Guiné > Região do Oio > Carta de Jumbembem (1953) / Escala 1/50 mil > Posição relativa de Jumbembem e do "corredor de Lamel" (que partindo da estrada Farim-Jumbembem, acompanhava o curso do rio Lamel, afluente do rio Jumbembem, passando por Fantambã e Farincó até à fronteira)... Já em território senegalês havia a base (logística) de Sintchã Djassi (assim chamada talvez em homenagem a Abel Djassi, nome de guerra de Amílcar Cabral ?!...) ou Hermancono (também grafada como Hermacono ou até Hermangono). Na fronteira com o Senegal, estão sinalizados os números dos marcos, de 105 a 112. Era por aqui que se localizava a base.
Infogravuras: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2023)
Ao nosso primeiro encontro todo o vosso comando tem de vir.
Assinado: FARP. Aviso ao Exército Colonial.
(iii) A 20 do mês, às 13h30, e durante a interdição do corredor de Lamel, forças da CCAÇ 2548 (Jumbembem) detetaram e perseguiram um grupo IN estimado em 80 elementos. que se deslocavam de Sul para Norte, a 400 metros da sudoeste da ponte. O IN não reagiu ao fogo das NT, e retirou para Norte. De Jumbembem form feitos 13 tiros de obus para a zona de retirada do IN. E, a seguir, a FAP, chamada a intervir, fez um ataque ao solo entre o rio Lamel e Fantambã. Feita uma batida imediata, foram encontradas 10 granadas de RPG 2, entre outro material.
Infografias: Carlos Silva / Blogue Luís Graça & Canaradas da Guiné (2023)
1. O Carlos Silva teve a gentileza, no domingo passado, de me mandar cópia dos dois documentos que acima reproduzimos. Afinal, ele lembrava-se desta base (ou barraca), ou pelo menos do seu nome,Hermancono ou Hermacono. Ficaria no limite do subsetor de Jumbembem, mas já em território senegalês. Nos mails que trocámos, ele esclareceu:
(...) Luís, este nome [Hermancono] ficou-me na orelha, Consultei o meu livro e História do Bat Caç 2879 e cá está ele.
Como referi participei na operação que fizemos à zona, mas não encontramos qualquer vestigio. Segue o panfleto que apanhamos em Lamel. (...)(...) Eu andei por lá em fins de 1969, Mas quando fizemos a operação, não ouvi falar na base de Hermancono. Não está muito longe de Cumbamori. No meu livro dos Roncos de Farim eu falo na 1° operação a Cumbamori em dezembro de 1967. (...)
(...) Durante toda a comissão nunca ouvi falar em tal base, apesar de ter ido lá. (...)
(...) As fotos do poste P24110 são de 1973, de certo os gajos deambulavam entre Cumbamori e Hermancono, esta designação não é guineense. (...)
2. Pesquisando no nosso blogue, descobri que o toponónimo, Hermancono (*), já sido citado mais do que uma vez: pelo historiador guineense, e nosso amigo, Leopoldo Amado (1960-2019), e pelo A. Marques Lopes, que reproduz o Subintrep nº 32, de junho de 1971. Aqui vão alguns excertos:
(...) Com efeito, Cabral procurou a partir de 1971, estabelecer estruturas sociais de partido-Estado em Tigili/Iador/Sara/Zona Oeste (Biambi), Catió e Quintafine, enquanto que, por outro, se preocupava com as ameaças às áreas libertadas, traduzindo-se tal situação na polarização da sua actividade em torno da estrada Mansabá-Farim, na sua reacção ao reordenamento de Bissássema e na intenção de instalar forças no Unal, visando libertar corredores de infiltração que favorecessem os ataques aos centros urbanos.
Nesta desconcentração, o CE 199/A regressou à área de Campada, enquanto o 199/B foi ocupar e reactivar a base de Hermancono, que voltou a constituir área fulcral na fronteira norte, praticamente abandonada desde Fevereiro de 1971, aquando da sua transferência para Canjeno.
O IN utiliza para movimentar as suas viaturas de reabastecimento às bases desta Frente a chamada “Estrada Grande”, isto é, a estrada que, a partir de Koundara, segue por Linnkiring – Velingará – Dabo – Kolda – Bantankoutou – Sonco – Sare Tening – Tanaf – Ierã – Samine – Ziguinchor. É pois a partir deste itinerário principal que saem ramificações que conduzem às diferentes bases. Assim,
- Para Faquina: Kolda – Bantankoutou – Sonco – Lenquerim – Faquina
As viaturas vão apenas até Bantankoutou. Os reabastecimentos a partir daqui são transportados por carregadores que em Lenquerim cambam a bolanha de canoa para passarem à base de Faquina.
- Para Sinchã Djassi (Hermancono): Kolda – Sare Tening – Hermacono
- Para a base de Cumbamori: Kolda – Tanaf – Ierã – Mankolecunda – Cumbamori
- Para Dungal: Kolda – Tanaf – Dungal
- Para Sano: Kolda – Samine – Sano
- Para Sikoum Bafatá: Kolda – Tanaf – Samine – Goudomp – Sekoum
O material e víveres vindos da República da. Guiné (Koundara) passa, como vimos, em Dinnkiring e Kolda, locais onde é feito pelas autoridades da República do Senegal controle das viaturas e material transportado; a partir de Kolda o material é usualmente acompanhado por pessoal do Exército Senegalês, embora em escolta à distância.
No terminal da “Estrada Grande” encontra-se Zinguinchor, sede do comando da Inter-Região Norte, mas que no quadro da logística do PAIGC não parece desempanhar papel relevante dado que, segundo os elementos disponiveis, apenas apoiará os grupos sediados em M’Pack e Kassou.
O reabastecimento das Frentes do interior da Inter-Região Norte é feito por colunas de carregadores através dos “corredores” tradicionais de infiltração e suas variantes, sendo sempre feitos em movimentos vindos do interior, razão pela qual se descrevem estes “corredores” no sentido inverso àquele em que, até aqui, se tem descrito p fluxo dos reabastecimentos.
Estão detectados os seguintes:
- “Corredor” de Sitató, com início em Faquina
- “Corredor” de Sambuiá, com início em Cumbamori
- “Corredor” de Lamel, com início em Sinchã Djassi [ / Hermancono]
- “Corredor” de Sano, com início em Sano [pelo lado Este, entre Barro e Bigene - A.Marques Lopes]
- “Corredor” de Canja, com início em Pirgui [pelo lado Oeste, entre Barro e Sedengal - A. Marques Lopes]
(*) Vd. poste de 1 de março de 2023 > Guiné 61/74 - P24110: Memórias cruzadas: onde ficava a base (logística e operacional), do PAIGC, de Hermacono? Segundo informação recolhida por Cherno Baldé, junto de um antigo guerrilheiro, ficava na linha de fronteira com o Senegal, no vértice de um triângulo que tinha como base as tabancas (abandonadas) de Farincó e Fambantã, a oeste da estrada Farim-Jumbembem
Em Novembro de 1969, estava o meu 4º Pelotão destacado no K3 e a minha CCaç 2548 foi fazer nomadização para a fronteira norte Sitató/Cuntima onde tivemos o 1º morto a 28 de Novembro.
Palmilhamos todo o subsector de Farim enquanto ali permanecemos. A partir de Janeiro/69 até ao nosso regresso palmilhamos todo o nosso subsctor de Jumbembem que ia da picada Farim - Jumbembem - Cuntima até ao Senegal.
Fui diversas vezes emboscar para Farincó Mandiga, Fanbamtã, Sare Soriã que fica a oeste de Jumbembem.
Muitas vezes para Sare Mancamã, Saman que fica a norte e fomos fazer operações para a fronteira para os Marcos 109 e 110, Sare Sofi, onde tivemos contactos com IN, bem como fomos lá 2 ou 3 vezes buscar população.
Palmilhamos em picagens, patrulhas Jumbembem/Lamel; Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari; Jumbembem/Norobanta, e em todos estes percursos levantámos muitas minas e tivémos azar com 2 camaradas, um ficou sem o pé no percurso Jumbembem/Sare Tenem / Canjambari e outro já a chegar ao termo da picagem Jumbembem/Norobanta.
Das operações à fronteira aos marcos, saímos de Jumbembem via Sare Mancamã, Samã e regressávamos via Galgega e apanhávamos as viaturas em Norabanta de regreeso a Jumbembem.
Tivémos contactos Fanbamtâ e Sare Soriâ bem como ao longo das picadas, principalmente Jumbembem/Lamel.
Nunca ouvi falar em Hermacono / Hermangono, mas perguntei aos meus amigos de Jumbembem que me disseram que existe no Senegal próximo da fronteira uma tabanca com esse nome, que não aparece nos mapas.
Como disse fomos a Lambã duas vezes e não ouvi falar dessa tabanca. Para mim, Lambã ficou-me na memória porque da 2ª vez que lá fomos o meu camarada Furriel Enfermeiro já falecido, quando da retirada perdeu a pistola na bolanha e andamos a pisar o terreno até encontrá-la. (...)
Colunas e picagens desde 1970 até regressarmos, fazia-se colunas diárias para abastecimentos alimentares, transporte de cibes e materiais para a construção das tabancas.
De Jumbembem saíam 3 pelotões para picagens para sul, Lamel/Farim; para norte Norobanta/Cuntima e para este Sare Tenem / Canjambari.
Para além desta actividade das picagens, patrulhas, operações etc, ainda tivemos a tarefa de construir um aldeamento completo, demolição das tabancas velhas e construção de tabancas novas. (...)
(**) Vd. poste de 6 de março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II
10 comentários:
Entre Março de 1973 e Abril de 1974 a base de Sinchã Djassi / Hermancono estava ativa, como documentam as fotos do dr.Roel Coutinho. Ele chama-lhe Hermangono.
Ver os comentários do Carlos Silva, de 4 do corrente, ao poste P24110.
Caros amigos,
No mapa (carta da provincia) de 1961 que estava disponivel no Blogue nao aparecem os toponimos nem de Ermancono/Hermanco nem de Sincha Djassi.
Estou em crer que seriam codigos estabelecidos pelos guerrilheiros por razoes de segurança. O Sector foi de dominio mandinga mas largamente habitado por fulas desde o inicio do século XX.
Se "Sincha" é um termo fula para designar uma localidade (de natureza provisoria) ja o "Djassi" é um apelido biafada o que quereria dizer "tabanca de Djassi". Nao sendo um chao biafada, a combinaçao dos dois termos aqui é simplesmente estranho e nao parece provir da lingua fula nem mandinga, logo nao deve ter uma origem local, endogena. Nao aparece nos mapas da Guiné-Bissau e provavelmente nem nos doutro lado (Senegal). Um caso que nos remete para a alcunha de "Caco Baldé", ja que o nome clandestino adoptado por Amilcar era Abel Djassi.
Podemos encarar da mesma forma o caso do primeiro termo "Ermancono/Hermancono" que ainda nao conseguimos realmente localizar nem identificar ou decifrar o seu significado, real ou imaginario. Pelo que o enigma a volta desse nome e famosa base do Paigc ainda continua.
Com um abraço amigo,
Cherno Baldé
Olá Carlos Silva!
Fizeste uma brilhante descrição daquilo que foi actividade operacional da malta do nosso sector.
Também já tinha pensado que a denominada base ou barraca Hermacono fosse no Senegal.
Apesar de ter comigo a história do Batalhão 2879 e ter lido o teor do panfleto recolhido em 03 de Março de 1970, não me lembrava do mesmo.
A tua sagacidade de homem do Direito, acabou por fazer luz nossas dúvidas.
Ainda bem.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
Pois é, Eduardo, estivetes adido ao mesmo batalhão do Carlos. Ab. Luis
Caros amigos,
Enquanto a gente tenta localizar o local preciso onde estaria localizada a base logística de Hermancono, navegando na NET encontrei um facto muito interessante sobre a origem e significado do termo.
Heremakono, termo ou nome original que vem do grande grupo etnolinguístico mandinga, um dos maiores da região ocidental do continente, designa uma localidade ou área habitacional e, pasmem-se, significa "esperando a felicidade" -Here=felicidade/makono=esperando- (ler Herêmakonó) topónimo muito frequente e que se pode encontrar em vários países da região que contam com a presença deste grupo: Mali, Guiné-Conacri, Costa do Marfim, Serra-Leoa entre outros. Mas, no nosso caso, tudo indica que teria sido adoptado pelos elementos da guerrilha filiados no PAIGC que, na verdade, eram das mais diversas origens e credos.
Assim, Heremakono ou Hermancono (a corruptela guineense) seria uma espécie de estação de passagem simbolicamente bem pensada e geográficamente bem situada, enquanto esperavam a felicidade suprema da libertação da sua Guiné-Bissau, onde jorraria leite e mel para a eternidade.
Afinal, os homens do Paigc, para além de bons guerrilheiros, também eram poetas e grandes sonhadores.
Boa noite,
Cherno Baldé
Em 2002 um cineasta mauritaniano, Adheramane Sissako realizou um filme centrado no irrestível sonho e vontade dos jovens africanos para a emigração e deu-lhe o sugestivo nome de Heremakono. E qualquer pesquisa na NET será a primeira informação a aparecer.
Cherno AB
Eureca!... Cherno, a tua intuição, a tua cultura, a tua santa paciência e sobretudo os teus conhecimentos etno-linguísticos são um "valor acrescentado" para o nosso blogue...
Estou inclinado também a seguir o teu raciocínio... Numa pesquisa na Net também encontrei o topónimo Heremakono, em vários países cujos territórios fizeram parte do antigo Império do Mali... Mas o melhor é citar-te, porque tu é que és o nosso mestre:
(...) Heremakono, termo ou nome original que vem do grande grupo etnolinguístico mandinga, um dos maiores da região ocidental do continente, designa uma localidade ou área habitacional e, pasmem-se, significa "esperando a felicidade" -Here = felicidade / makono=esperando- (ler Herêmakonó)...
...topónimo muito frequente e que se pode encontrar em vários países da região que contam com a presença deste grupo: Mali, Guiné-Conacri, Costa do Marfim, Serra-Leoa entre outros .
...Mas, no nosso caso, tudo indica que teria sido adoptado pelos elementos da guerrilha filiados no PAIGC que, na verdade, eram das mais diversas origens e credos.
Assim, Heremakono ou Hermancono (a corruptela guineense) seria uma espécie de estação de passagem simbolicamente bem pensada e geograficamente bem situada, enquanto esperavam a felicidade suprema da libertação da sua Guiné-Bissau, onde jorraria leite e mel para a eternidade.
Teria sido algum "djidiu" que se lembrou de "rebatizar" Sinchã Jassi" (leia-se Sintchã Djassi) com o nome Hermancono ou Hermacono ?
Não há dúvida, Cherno, a guerra também se faz com o "simbólico", a força (imaterial) das ideias, das crenças, da poesia, das palavras, da ideologia, e não só com a força (material) das armas... Nisso, o Amílcar Cabral foi mestre...num terreno onde os os seus rivais (a FLING) e os seus adversários (os Governos de Salazar e Caetano) falharam...
Aqui está uma entrada na Wikipedia (em inglês) sobre o filme do realizador mauritano, Adheramane Sissako, "Waiting for Happiness" (título original: Heremakono) (em francês: "Em attendant le bonheur"; em português: "À esprea da felicidade") (*)
(...) Waiting for Happiness (original title: Heremakono; Arabic: في انتظار السعادة, romanized: fīl-intiẓār as-saʿāda) is a 2002 Mauritanian drama film written and directed by Abderrahmane Sissako.
Main characters are a student, who has returned to his home in Nouadhibou, an electrician and his child apprentice, and the local women. The film is characterized by a succession of scenes of the daily life of the characters which are unique to their particular African and Arab cultures, while borrowing from tropes of Tayeb Saleh's Season of Migration to the North (موسم الهجرة إلى الشمال).
The viewer must interpret the scenes without much help from narrator or plot, while the structure of the film hangs on a series of mundane but visually arresting moments, many of which are repeated in other works in Abderrahmane Sissako's opus, including scenes at a barber shop and a photo booth, also present in his earlier La Vie Sur Terre and later Timbuktu.
The film presents typical Mauritanian moments of beauty, struggle, alienation, and humor, which are experienced by groups socially divided from each other, such as Bidhan women drinking tea and gossiping, West African migrants passing through Mauritania to get to Europe (and finding an unsuccessful comrade washed ashore). The young protagonist who has returned interacts with all of these groups as an outsider, as he struggles to remember even his own Hassaniya Arabic dialect, but prefers instead French.
Many of the themes and characters presage Sissako's 2014 film Timbuktu, and both explore liminal Sahel identities authentically situated in everyday life. Waiting for Happiness premiered at the 2002 Cannes Film Festival in the Un Certain Regard section.(...)
https://en.wikipedia.org/wiki/Waiting_for_Happiness
Sobre o realizador, ver também aqui uma entrada na Wikipedia (em português):
https://pt.wikipedia.org/wiki/Abderrahmane_Sissako
(*) Vd. https://mag.sapo.pt/cinema/filmes/a-espera-da-felicidade
(...) Heremakono
2002 • DOCUMENTÁRIO • 95M • M/12 • FR
O filme acompanha o dia-a-dia de Nouhadhibou (Mauritânia), cidade portuária, marcado pelo trânsito de emigrantes para a Europa, onde todos espera encontrar "a sua felicidade". Vencedor do FESPACO 2003
Realização
Abderrahmane Sissako (...)
Caro Luís,
De salientar que o apelido do realizador mauritano "Sissako" é o mesmo que em outros países, nomeadamente Mali (o grande centro difusor da cultura e de expansão populacional), a Rep. Guiné e a nossa GBissau é Sissoco ou Sissokó.
Ainda, na época colonial havia quem respondesse por Sisseco
ou Sisseko, como o caso do ex-Alf. do Batalhão de Comandos ( primeira companhia?).
Família de "Djidius" e artistas de longa tradição africana que se espalharam por toda a região Oeste do Oeste e hoje na diáspora.
O vocábulo "makonó", muito utilizado no folclore local, não era muito estranho aos meus ouvidos, grande consumidor, desde a infância, da chamada hoje música Afro-mandinga, mas a corruptela guineense "Hermancono" fazia muito ruído sensorial que impedia a sua compreensão imediata.
Cherno AB
Forte abraço,
Cherno Baldé
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