Guiné- Bissau > Bissau > 2000 > O Hospital Nacional Simão Mendes (, antigo enfermeiro da época colonial, militante do PAIGC, morto em combate no Morés, e sobre o qual se sabe muito pouco).
Foto: © Albano Costa (2000). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. Mensagem de Jorge Ferreira (ex-alf mil da 3ª CCAÇ, Bolama, Nova Lamego, Buruntuma e Bolama, 1961/63), autor do livro "Buruntuma: algum dia serás grande!... Guiné. Gabu, 1961-63" (ed. autor, Oeiras, 2016).
Data: 8 de março de 2017 às 17:04
Assunto: Buruntuma
Caro Luís:
Estou neste momento reunido com Mário Magalhães, puxando pelos "neurónios", uma vez que a questão que levantas nos obriga a recuar mais de 50 anos. (*)
Quanto ao enfermeiro Cirilo (???) o único facto a relatar é que (anteriormente à minha deslocação para Buruntuma), estando à frente do destacamento o Furriel Mário Magalhães [MM]. houve um acidente com arma de fogo casual e, ao ser requisitado os serviços do Cirilo, o seu comportamento
foi verdadeiramente exemplar (MM dixit).
O poderoso régulo de Canquelifá, que morava em Buruntuma, Sene: c. 1961/62. Cortesia de Jorge Ferreira (2016) |
diariamente visitavam as nabancas com enfermarias onde permaneciam os doentes com "doença do sono" ou "lepra". Convirá referir que a Missão do Sono da Guiné era uma estrutura sanitária altamente prestigiada cuja acção era relevada pela OMS [Organização Mundial de Saúde]..
Não há registo de qualquer acção "suspeita" do enfermeiro. quer durante a permanência em Buruntuma do MM ou de mim próprio.
Quanto ao dito professor Timóteo [Costa] (???) não se pode ignorar que as nossas instalações eram frontais à escola, junto a ela funcionavam as nossas instalações sanitárias, e existia uma morança habitada por um português que tinha sido deportado por "razões políticas" e que se tinha "cafrealizado", vivendo com uma mulher nativa e vários filhos.
Por outro lado, não se deve ignorar que a Escola era frequentada diariamente pelos militares que não estavam envolvidos em "operações de nomadização" ou "escalas de serviço", na sua função de apoio escolar.
Por tudo isto parece-nos que o professor não tinha condições para se dedicar a actividades subversivas. Não se deve ignorar que o próprio Corpo de Guardas do Régulo [Sene Sané] exercia uma importante acção de vigilância que muitas vezes pôs em causa a "lealdade" dos informadores do
responsável pelo posto da PIDE.
Já após o regresso do MM a Portugal, talvez por volta de 1966 (???), este foi abordado em
Lisboa pelo professor de modo muito cordial ...
E é tudo quanto se nos oferece dizer (MM / JF) sobre as questões que levantas no teu / nosso Blogue.
Saudações-
JF / MM
ET - O MM manifestou todo o interesse em aderir à Tabanca Grande !!!
2. Comentário do editor LG:
Caros Jorge Ferreira e Mário Magalhães:
Como eu já tinha dito em comentário ao poste P17108 (*), o resumo do teor do documento em causa, feito pelos técnicos da Fundação Mário Soares, parece-me "ambíguo" ou "confuso": (...) "Assunto: Transmite um recado do enfermeiro Cirilo, que se encontra em Buruntuma como professor, sobre o trabalho em prol da luta de libertação."
Timóteo Costa, que é o remetente, transmite a Marcelo Ramos de Almeida ("Marcel", para a família e amigos mais íntimos...), representante do PAIGC em Koundara, Guiné-Conacri, um recado do Cirilo, enfermeiro, que está em Buruntuma, a fazer trabalho político para o PAIGC, ao mesmo
tempo que é enfermeiro pago pela administração portuguesa...
Sem dúvida que, e à falta de médicos, os enfermeiros da administração colonial tiveram um papel importantíssimo na luta contra a doença do sono, a lepra e outras doenças tropicais, bem como no apoio sanitário às populações, antes da guerra. Também é verdade que houve, de resto, vários enfermeiros aliciados pelo PAIGC (ou melhor, PAI) nesta época (1961)... O Simão Mendes é um deles. (Morreu em combate, e deu o nome ao antigo hospital central da época colonial, em Bissau)
Conclui-se, do vosso depoimento que o tal Cirilo, enfermeiro, era conhecido das NT e fez inclusive tratamentos a um militar ferido, num acidente com arma de fogo, da CCAV 252, quando o fur mil cav Mário Magalhães comandava o destacamento de Buruntuma, ainda antes da chegada do Jorge Ferreira (em outubro de 1961).
O Timóteo Costa é que é o professor que acaba de chegar a Buruntuma (em 1961, não sabemos em que dia e mês)... O Mário Magalhães tê-lo-á conhecido em Buruntuma, em 1961, e reconhecido em Lisboa, por volta de meados dos anos 60. Devia ser cabo-verdiano, (**)
Ficamos gratos a ambos pelo vosso depoimento e felizes pelo facto de o veterano Mário Magalhães (mais antigo que o Jorge Ferreira em Buruntuma, talvez dois ou três meses!...) aceitar o convite para integrar a nossa Tabanca Grande...
De facto, é uma "preciosidade" encontrar camaradas de 1961 (!) com "cabeças ainda frescas" como vocês, Jorge Ferreira e o Mário Magalhães!.. E mais do que isso: prontos a partilhar com os seus camaradas as memórias (boas e más) de há 50 e tal anos atrás!
Recorde-se que a CCAV 252 foi a primeira companhia de cavalaria a ser mobilizada para a Guiné (agosto de 1961 / outubro de 1963), tendo como unidade mobilizadora o RC 3. O Jorge Ferreira, por sua vez, foi mobilizado para o TO da Guiné em maio de 1961, estebve a dar instrução no CIM de Bolama, foi para Nocva Lamega, para a 3ª CCAÇ, e ao fim de 3 meses, é colocado no destacamento de Buruntuma, onde esteve 11 meses. Antes de acabaer a comissão, em junho de 1963, ainda voltou ao CIM de Bolama.
________________
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 5 de março de 2017 > Guiné 61/74 - P17108: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral e outros / Casa Comum (21): O professor primário e o enfermeiro de Buruntuma, em 1961... Trabalhavam para o PAICG na cara da PIDE ?!...
(**) Último poste da série > 20 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16856: (De)Caras (67): Na despedida de Clara Schwarz da Silva (1915-2016), a decana da Tabanca Grande: um adeus da família e amigos, e um trecho de música klezmer, por João Graça
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