Queridos amigos,
Ir visitar a Academia Militar e não conhecer a Bemposta, o palácio da rainha viúva D. Catarina de Bragança, a Biblioteca da Academia e a Capela Real dedicada à Nossa Senhora da Conceição, é como ir a Roma e não ver o Papa. Aqui se descreve muito abreviadamente que a Bemposta conheceu modificações de tomo desde o falecimento de D. Catarina em 1705, encerra um monumento nacional, é sede da Academia Militar, quem entra pela Gomes Freire terá que ficar assarapantado com aquela massa de edifícios agora sem préstimo, e depois passa a outro espaço, já estamos na Bemposta e numa entrada com largo átrio com impressionante azulejaria de Jorge Colaço, subindo a escadaria é um momento de emoção com a permanente evocação dos alunos da Escola que morreram em combate, em diferentes conflitos, tocante homenagem, estão ali alguns dos nossos camaradas tombados na Guiné; e mudamos de espaço, estamos na área do comando da Academia, outrora os aposentos e os salões da rainha viúva, novo itinerário até ficarmos embasbacados com uma biblioteca, seguramente uma das mais preciosas de Portugal, um espaço onde magnificamente se expõem livros de diferentes séculos e se guardam verdadeiros tesouros; e, por fim, a Capela Real, mesmo vendo-se à vista desarmada que há para ali uns danos, uns repasses que vão exigir a competente cirurgia estética, é um templo soberbo que gera no visitante a sensação, depois das obras dos finais do século XVIII de que não há nada de mais impressionante em cenografia na pintura de uma casa de Deus como neste Paço da Bemposta.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (93):
Regresso à Academia Militar, ao Palácio da Bemposta (2)
Mário Beja Santos
Na companhia do organizador da visita, o nosso emérito confrade, Coronel Morais da Silva, vamos visitar a Biblioteca da Academia Militar e a Capela Real do Paço da Bemposta. Acolhimento esfusiante, juntou-se o diretor do Museu Militar, as bibliotecárias multiplicam-se em comentários, escrevinhei tudo num caderno, não sei exatamente o que aconteceu, acredito que meti o bloco de notas numa sacola, vinha cheia de papelada, entrei esbaforido num autocarro no Campo dos Mártires da Pátria, sei que quando cheguei a casa o caderno tinha desaparecido. Felizmente que no site da Academia Militar se dá uma excelente nota introdutória a esta preciosidade, não me esquivo a dizer que está entre as mais belas bibliotecas que conheço.
Tem cerca de 40 mil títulos, correspondendo a cerca de 200 mil volumes, espalha-se por dois polos diferenciados, a Bemposta, onde se encontra a maior parte do acervo documental histórico, e o da Amadora, onde são disponibilizadas as publicações mais recentes e direcionadas a apoiar os alunos.
Esta belíssima construção constituiu-se inicialmente de um fundo de obras que pertencia à Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, fundada em 1790, no reinado de D. Maria I. Já Escola do Exército, é atribuída à Biblioteca, em 1839, um avultado número de obras provenientes dos depósitos das livrarias conventuais e outras. Até 1894, a Biblioteca esteve alojada em quatro pequenos compartimentos e um sótão. Nessa altura, sob a direção do coronel Vasconcelos Porto, procedeu-se a uma intervenção monumental, e assim se chegou a este espaço dotado de magnificência, possuidor de uma galeria à volta, quem delineou a obra tinha um elevado sentido de equilíbrio e harmonia, para já não falar da impressão de magnificência que oferece ao visitante. E tudo bem cuidado, apraz dizer. A Biblioteca guarda alguns tesouros bibliográficos, do século XVI ao XIX, como é o caso da obra de 1514 – Ars Arithmetica, de Juan Guijarro Silíceo. Impossível que estas imagens não tentem o leitor a uma visita.
Ficam aqui alguns pormenores de tão requintado espaço, prossegue a visita espiolhando os espaços interiores que antecedem uma importante exposição didática sobre a Academia, afinal há muitas estantes que não são visíveis à vista desarmada, móveis imponentes e seguramente que o recheio não fica atrás, aqui fica uma amostra.
Para que o leitor ainda fique mais acicatado à visita, as amáveis bibliotecárias deixaram fotografar obras raríssimas, do tal acervo que se estende do século XVI até ao século XIX, é só para ver, ou em casos de estudo, de folhear com a mão enluvada.
Da muito esclarecedora exposição permanente, olhei para este objeto como boi para palácio e nem o facto da legenda dizer tratar-se de um sextante foi suficiente para eu ficar de boca aberta, assim que vi, até me arrepiei, o sextante foi inventado pelo glorioso Almirante Gago Coutinho, dentro da minha santa ignorância tomei o objeto como uma mina, imagine-se, perdoem-me os bem dotados de conhecimentos da navegação aérea.
Mudamos agora de edifício, por ali vai o coronel Morais da Silva a abrir caminho, vamos ser recebidos na Capela Real da Bemposta, quem vê fachadas como esta não pode imaginar que no interior está um tesouro nacional.
Entra-se na capela e a pintura de Giuseppe Trono atrai instantaneamente o visitante, isto independentemente de todos os cromatismos faiscarem e um tanto desnortearem quem por ali anda. Então os tetos, o da Capela do Santíssimo Sacramento, alusivo à transfiguração de Cristo no Monte Tabor, ou a pintura do teto da capela-mor representando Nossa Senhora da Conceição, rainha de Portugal. Alguém tem o cuidado de explicar ao visitante que este espaço sacro, a capela privada, tem dois momentos distintos, antes e depois do terramoto de 1755. Já li que afinal de contas os danos do terramoto não foram tão assustadores como alguns pintam, mas na verdade, nesta capela há dois gostos, sente-se perfeitamente o que era arte da Contrarreforma e numa segunda fase o Barroco e o Rococó, com a sua componente muito mais sensitiva, com pormenores altamente decorativos. D. Catarina fora educada de modo austero e quando regressou a Portugal aceitou viver num espaço marcadamente sóbrio, onde não faltava boa azulejaria, tapeçaria e mobiliário, a própria capela tinha um gosto severo que os senhores da Casa do Infantado alteraram profundamente. A Capela Real foi dedicada a Nossa Senhora da Conceição. Começando pela fachada principal, sofreu alterações para lhe dar sumptuosidade e todo o seu interior ganhou uma certa presença cenográfica.
É uma igreja-salão, com uma única nave, mais alta e larga que a capela-mor. A única capela lateral, que podemos designar por autónoma, é a Capela do Santíssimo Sacramento, esta é uma riqueza, a sua pintura é dedicada à história do livro bíblico do Êxodo, é no teto que está representada a transfiguração de Cristo no Monte Tabor. Apraz lembrar ao visitante que silhares de azulejaria nos corredores e dependências merecem a atenção, não é por puro acaso que somos a maior potência mundial em azulejaria.
As pinturas da capela têm merecido a atenção dos investigadores e recentemente duas peritas italianas desenvolveram um estudo sobre a pintura de Giuseppe Trono, na Capela Real. Coube-lhes demonstrar que o autor da pintura do altar-mor, onde se pode ver a família real, que durante bastante tempo foi atribuído a Thomas Hickey foi, na verdade, obra de trono, a pintura que goza inequivocamente de originalidade, é um verdadeiros programa político-religioso, em baixo à direita temos a família real, à esquerda imagens de gente assistida e com destaque a virgem contemplando o Santíssimo Coração de Jesus, cujo culto estava bastante desenvolvido entre nós a partir dos finais do século XVII. Quanto à Nossa Senhora da Conceição, não nos esqueçamos que a coroa régia lhe foi doada. Também estas duas investigadoras assinalar o cruzamento estético e de artes plásticas entre a Basílica da Estrela e a campanha de obras que se concentrou nos anos de 1980 do século XVII, daí sentirmos na pintura a presença de Pedro Alexandrino, que trabalhou nos tetos da capela-mor, na nave e na Capela do Santíssimo Sacramento.
É um órgão de nos cortar o fôlego, impecavelmente mantido, não me importava de vir aqui ouvir um concerto com esta envolvente de tão extraordinária pintura.
Imagem da Capela do Santíssimo Sacramento
A renovação artístico-arquitetónica da Capela da Bemposta concluiu-se em 1793, por isso, à saída e no final desta inesquecível viagem, encontramos, como se pode ver na última imagem, uma tarjeta comemorativa, e traduzindo o latim pode ler-se: “Ao Supremo Condutor das coisas e à Virgem Mãe concebida sem mácula de origem, este templo construído com belíssimo trabalho de arte, para sempre, doce monumento de religião consagrou João, Príncipe do Brasil, da gente lusitana esperança e desejo para a salvação. 1793”.E aqui me despeço da Academia Militar, plenamente convicto que a qualquer hora aqui regressarei com imenso entusiasmo. ____________
Notas do editor
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