Li-os, com prazer e entusiasmo, e passado algum tempo pedi-lhe para publicar, por partes, o seu romance Pami Na Dondo, a Guerrilheira. Embora alguns dos nossos amigos e camaradas já tenha tido o privilégio de ler a obra, a maior do pessoal da nossa Tabanca Grande e os demais internautas desconheçam-na por completa.
É uma edição de autor, com uma tiragem limitada (500 exemplares), e que não tem propósitos comerciais. O Mário não teve dúvidas em, de imediato, satisfazer o nosso pedido. Vamos começar a publicar a estória da nossa guerrilheira, a Pami Na Dondo, balanta, que um dia vai cair nas mãos dos Lassas, os tugas de Cufar...
Antes do 1º epísódio, vamos levantar um pouco o véu sobre o autor, a sua obra e os bastidores... através da troca de e-mails entre ele e o editor do blogue.
2. Mensagens de Luís Graça e de Mário Fitas:
21 de Outubro de 2007
Caro Luís,
Foi um prazer estar pessoalmente e falar contigo, principalmente pela coincidência de ser na estreia de As duas faces da Guerra. Filme que desde já te informo, gostei de ver, mas que terei de ver mais vezes (2).
Agradeço as tuas palavras sobre a minha pessoa, e pena é não haver mais tempo para podermos falar dos problemas dessa Guiné maravilhosa.
Já enviei uma mensagem sobre o filme, mas como referi, quero-o dissecar melhor.
Quanto à publicação, no Blogue, de Pami na Dondo, a Guerrilheira, não vejo inconviniente absolutamente nenhum, acho que a Guerrilheira já faz parte da Tabanca Grande. Aliás agora tenho a convicção que valeu a pena todo o esforço feito, pois estou a sentir o pulsar de quem continua a amar Àfrica e a gostar - apesar de todas as vicissitudes - daquela linda Guiné.
Só que há uns problemas: É que eu não sou grande coisa em termos de informática, e também estou limitado em termos de software e hardware. Se houver na Tertúlia algum expert em informática que se voluntarie para pôr o livro no Blogue, tudo bem, não há problemas nenhuns, o Chefe da Tabanca manda.
Luís, o livro foi escrito precisamente para divulgar a estupidez daquela e de todas as Guerras. Se achas que de facto a introdução do livro no Blogue tem interesse, vamos embora, liberdade total. Quem fica a ganhar com isso somos todos nós que fazemos parte dos Povos de Portugal e da Guiné-Bissau.
Sempre ao dispor!
Um Abraço
24 de Outubro de 2007
Caro Luis,
Quanto ao livro, acho que encontrei qualquer coisa nos meus documentos, só que faltam as fotos, que vou tentar resolver, e até a hipótese de incluir outras também sugestivas.
Quanto ao Brandão, era conhecido em Catió, só que no livro é apenas mencionada a casa Brandoa e a União Fabricante, para defesa do escritor... Sabes que é muito complicado incluir nomes verdadeiros que por vezes nos trazem problemas.
Já escrevi no Blogue sobre o conhecimento de um rapaz de nome Brandão em Cufar. À Gilda Brás (3), enviei o meu livro a seu pedido, mas até hoje não recebi qualquer informação.
Quanto à nossa Pami, há de facto Balantas que faziam a excisão ou clitoridectomia. Os Balantas têm ou tinham vários grupos e até por vezes falando o seu dialecto distinto, e até os que sofreram a infuência islâmica, designados por Balantas Manés. Quase todas as raças na Guiné a praticava, assim como a circuncisão [masculina].
Um Abraço
27 de Outubro de 2007:
Caro Luís,
Tenho tido o meu computador sem Internet, e com problemas pelo que só hoje posso entrar em contacto eficiente (julgo eu) à Tabanca Grande. Tinha no Word uma versão de Pami que julgo ser a última versão que foi para a tipografia. Não enviei as fotos dos aviões e do Niassa, porque queria a tua opinião, sobre se se poderão incluir mais fotos, que poderão enriquecer o livro. Pelo que aguardo uma opinião sobre o assunto.
Um abraço do tamanho do Cumbijã!
27 de Outubro de 2007:
Caros amigos envio A GUERRILHEIRA.
Um forte abraço.
Mário Fitas
27 de Outubro de 2007:
Mário:
Não queres dar uma pequena explicação aos nossos camaradas sobre o livro ? Como te surgiu a ideia ? Onde foste buscar a Pami ? ... A tua estória, que eu estou ainda a ler, levanta algumas questões interessantes mas também perturbantes, como os interrogatórios aos prisioneiros, feitos por milicianos...
Talvez valha a pena contextualizar a estória: já havia psico, nesse tempo ? Em 1965 ? Por outro lado, ainda não respondestes à questão que te levantei há dias: entre os balantas havia a festa do fanado, mas eles não praticavam (nem praticam) a circuncisão feminina (ou MGF - Mutilação Genital Feminina)... Mas eu só conheci os balantas da região de Bambadinca... Posso estar equivocado...
Luís
28 de Outubro de 2007:
Caro Luís,
Nada me impede, de dar todas as explicações sobre Pami na Dondo, a Guerrilheira. Só que por motivos vários não gostaria que determinados pormenores passassem dos editores do Blogue, pois para além de existirem ainda muitos intervenientes vivos, existe uma memória colectiva, com respeito pelos que já partiram.
Estou a tentar contactos directos com (personagens e familiares) e verificar até onde posso chegar. Para mim não há problemas, pois tenho a consciência que fiz uma guerra, independentemente do nome que se lhe queira dar. Para mim foi guerra! Não
tomo partido por nenhuma definição além desta. Tendo-a feito estudado e analisado, assumo as minhas responsabilidades, pelo que resolvi mostrar aquilo que vivi, senti e vi.
É nesse contexto que nasce a Guerrilheira, uma autenticidade ficcionada. Senti que deveria falar e contar a guerra, não como narração de actos e feitos, mas através de um romance, narrar a realidade da guerra.
Plenamente confiante em ti, e sem problemas para mim, ponho esta questão: Estivemos ou não estivemos em guerra? Ela é na realidade uma estupidez! Mas que pode fazer um (puto) de vinte e um anos, perante este drama, tendo sido preparado e estruturado para essa própria Guerra? Foi muito complexo! Só acordei, quando me encontrei chafurdando nas bolanhas, respirando vapor de água nas matas, e gatinhando sobre a lama dos rios de maré ou matando a secura no velho copo de bambu.
Já era muito tarde!...Tinha amigos tombado a meu lado,e outros, estropiados, tinham lançado aquele olhar de adeus... "Até Quando"? Morrer? Seria solução? Outros caminhos e opções eramos obrigados a ter. E aí, meu amigo, o homem torna-se animal!
Transforma-se em monstro. As minhas histórias fui contando. Geralmente a
resposta era a mesma:
- O gajo está a pintar!
Não queria ir embora, dar de comer aos bichinhos da minha querida planície, e egoisticamente levar estas verdades, e o meu ódio e repuúdio pela guerra, sem deixar algo que tentasse sensibilizar a condição humana.
Respondendo às tuas dúvidas:
(i) É certo que os balantas não praticavam a excisão, os politeístas, mas os que já estavam ligados ao islamismo, esses, faziam-no. Como tenho referido, há momentos de ficção no livro, esse pode ser um deles.
(ii) Da Miriam, podia dizer-te tudo! Da Pami, nesse aspecto felizmente não!( Agora estou a rir) já deste uma olhadela pelos Putos Gandulos e Guerra. Concerteza. Pois é, Chefe da Tabanca Grande, não foi fácil, não!
(iii) Quanto aos interrogatórios, não era feito pelos milícias, mas sim por graduados, eles serviam apenas de intérpretes, pois as únicas pessoas de etnia balanta que ouvi falar crioulo e português, foi a personagem Pami, e o ex-guerrilheiro Alfa nam Cabo.
(iv) De facto havia psico sobre as quatro tabancas a sul de Cufar, dávamos aulas e pequeno almoço a mais de cem miúdos, e tentava-se que os prisioneiros por nós efectuados, rejeitassem o PAIGC é verdade, nós também recebíamos correspondência do Alfero de Mato, colocada no cruzamento do Cabaceira.
(v) Também tinhamos agentes duplos! Olha um deles, o Bia, chefe da tabanca de Impunguedada, levava e trazia. Um dia soubemos que tinha sido morto no Cafal (Cantanhez), por tentativa de fuga (?). Nunca o soubemos. O Codufu, chefe da tabanca de Cantone, foi comprar caqui com dinheiro nosso, como sendo para o PAIGC.
(vi) A guerra era porca! A emboscada em que morreu o Gonçalo, foi montada pelo PAIGC, por informações fornecidas pelo Admnistrador de Posto de Catió, com quem o Comandante de Batalhão se tinha aberto. Por estas e por outras, levou a trancada na cabeça, e que já alguém contou no nosso Blogue.
(vii) Luís, fala-se do que as nossas tropas faziam. É verdade! Nós tinhamos problemas com isso, principalmente com os Heróis do arame farpado, que se borravam todos nas operações. Mas também havia problemas do outro lado [, do lado do PAIGC,] e talvez piores. Já alguma vez ouviste falar na limpeza étnica em que foram executados guerrilheiros de etnia balanta? O próprio Amilcar Cabral! Porquê? Foi tudo muito sujo e feio. O mal foi ter começado. Depois era de esperar: Porcaria!
Estou cansado e triste, ao recordar tudo isto, mas há que criar forças, pois há tanto para contar!
Aqui para nós, a nossa Menina existiu e viu muita coisa!
Um abraço do tamanho do Cumbijã.
Mário Fitas
29 de Outubro de 2007:
Mário:
O teu testemunho é desassombrado, lúcido e corajoso... Autorizas-me que o publique, antes, durante ou depois da publicação da Pami Na Dondo (em folhetim, em partes) ?
Devo dizer-te que adorei a estória da Miriam, do furriel Mamadu e do Homem Grande. Vou ter que a publicar, com retrato e tudo... Não me vais dizer que não! Até porque está em livro... E se ela, a tua Miriam, está viva e alguém lhe contar/ler a estória (o que é de todo improvável), ela vai ter de novo orgulho em ti, saudades de
ti...
É uma belíssima história de amor (por que não ? de ternura, de paixão, de atracção, de solidarieddae humana...) em tempo de guerra. A malta tem imenso pudor em falar disto, dos amores e desamores em tempo de guerra, da sexualidade, da descoberta dos outros/as.
Os meus parabéns, Mário.
29 de Outubro de 2007:
Luís,
Obrigado pelas tuas palavras. Do que está escrito nos meus livros, estás à vontade, podes publicares no Blogue tudo o que quiseres. Não são obras-primas de literatura, mas sei a força que têm.
Quanto à Pami, acho que não devo tocar, o livro foi escrito assim! Deve assim ficar, só com a inclusão de algumas fotos que são referência do que está escrito. Nesse aspecto, o Briote ofereceu-se, para me dar uma ajuda para tratar das fotos em termos informáticos, o que para mim é um grande favor. Agradecia também a inclusão do prefácio do Coronel Costa Campos, pois é um depoimento de grande valor (4).
Quanto ao que ontem escrevi, és livre de publicares o que quiseres. Não há problemas absolutamente nenhuns, eu o que não quero é que haja quem fique machucado, com o que eu escrevo.
Quanto a mim sou um homem livre e assumo os meus actos, tive a felicidade de ter dois homens extraordinários perto de mim. Meu avô materno João Fitas, monárquico e católico, que me tratava por companheiro, e meu pai António Vicente que me contou a chacina de Badajós - ainda eu era puto - à qual ele assistiu, e muita fome matou aos desgraçados que fugiam da morte.
Um Abraço do tamanho da minha Planície.
Mário Fitas
___________
Notas de L.G.:
(1) Mário Fitas foi Fur Mil Op Esp, da CCAÇ 763 (Cufar 1965/66); é autor dos dois romances sobre a guerra da Guiné
Vd. posts de:
12 de Agosto de 2007 > Guiné 63/74 - P2043: Bibliografia de uma guerra (22): Putos, Gandulos e Guerra, de Mário Vicente, aliás Mário Fitas (CCAÇ 763, Cufar)
5 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1926: Bibliografia de uma guerra (21): Pami Na Dondo ajuda-nos à reconciliação com a guerrilha (Virgínio Briote / Carlos Vinhal)
2 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)
27 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1893: Notícias de Cadique (Mário Fitas, CCAÇ 763, Cufar, 1965/66)
26 de Junho de 2007 > Guiné 63/74 - P1884: Tabanca Grande (16): Mário Fitas, ex-Fur Mil da CCAÇ 763 (Cufar, 1965/66)
(2) Vd. pots de:
20 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2197: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (4): Encontro tertuliano no hall da Culturgest na estreia do filme (Luís Graça)
(...) "(xvii) O Mário Fitas, que não conhecia pessoalmente e que a teve a gentileza de me oferecer um exemplar dos seus dois livros; no mais recente (Pami Na Doindo, a guerrilheira) escreveu a seguinte dedicatória:
"Silêncios parados, ressoar de passos do passado! Para o Dr. Luís Graça, agradecendo toda a disponibilidade para com todos os que fizeram o 'Vietname Português'. Um abraço sincero do Mário Vicente.
"Obrigado, Mário, o Doutor é que está mais, camarada! Fica o pedido de autorização para publicares no nosso blogue a belíssima narrativa da tua guerrilheira". (...)
22 de Outubro de 2007 > Guiné 63/74 - P2202: A nossa Tabanca Grande e As Duas Faces da Guerra (8): Voltei a Cufar e a chafurdar nas bolanhas e rios de maré (Mário Fitas)
(3) Vd post de 4 de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1919 - Tabanca Grande (22): Gilda Pinho Brandão, uma nova amiga
(4) Já foi aqui publicado: Vd. post de 2 de de Julho de 2007 > Guiné 63/74 - P1911: Bibliografia de uma guerra (19): Pami Na Dondo, guerrilheira do PAIGC, o último livro de Mário Vicente (A. Marques Lopes)
(...) "É uma edição do autor, de Julho de 2005, patrocinada pela Junta de Freguesia do Estoril. O Prefácio é da autoria do Coronel Carlos da Costa Campos, e diz assim (Subtítulos da responsabilidade do editor do blogue)" (...)
(5) Episódio sangrento da guerra civil de Espanha, que foi presenciada pelo jornalista português Mário Neves, do Diário de Lisboa:
Sitografia (sumária):
Blogue de José Viale Moutinho > 19 de Março de 2006 > 129 livros sobre a guerra civil de Espanha (e depois)
Fundação Mário Soares > O repórter Mário Neves na Guerra Civil de Espanha > A chacina de Badajoz
Cópia da página da edição do Diário de Lisboa, de 15 de Agosto de 1936, 2ª tiragem, com a famosa reportagem de Mário Neves sobre a reconquista da cidade de Badajoz pelos franquistas e a chacina dos vencidos.
Fonte: Fundação Mário Soares (2007) (com a devida vénia...)
(...) "Quando Mário Neves, com apenas 24 anos, e ainda estudante de Direito, foi incumbido da sua primeira e derradeira prova como repórter do Diário de Lisboa, nunca iria imaginar as repercussões internacionais que iria ter o seu testemunho da tomada violenta de Badajoz por parte das tropas nacionalistas.
"A 'Matança de Badajoz' foi presenciada em primeira mão por três jornalistas: Reynolds Packard, da United Press, Jacques Berthet, do Temps, acompanhados por Mário Neves. Estes jornalistas, e mais tarde Jay Allen, correspondente do Chicago Tribune, foram os primeiros a denunciar a violência e a 'inflexível justiça militar' realizada pelo Exército de África, comandado pelo tenente-coronel Yagüe.
"Estes testemunhos directos e oculares iriam ter um impacto muito forte na imagem que os rebeldes nacionalistas queriam dar ao mundo, de libertadores da barbárie e da anarquia.
Para Mário Neves significou a última oportunidade de apresentar a verdade, já que depois do seu artigo de 16 de Agosto de 1936, a crónica do dia seguinte foi integralmente censurada e ele próprio envolvido numa polémica internacional sobre a veracidade dos relatos, que se arrasta até aos nossos dias.
"Se em Portugal a faceta violenta do Exército de África foi facilmente neutralizado pela censura, no estrangeiro as repercussões foram enormes, e o Governo Português foi associado e condenado pela colaboração com a facção nacionalista, num período em que ainda estava a ser delineada a política de 'neutralidade' assumida oficialmente por Salazar" (...)
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