Queridos amigos,
Ainda há bastante para calcorrear, mas, por minha conta e risco, vou percorrer aqueles espaços que a memória nunca abandonou, são recordações encetadas em 1977, têm o condão de se cruzarem com muitíssimas outras. Foi com pesar que não encontrei uma exposição que me desse volta ao miolo, a idade ajuda-nos a ser sinceros naquilo que chamamos valores estéticos, não contribuo para bater palmas com os troncos caídos umas pedras bolorentas ou uns cabos de aço a que chamam instalações. Cirandei por Marolles, é a veia cava das minhas compras de pechisbeque, revolutiei pelo centro, foi o imenso adeus, até à próxima. Amanhã será um dia de estalo, visita à Villa Empain, uma joia do modernismo, estão aprazados passeios pela Cité du Logis, e pela primeira vez irei conhecer as entranhas do maior matacão de Bruxelas, o Palácio da Justiça, é o Vale dos Reis nesta capital, uma monumentalidade tão desmesurada que nem dá para ficarmos boquiabertos.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (67):
Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia – 5
Mário Beja Santos
É sempre com um profundo sentimento que visito a Igreja de Santa Maria Madalena, a escassas centenas de metros da Grand Place, e numa artéria cheia de movimento. Tem estado várias vezes ameaçada, conheceu uma profunda intervenção entre 1956 e 1958 e a sua origem remonta a meados do século XIII, como qualquer outro templo religioso conheceu adições desde o gótico ao barroco, mas impressiona-nos pela harmonia das dimensões, a natureza dos seus materiais e a cor dos vitrais. A ameaça mais recente foi no princípio do século XX, à sua volta houve imensos trabalhos, lá foi poupada e restaurada. Confesso que são os vitrais do coro (que ilustram a história da Redenção, da Ressurreição e da Contemplação de Deus) que mais me impressionam. Há também uma referência aos mártires de Gorcum (1572), o relicário está na Igreja de São Nicolau, também ali perto, lá para o fim da tarde dar-se-á uma saltada. Estes vitrais de meados do século XX, perfeitamente datados, opinião minha, gozam de uma espiritualidade inatacável.
Interior da Igreja de Santa Maria Madalena
Sai-se da Igreja de Santa Maria Madalena com vontade de subir o Monte das Artes, só para contemplar o Hotel Ravenstein, não conheço nada de tão impressivo em mansão aristocrática entre os fins do século XV e princípios do século XVI no belíssimo estilo gótico brabanção, não perco a oportunidade de entrar no Bozar (Palácio das Belas Artes, construção de Victor Horta), infelizmente o que oferece em exposições não me levanta o entusiasmo, prefiro calcorrear, é nisto, a descer o bairro de Marolles que deparo, primeiro com a icónica capa do livro de banda desenhada de Edgar Jacobs, “A Marca Amarela”, quem andou por ali a pincelar sabe da poda e não esconde admiração pelo genial artista, e depois confrontei-me com um espetáculo, mas não escondo que foi o mural que me reteve ali tempo suficiente na contemplação, a ver se na próxima visita aqui venho em peregrinação.É como se estivesse a despedir-me de Marolles e não me satisfaz a melancolia que me invade a alma. É uma das artérias mais antigas de Bruxelas, ainda há vestígios de comércio com quase um século, como esta montra de uma enorme elegância, e depois encontro um baixo relevo modernista, que não deixa de me fascinar, o bairro está a ser gentrificado, mas dá gosto ver o cruzamento de marroquinos e turcos, turistas de diferentes índoles, gente de África, parei a ver este trânsito humano e a pensar naquele festival de que anteriormente vos falei, esteve suspenso 2 anos, percebe-se neste tráfego de desvairadas gentes como na Bruxelas capital o discurso do ódio e o racismo vesgo não pegam.
Após uma paragem para me amesendar e, diga-se a verdade, dar um certo descanso às pernas, regresso à Igreja de São Nicolau, um templo religioso bem cuidado, gosto de ver os edifícios civis a ela adossados, em Bruxelas não conheço coisa igual, deve ser o último vestígio da Idade Média, o relicário dos mártires de Gorcum prende-se com os tumultos religiosos da Reforma, 19 crentes católicos foram enforcados pelos protestantes holandeses, o relicário é uma peça impressionante, um primor de artes decorativas.
Por ali deambulei a ver a Virgem e o Menino ao bom estilo de Rubens, uma bela capela, fiz as minhas despedidas, era inevitável, a caminho de apanhar o metropolitano, dar uma derradeira olhadela à câmara municipal na Grand Place, sempre gostei muito deste ângulo. Amanhã vai ser um dia agitado, mete passeio matinal à volta de Watermael-Boitsfort e há uma bela vila modernista à nossa espera, confidencio que foi um dos mais belos dias que passei em Bruxelas, estou pronto a repetir.
(continua)
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Notas do editor:
Vd. poste anterior de 3 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23582: Os nossos seres, saberes e lazeres (523): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (66): Voltar à minha querida Bruxelas, depois da pandemia - 4 (Mário Beja Santos)
Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23595: Os nossos seres, saberes e lazeres (524): Viagem no Douro (Francisco Baptista, ex-Alf Mil Inf)
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