sábado, 17 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23624: Os nossos seres, saberes e lazeres (526): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (68): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 6 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 1 de Agosto de 2022:

Queridos amigos,
Alguém lançou a ideia de ir visitar um património extraordinário que uma fundação restaurara em 2010, a Villa Empain, era uma boa ocasião para se fazer 3 num: conhecer esta prodigiosa vila, considerada um expoente da Arte Deco sob a influência Bauhaus, visitar a exposição dedicada à imagem da mulher nas artes plásticas ao longo da humanidade e, de seguida, de ir à cave da vila apreciar uma exposição consagrada a Michel Polak (1885-1948), o arquiteto que construiu este tesouro. Villa Empain, criada em 1931, depois de muitas peripécias e de um doloroso período de abandono e vandalismo, foi restaurada em 2010, com os seus mármores finíssimos criando policromias espantosas, com as suas madeiras exóticas, portas e ferragens realizadas por artesãos topo de gama, completamente refeita a piscina com o seu chão de mosaicos azuis. Em suma, um refinamento de pormenores e uma coerência do conceito arquitetónico, tudo com linhas muito simples mas com resultado visual excecional. Polak já era nome sonante na arquitetura de Bruxelas, em 1928 construiu a Résidance Palace, ainda hoje um dos edifícios mais elegantes de Bruxelas, um expoente arquitetónico de antes da guerra. Antes de ver a exposição, deambulando por este edifício de valor excecional, podemos confirmar como Polak utilizou todas as tecnologias modernas e introduziu novos conceitos. Irá ficar na história da arquitetura por empreendimentos luxuosos de hotéis, cinemas e grandes armazéns. Mas hoje vamos ficar sem fôlego com o que ele criou, a caminho de um século, numa das avenidas mais caras da capital belga.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (68):
Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia – 6


Mário Beja Santos

Reservou-se a manhã à visita a Villa Empain, uma fascinante curiosidade concebida dentro dos cânones da Arte Deco e o modernismo, sente-se desde que entramos até sairmos que o arquiteto Michel Polak, figura essencial da Arte Deco de Bruxelas, caprichou, dando satisfação ao sonho de um jovem de 23 anos, Louis Empain, segundo filho do riquíssimo empresário o barão Edouard Empain, tudo é sumptuoso, concebido para deixar o visitante de boca aberta. A Villa foi construída no início da década de 1930 (1931), está numa avenida hoje rebatizada Franklin Roosevelt. Polak, inequivocamente, sentia-se atraído pelas iniciativas experimentais da Bauhaus, como iremos ver nas imagens seguintes, a preocupação é a luz; mas, ao contrário dos pioneiros alemães, Polak usou materiais dispendiosos, Empain abriu os cordões à bolsa e aceitou mobiliário e artes decorativas a preços dispendiosos. O jovem proprietário pouco gozou do seu sonho, foi atraído pelo Canadá e em 1937 ofereceu a sua Villa ao estado belga. Começou aqui um período tormentoso, pensou-se em transformar a Villa no Museu Real das Artes Decorativas Contemporâneas, veio a guerra, o exército alemão ocupou-a, fim do conflito, tomou-se a decisão de instalar a embaixada da URSS na Villa, o que contrariava as cláusulas da doação, o património voltou ao seu primitivo proprietário que ainda procedeu aqui a exposições consagradas à arte contemporânea. Depois houve a venda da Villa ao industrial do tabaco, por aqui andou a radiotelevisão luxemburguesa, seguiu-se um período sombrio, a Villa foi progressivamente abandonada, parcialmente destruída e vandalizada. A Fundação Boghossian adquiriu-a em 2006, procedeu-se a um restauro minucioso até 2010. As instituições que respondem pelos monumentos e sítios foram exigentes no restauro, por exemplo a piscina e a pérgola que a envolve foram integralmente reconstruídas à primitiva, o mesmo aconteceu com as madeiras, mármores, ferragens, algerozes. Agora é só visitar um património refinadíssimo com granitos polidos, belos mármores, madeiras exóticas, ferragens magnificamente trabalhadas, vitrais e mosaicos que arregalam o olho.
Chegámos com minutos de antecedência, deu para saborear o espetáculo de uma embaixada ali em frente, escusam de me perguntar se era o dia do país, se se tinha casado um monarca ou falecido um primeiro-ministro, era um corrupio de viaturas diplomáticas com trintanários de fardas refulgentes à porta.

Até os jardins não escapam, bem mantidos, com esculturas interessantes, agora é entrar e maravilhar.
Já estamos no rés-do-chão, comprado o bilhete no antigo escritório de Louis Empain, vai-se para o grande hall central, lá de cima vem um foco de luz que faz brilhar os mármores que cobrem o solo e as paredes. E por ali se anda a ver aquelas belas madeiras, as portas, os apliques que fazem intensificar a luz.
Em vão se tenta digerir aquela alcavala de pormenores, desde uma grelha em ferro forjado que separa o hall central do salão de festas, um trabalho esplêndido de ferragem, vejam-se os pormenores escultóricos e o belo relógio.
O visitante perde a cabeça, já foi bisbilhotar a grande janela envidraçada que dá para os terraços e para a piscina, impossível não dar uma olhadela pelas escadas que dão para um salão íntimo que é hoje o restaurante da Fundação. As paredes chamam à atenção por terem estuque-mármore, uma técnica especial que procura imitar os mármores nas suas estruturas e tonalidades. Há para ali um bar chamado bar à americana, elemento particularmente em voga daqueles anos 1930, ornamentada com uma pequena fonte em prata com a forma de peixe. E daqui se avistam as escadarias que dão acesso aos antigos quartos do primeiro andar.
O salão de festas tem uma particularidade que é um conjunto de placas quadradas em vidro, uma obra assinada pelo artista francês Max Ingrand, uma alegoria à Via Láctea, cujos motivos são gravados no vidro com aplicações de prata, estanho e ouro. Ora vejam.
Desde a sua origem, a grande escadaria de mármore que dá para o hall central foi banhada de luz graças a uma estrutura envidraçada. Tratava-se de uma obra de estilo neorrenascentista que infelizmente desapareceu e em seu lugar temos agora uma obra em vidro, desde 2014, da autoria do artista coreano Bang Hai Ja.
Exemplos de esculturas nos jardins da Villa Empain

Eu não queria entrar em pormenores sobre o que se vai ver no primeiro andar, fica para o próximo texto, é uma exposição sobre o retrato da mulher, com obras de arte de primeiro plano. Esta piscina é uma das primeiras piscinas privadas na Bélgica, foi concebida por Polak como um espelho de água refletindo a fachada traseira da casa. Tem um volume de 500m3 e uma profundidade de 3,80m. Considerada como uma das maiores e mais modernas da época da sua construção, como se disse, foi inteiramente reconstruída no restauro. À volta da piscina, uma pérgola abriga um chão em mosaico. Debaixo dela, atrás da piscina, há uma escultura em granito negro do artista egípcio de origem arménia Armen Agop.

(continua)

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Nota do editor

Último poste da série de 10 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23605: Os nossos seres, saberes e lazeres (525): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (67): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 5 (Mário Beja Santos)

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