quarta-feira, 7 de setembro de 2022

Guiné 61/74 - P23596: Historiografia da presença portuguesa em África (333): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (5) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Novembro de 2021:

Queridos amigos,
Aqui findam as impressões do Padre António Joaquim Dias, desta feita elencam-se as suas referências à alimentação da população guineense e faz-se menção da comunicação por ele proferida nas Comemorações do V Centenário da Descoberta da Guiné, obviamente que aproveitou o material que já transcrevemos do Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira a partir de 1942, descobre-se agora que ele também assina Dias Dinis, convirá agora juntarmos as intervenções da mesma pessoa, mais adiante se fará recensão do trabalho que ele publicou na revista BIBLIOS, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. É a singularidade de um olhar de um missionário que comprovadamente se afeiçoou às duras tarefas de criar escolas, igrejas, residências, passando alguns anos sem auferir um rendimento, contando com o compadecimento de quem podia dar para eles poderem estar ao serviço de Deus.

Um abraço do
Mário


Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (5)

Mário Beja Santos

Que grande surpresa, estas Impressões da Guiné escritas por um missionário que ali viveu mais de oito anos, são documentos que ele vai publicando ao longo dos anos no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira, ainda não sei o que nos reserva este conjunto de cartapácios, a verdade é que há imagens magníficas sobretudo no noticiário guineense. O padre António Joaquim Dias regressou a Portugal depois de oito anos e meio de apostolado missionário em terras da Guiné e resolveu vazar no Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira a partir do número de novembro de 1942 em diante impressões e dados históricos da presença missionária franciscana na antiga Senegâmbia Portuguesa.

Chegou a hora de nos despedirmos deste missionário tão observador, primeiro ele vai dizer-nos o que viu sobre a alimentação da população guineense e depois faz-se uma síntese do seu trabalho sobre as missões católicas da Guiné Portuguesa. Deixaremos para outro texto o seu trabalho publicado na revista BIBLIOS, da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, 1943, intitulado As Missões Católicas na Evolução Político-Social da Guiné Portuguesa.

O arroz constitui a base da alimentação destes povos. Cultivam-no desde tempos imemoriais, provavelmente trata-se de uma importação do Oriente. Os pântanos são inundados pelas grossas e abundantes chuvas, que os fertilizam carreando para eles o húmus das terras enxutas. Os Balantas são os maiores agricultores, semeiam sempre o arroz em terras enxutas. Depois transplantam-no para os pântanos, onde mercê do intenso calor ele se desenvolve rapidamente. O arroz é descascado no pilão e crivam-no em cestos indígenas de folhas de palmeira. Os indígenas cultivam duas variedades de milho-painço a que chamam milhinho. E os Mandingas semeiam milho junto das próprias palhotas. Come-se o arroz acompanhado de algum peixe e por vezes carne de animais domésticos ou da vária caça. Ao peixe e à carne, por vezes temperado com ervas e legumes, dá-se o nome de mafé. Comem acocorados, levam a mão à cabaça e formam uma bola que dirigem diretamente para a boca. Lavam os dentes com o indicador da mão direita. Entra em função, depois desta lavagem, o volumoso palito, pequeno troço de pau branco e macio, que vai escovando a dentadura.

O Padre Dias refere igualmente outras fontes alimentares, como a criação de gado, o cultivo do Fundo, a mandioca, a batata-doce, os inhames e o amendoim, bem como algumas variedades de feijão. E recorda-nos o papel da cola e os frutos como a laranjeira, a tangerineira, a toranjeira, o abacaxi, a anona, o coco, o tamarindo e a papaia, bem como a malagueta. As fontes de pescado que destaca são o caranguejo (cáquere) e a ostra. Refere por último a aguardente de cana-sacarina e o vinho de palma, dizendo deste último que é o suco branco extraído do fruto da palmeira do coconote. E aqui acabam as impressões sobre a Guiné.

O Padre Dias foi convidado a apresentar uma comunicação no Congresso Comemorativo do V Centenário do Descobrimento da Guiné e não se fez rogado, cingiu-se à revivescência da vida missionária da Guiné a partir de 1931 com os missionários franciscanos que tinham sido desviados de Moçambique. Durante muitos anos, um único sacerdote foi todo o clero da colónia, o Padre José Pinheiro ainda estava vivo após mais de 30 anos ao serviço da Guiné. Reiterando nesta comunicação o que já escrevera em diferentes números do Boletim Mensal das Missões Franciscanas e Ordem Terceira recorda que os Franciscanos se estabeleceram na vila de Cacheu, lançaram as bases da Missão Central de Bula, em chão de Brames ou Mancanhas, viviam à mingua, em acomodações de barro, montou-se a Residência Missionária de Bula com a respetiva capela-escola. Em 1933 apareceram quatro Irmãs Hospitaleiras Portuguesas, nasceram as escolas de Có, do Churo e Cacanda, a assistência religiosa à vila de Farim, a abertura do asilo de infância desvalida de Bor, a escola do Pelundo. Em 1941 O Arauto, jornal mensal da missão de Bolama, e o único da colónia, é o meio de propagação no trabalho missionário. A situação tem vindo gradualmente a melhorar, há oito missionários, 29 professores indígenas assalariados, um seminário menor, uma creche, uma maternidade, 32 escolas diurnas e 3 noturnas, um colégio de ensino secundário, uma tipografia. Dá-nos conta do movimento religioso, da assistência em enfermagem, onde inclui o serviço das Irmãs Franciscanas Hospitaleiras Portuguesas, o Hospital e Maternidade de Bissau, o asilo e a creche de Bor, na manhã de 25 de maio de 1946.

No termo da sua comunicação agradece ao ex-governador da colónia, major Ricardo Vaz Monteiro o seu estímulo para a construção de igrejas na sede de cada circunscrição administrativa.

Um ponto curioso é que no Boletim da Agência Geral das Colónias diz-se que esta comunicação foi apresentada pelo Padre Dias Dinis, cabe agora ir à procura dos trabalhos que este assinou e juntar-lhes aqueles que são meramente assinados pelo Padre António Joaquim Dias.

Balantas, na construção de uma palhota
Guiné - Mulheres mandingas junto do poço. (Dentro já ficam prontas as tulhas para o arroz).
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Notas do editor:

Vd. poste anterior de 31 DE AGOSTO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23574: Historiografia da presença portuguesa em África (331): Impressões da Guiné de um missionário franciscano, início da década de 1940 (4) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 7 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23594: Historiografia da presença portuguesa em África (332): Região de Tombali, "chão balanta"? [Cherno Baldé, n. circa 1960 / Carlos Schwarz da Silva, "Pepito" (1949-2014)]

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