demorou 3 anos e meio (novembro de 1962 a agosto de 1966): no regresso, o BCAÇ 619 já passou sob o tabuleiro da  Ponte Salazar... Foto do álbum  de Carlos Alberto Cruz , ex-fur mil, CCAÇ 617 / BCAÇ 619 (Catió e Cachil,  1964/66)

Foto (e legenda): © Carlos Alberto Cruz (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Cais da Rocha Conde Óbidos> 18 de agosto de 1965> Embarque do pessoal da CCAÇ 1426 e de outras unidades para o TO Guiné, no T/T Niassa; ao fundo a ponte sobre o Tejo ainda em construção, não estando ligados as diferentes secções do tabuleiro... (Seria inaugurada um ano depois, em 6 de agosto de 1966.)

Foto: © Fernando Chapouto (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > 29 de maio de 2012 > Ponte sobre o Rio Tejo > Iniciada a sua construção em 5 de novembro de 1962, foi inaugurada em 6 de agosto de 1966... Ainda havia, em 1962, montes de golfinhos no Tejo e centenas de fragatas e outras embarcações à vela... A contentorização do transporte de mercadorias marítimas  e o fim da estiva manual marcaram o seu fim... 

Foto: © Luís Graça (2012). Todos os direitos reservados. 
[Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Lisboa > Rio Tejo > 5/11/2011 > Pôr do sol no Atlântico, visto do estuário do Tejo, em Belém, junto ao Museu do Combatente (Forte do Bom Sucesso).

Foto: © Luís Graça (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Os mais velhos da geração da guerra colonial / guerra do ultramar / guerra de África viram-na crescer, entre 1962 e 1966, à belíssima ponte sobre o Tejo. Foi uma das coqueluches da política de obras públicas do Estado Novo. Deram-lhe o nome do homem forte do regime de então, o Salazar (que seguramente nunca passou debaixo dela, como nós, que fomos combater em África, a seu mando).

A grande maioria dos antigos combatentes passou debaixo dela, duas vezes, de barco, na viagem com destino  a Angola, Moçambique ou Guiné, e depois no regresso à Pátria... "Ao p'ra lá e ao pr'a cá", como diria o "caçula" do meu cunhado nortenho, que foi parar a Angola, em 1970 (e o mais velho a Moçambique, em 1963, só escapou o do meio, que  era cambo... e ficou livre da tropa; o resto eram raparigas, e nenhuma se ofereceu para enfermeira paraquedista, embora o pai fosse patriota e tivesse vindo uma vez ao Terreiro do Paço, arrebanhado para um comício da União Nacional, dando vivas ao Marcello Caetano e ao Portugal pluricontinental e plurirracial).

A grande maioria de  nós fez esta viagem de regresso, por via marítima, de Bissau a Lisboa, no Niassa, no Uíge, nos navios da nossa marinha mercante postos ao serviço do transporte da tropa mobilizada para a guerra, lá longe, a milhares quilómetros de casa. Era com emoção que se avistava a barra do Tejo, o Bugio, Cascais, a Costa da Caparica, a Trafaria, a torre de Belém, os Jerónimos, a ponte, o Cristo Rei, o casario de Lisboa, os golfinhos, as frgatas, o  cais da Rocha de Conde de Óbidos, donde tínhamos partido, 22, 23, 24 meses antes...

A maioria de nós atravessou esta ponte duas vezes, mas a água que corria sob ela já não era mais a mesma.  Tal como nós, quando fomos e quando viemos, também já não éramos mais os mesmos... Ninguém sobrevive, impunemente, a uma guerra...

E depois lá se ia de comboio até à nossa unidade mobilizadora... Essa derradeira vaigem, paga pelo Estado, tinha um profundo significado: a passagem à peluda, as últimas despedidas, a promessa de nos voltarmos a ver e a abraçar, enfim,  o regresso, solitário, a casa, onde nos esperavam, em alvoroço, a família, os amigos, os vizinhos...  

O "day after", o dia seguinte, não era fácil, não foi fácil para muitos de nós...  Uma geração partida e repartida,  uns tomaram os caminhos da emigração, transatlântica  (Brasil, EUA, Canadá) ou transpirenaica (França, Alemanha)... Outros, deixaram as suas terras  de vez (as pacatas aldeias, vilórias e pequenas cidades do interior),  fixando-se na grande Lisboa e no grande Porto, procurando oportunidades de trabalho, prosseguindo os estudos, reconquistando em Abril a(s) liberdade(s) perdida(s),  constituindo família, descobrindo o prazer de viajar por essa Europa fora, agora com outra mochila e outros sonhos... 

"Cacimbados", "apanhados do clima", "estranhos", "envelhecidos", "mudados", "fechados, de poucas falas", "truculentos", "noctívagos", "bebendo e fumando em excesso"... eram expressões que trocávamos uns com os outros, ou que ouvíamos aos nossos amigos, familiares e vizinhos... a nosso respeito, depois do regresso.

A (re)adaptação, em muitos casos, não foi fácil, e levou o seu tempo... A maior parte casou, teve filhos e netos e tentou ser feliz... Mas nunca mais foi o mesmo, tal como a água do Tejo que passa sob a sua ponte...

 2. Enfim, há que lembrar, por mor da verdade,  que, a partir de 1972, 
 os TAM (Transportes Aéreos Militares) compraram dois Boeing 707 e a rapazida passou a chegar mais depressa aos teatros de operações, mas também a casa, no regresso,  os que tiveram a estrelinha da sorte (ou a "santinha da sua devoção" ) a protegê-los... 

Que a guerra os esperava e já se fazia tarde, diziam os maiorais, também eles já cansados da guerra... Mas as saudades de casa, da terra, da Pátria / Mátria / Fátria, também eram mais do que muitas... Houve quem não aguentasse a espera do avião dos TAM e se metesse no avião da TAP, pagando a passagem do seu bolso...

O nosso blogue tem a  veleidade (utópica?) ou a pretensão (ingénua?) de tentar juntar o maior número dos que ainda estão vivos e ajudá-los a reconstituir o puzzle das suas memórias da guerra (e da Guiné, muito em particular)... 

Teima, ao fim destes anos todos, em pô-los a contar as histórias dos seus verdes anos. E a partilhá-las, neste blogue. Que, tal como  sugere a primeira foto de cima, é como a ponte, parece que treme, mas não cai... 

Que os bons irãs da Tabanca Grande nos continuem a proteger. E que no final do próximo ano de 2023, posssamos dizer: chegámos à meta dos 900 (*). Mesmo sabendo que a picada  da vida é cada vez mais dura e perigosa, "cheia de minas e armadilhas"... 

Ah!, e que daqui a uns meses, lá para abril ou maio, quando chegar a primavera (se lá chegarmos), tenhamos ainda a soberana e humana vontade de nos encontrarmo-nos, no XV Encontro Nacional da Tabanca Grande, que, recorde-se,  até chegou a estar  marcado para Monte Real, em 2 de maio de... 2020. (LG)
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 8 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23684: Mi querido blog, por qué no te callas?! (7): Campanha dos 900 membros da Tabanca Grande até ao fim de 2023... Toca a "tocar o burro"... Porque, como diz o provérbio guineense, Buru tudu karga ki karga si ka sutadu i ka ta janti (O burro, com pouca ou muita carga, se não é açoitado, não anda)...

13 comentários:

Carlos Vinhal disse...

Eu passei de barco uma vez em 1969 e duas vezes em 1970 sob a então Ponte Salazar, e em nenhuma delas ia para ou vinha da Guiné.
Na minha ida para a Guiné, de barco em 1970, também não passei sob a ponte. O regresso já foi nos TAM.
Só para contrariar.
Durante muitos anos afirmei que tinha passado por cima e por baixo da Ponte mas nunca a tinha atravessado. Mas lá veio um dia em que a atravesei pela primeira vez.
Carlos Vinhal

Valdemar Silva disse...

Carlos Vinhal, essa é boa.
Em 1970 embarcaste para Guiné e o navio não passou sob a Ponte?
Bem, podia ter sido noutro Cais de embarque fora de Lisboa e não passaste sob a Ponte. Ou podia ter sido em Lisboa, melhor dizendo no Porto Brandão, que fica em Almada e para lá da Ponte.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Carlos Vinhal disse...

Caro Valdemar
Fiz três viagens passando sob a Ponte, então, Salazar: em 1969, Lisboa-Funchal; Em 1970: Funchal-Lisboa e Lisboa-Funchal.
Em 1970 fui para a Guiné mas a partir do porto do Funchal.
Tive a sorte de fazer 4 meses de comissão na Madeira e 23 na Guiné o que me proporcionou as viagens que menciono. Não é para todos.
Espero que estejas bem
Carlos Vinhal

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, o Carlos Vinhal deve partido do Funchal, Madeira, que ficava muito para lá de Lisboa e da Ponte Salazar... Ele pertencia à "madeirense" CART 2732, mobilizada pelo BAG2...A viagem foi mais curta: embarque a 13Abr70, no Funchal; desembarque em 17Abr70, em Bissau...

Sobre os TAM - Transportes Aéreos Militares:


(...) O esforço de guerra não podia ser mantido só com a linha da TAP e assim a Força Aérea, desde muito cedo, tentou desenvolver os transportes aéreos estratégicos, missão entregue aos TAM (Transportes Aéreos Militares), que começaram a operar na primeira metade dos anos 50 a partir do AB1, em Lisboa, para o que usaram dois C-54 (o equivalente do Skymaster), cedidos pelos americanos para uso nos Açores. Em 1955, os TAM contavam já com uma frota de 11 C-54 ou DC-4, mas todos antiquados.

Quando a luta armada rebentou em Angola, os Constellation da TAP foram requisitados e fizeram viagens como transportes de tropas, enquanto os C-54 dos TAM tentaram manter a ligação regular com Luanda, em voos que demoravam 22 horas. As dificuldades eram muitas para os velhos aviões e quatro deles perderam-se em acidentes.

A renovação da frota de longo curso dos TAM era prioritária, mas os EUA recusaram-se a vender os C-130 ou outros aparelhos modernos, pelo que teve de se recorrer à TAP, que comprou oito DC-6 no mercado civil, passando-os depois aos TAM, os quais mantiveram a ligação regular com Luanda até 1971. Dos dez aviões deste tipo usados pelos TAM nas ocasiões de maiores dificuldades, só um estava operacional e era sempre difícil comprar peças no mercado americano, mesmo através da TAP, por isso os C-54 foram desviados para a rota da Guiné, bastante mais curta.

Em 1970, mais uma vez com recurso a vários subterfúgios, foi possível comprar dois Boeing 707 para os TAM. A primeira viagem para Luanda fez-se em 1971, numa ligação que, com os aparelhos a jacto, só durava dez horas. (...)

Fonte: Excertos de Universidade de Coimbra > Centro de Documentação 25 de bril > Guerra Colonial - Meios de Transporte

http://www.cd25a.uc.pt/index.php?r=site/page&view=itempage&p=1675

Manuel Luís Lomba disse...

Em Agosto de 1964, passamos no vão da ponte sobre o Tejo a caminho da Guerra da Guiné, estivados no cargueiro Benguela, vocacionado para o transporte de gado, em finais de Maio de 1966, passamos sob o seu tabuleiro como passageiros do paquete Uíge, na fase final da sua construção.

Não fui admitido ao serviço do seu estaleiro, por causa do serviço militar. Não fui admitido regressado da Guiné, porque já dispensavam pessoal.

A Ponte da Arrábida do meu emprego foi inaugurada no dia de S. João de 1963, e, pela recensão do Mário Beja Santos, fiquei a saber que o seu construtor ve meu ex-patrão, eng.º José Pereira Zaghallo, havia começado a sua carreira profissional como Director dos Serviços de Obras Públicas da Guiné - plausivelmente, as construção da ponte do Saltinho e de outras serão do seu tempo.
Abr.

Valdemar Silva disse...

Meu caro Carlos Vinhal, já não sou o que era dantes.
Essa não me escapava, mas o raio da deste Outono aqui para os lados de Sintra ataca com muita humidade e fiquei bloqueado. E já começo a perder a....nem sei o que é...ah! a habilidade como são feitas as perguntas.
Mas, comigo foi ainda melhor: antes de chegar ao Piguigiti, em Bissau, o "Timor" encostou por duas vezes em Cais diferentes em Portugal. E esta?
Vá uma ajuda: a primeira vez foi no Cais de Alcântara e a segunda foi num Cais que mais parecia um presépio de Natal em Fevereiro.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Carlos Vinhal disse...

A paisagem mais parecida com um presépio que conheço é precisamente a ilha da Madeira.
Acertei?
Abraço
Carlos

Valdemar Silva disse...

Certo, também só faltou dizer que era o Cais do Funchal.
Pois, saímos de Alcântara, dois dias a vomitar sem comer nada e sem o "contrabando à vista", chegamos às seis da manhã ao Funchal. Antes e com o aproximar da Ilha, foi apreciar aquela espectáculo extraordinário do presépio com as luzes da via pública ilha acima por meio das bananeiras.
Fomos buscar militares da Ilha e nem sequer podemos sair do navio (ou saímos e não me lembro) para comer e beber qualquer coisa.
Quer dizer, que também conheces a Madeira como que pouca gente conhece, com chegada por mar e de noite.
E ainda dizem, com alguma verdade, se não fosse a ida pra guerra nem sequer conhecia o Cristo Rei quanto mais a Madeira.

Abraço
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Caramadas, os criticos da nossa geração que foi à guerra, chapam-nos isso mesmo à cara: foi o cruzeiro das nossas vidas... LG

Unknown disse...

Eu então costumo dizer por brincadeira que já estive na Madeira mas não coloquei lá os pés. Na viagem que fiz com o Luís Graça com partida de Lisboa a 24 de Maio de 1969, viagem para a qual não nos inscrevemos, encostámos ao Funchal para ir buscar a CCaç 2529, mas não chegámos a sair do Niassa por ter havido atraso na viagem Lisboa/Funchal.
Mas a imagem que hoje ainda perdura na minha memória fotográfica é realmente a dum presépio iluminado.
Abraços para todos e como diz o Valdemar

Saúde da boa
Eduardo Estrela

Fernando Ribeiro disse...

A verdade é que a ponte treme e pode cair. Tudo aquilo está suspenso por "fios", que por sua vez estão dependurados nos grossos cabos em catenária que se apoiam nos pilares da ponte. Por isso é que a ponte é chamada pênsil ou suspensa.

O tabuleiro da ponte não é inteiriço e não está apoiado nos pilares. Ele é constituído por secções independentes, que estão encostadas umas às outras de uma ponta à outra e estão suspensas da maneira referida. Tudo foi calculado tão milimetricamente, que até o comboio passa de uma secção do tabuleiro para o seguinte sem descarrilar.

Quando passamos pela ponte, estamos literalmente suspensos. Se, num dia de temporal, a ponte for atingida por rajadas de vento lateral tão fortes que a façam balouçar, ela pode mesmo cair. Basta que as rajadas a atinjam com uma frequência tal que a façam balouçar cada vez mais até se desintegrar. A probabilidade de tal acontecer é extremamente baixa, mas não é nula.

Valdemar Silva disse...

Na construção da Ponte, consta que morreram 11 operários ou 20 conforme outra informação, sendo 4 os números oficiais.
A pide estava sempre por perto das obras a espiar qualquer altercação dos operários.
Consta-se ter caído um operário na construção dos pilares do tabuleiro e não ter morrido. Teve sorte de cair sobre um barco carregado de sacos de algodão e por isso apenas ter partido as pernas. Mas, alguns dos colegas questionavam por ele ao cair gritar 'morra salazar morra salazar'.
Soubesse mais tarde, que os gritos eram para ser ouvidos pela pide e lhe deitar a mão.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Bem, eu queria que se falasse mais do blogue dp que da ponte...

Claro que a ponte é vulnerável como todas as criações dos deuses com pés de barro, que somos nós, seres humanos... Ali perto, em Álcântara, em plena falha sísmica de Lisboa, que é o Vale de Alcântara, o Aqueduto das Águas Livres mantem-se de pé há quase 3 séculos... Não consta que tenha tremido nem caído com o terramoto de 1755...