Queridos amigos,
Começou a viagem pela rua Gomes Freire, ao gosto de conhecer o espaço do que foi a Academia Militar foi-se inculcando aquela medonha sensação que toda aquela estrutura onde se formaram oficiais, onde viveram os cadetes, tiveram aulas, fizeram ginástica, usufruíram de espaços de convívio, é território em quase abandono, sem préstimo, fica-nos a impressão de que estão ali milhões e milhões de valor que podiam servir para concentrar serviços da instituição, andamos a falar em economia circular, combate aos resíduos e desperdícios e temos ali aquele imenso gigante num quase abandono, agonizante. Impunha-se conhecer a outra parte e o nosso confrade, o Coronel António Morais da Silva ajudou a escancarar as portas, visitou-se a Bemposta a preceito, ali morreu a rainha em 1705, tem impressionante histórico porque foi pertença da Casa do Infantado, instalação de general napoleónico, residência de D. João VI, por aqui passou a Corte de D. Pedro IV, a Biblioteca é uma construção fulgurante, majestosa, sábia em aproveitamentos vários, e a harmonia da Capela Real deixa-nos sem fôlego. Como aqui se contará.
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (92):
Regresso à Academia Militar, ao Palácio da Bemposta (1)
Mário Beja Santos
Por aqui já se andou, entrada pela Gomes Freire, para conhecer a Academia Militar, como ela foi e praticamente deixou de o ser. Tem longo historial: foi Escola do Exército entre 1837 e 1910, Escola de Guerra entre 1911 e 1919, Escola Militar entre 1919 e 1920, manteve o mesmo nome de 1920 a 1938, ano em que passou a Escola do Exército até 1959, e nesse ano nascia a Academia Militar. Visita com constrangimento, na companhia de um ilustre confrade do nosso blogue, o coronel António Morais da Silva, vou fazendo perguntas quanto aos edifícios e ao seu abandono visível, não entendo como todo aquele equipamento pode estar no mais completo abandono, independentemente de haver manutenção, visitou-se o que era possível visitar, e acordou-se em nova itinerância, a Bemposta, ultima residência da rainha viúva de Inglaterra, Catarina de Bragança, ao que parece a filha dileta de D. João IV, levou como dote uma fortuna, tinha que ser assim, precisávamos como pão para a boca de um aliado poderoso que fizesse frente à hostil Espanha, o tratado de paz ainda vinha longe quando Catarina partiu para Londres e se supunha dar continuação à dinastia dos Stuart, o que não aconteceu. Anos depois de viúva, foi decidido regressar, tomou a decisão de comprar o terreno (tão extenso, que mais tarde se separou aquela enorme parcela que é hoje o Hospital de D. Estefânia), tem hoje os seus limites atuais entre as ruas Gomes Freire, D. Estefânia, Jacinta Marto e Escola do Exército, a fachada principal do edifício do paço está virada para um largo, o Paço da Rainha. D. Catarina regressara a Lisboa em 1693, andou por vários palácios até que em 1699 adquiriu uma propriedade para ali construir a sua residência definitiva e pessoal. Mal sabia que depois da sua morte esta residência iria passar para a Casa do Infantado, D. João V concedeu-a ao seu irmão, o Infante D. Francisco; sofreu enormes estragos com o terramoto de 1 de novembro de 1755, fez-se a reconstrução; foi poiso de tropas napoleónicas, aqui se instalou o quarte general do general Delaborde, virá a ser palco de acontecimentos marcantes da história do liberalismo em Portugal, residência de D. João VI, aqui se instalou a Corte de D. Pedro IV; e em 1850, D. Maria II promulga um decreto que destinava o palácio à instalação da Escola do Exército, instituição fundada em 1837 pelo Marquês de Sá da Bandeira, general Bernardo de Sá Nogueira Figueiredo.
O rol de alterações, obviamente, é de uma extensão que deixa o visitante atabalhoado, quem por ali andar às cegas terá dificuldade (senão impossibilidade, de detetar no interior as marcas do início do século XVIII). Por fora é outra coisa, basta ver as sucessivas gravuras de diferentes épocas, manteve-se o sóbrio da fachada, apostou-se no que há de mais magnificente na escadaria e na fachada principal que leva à Capela Real. Há estudos sobre a residência régia, a riqueza dos materiais, os têxteis e os belíssimos azulejos. Na primeira visita mirei e fotografei o admirável conjunto que Jorge Colaço concebeu para a entrada do que é hoje a Academia Militar. Nesta visita à Bemposta, bem me deliciei com o património azulejar do espaço por onde a rainha teve aposentos e salões de receção.
A Academia Militar editou livro sobre D. Catarina de Bragança e o Paço em 2005, por ele me procurei guiar.
Capela e Paço Real da Bemposta, 1910, fotografia de Joshua Benoliel
Carlos II de Inglaterra e Catarina de Bragança na Old Somerset House - Escola Inglesa (séc. XVII)
Azulejaria na Sala do Conselho, tendo ao fundo imagens de alunos que foram Presidentes da República
Como se pode ficar indiferente a tão alta qualidade azulejar? Mas há mais, numa divisão contígua à Sala do Conselho (construção já da Academia) há um silhar de azulejos azul e branco que corre à volta de toda a divisão; na Sala do Conselho, são painéis com albarradas datados de finais do século XVII e inícios do século XVIII.O citado livro fala de um vasto conjunto de alterações, havia um tanque de mármore no jardim que hoje se encontra em S. Pedro de Alcântara. A instalação da Escola do Exército exigiu uma nova disposição interna dos espaços como se escreve no citado livro: “O corpo principal do conjunto da Bemposta ficou destinado para a instalação dos serviços administrativos e logísticos daquela instituição, de espaços dignos para a receção das visitas oficiais, bem como de outros espaços indispensáveis ao apoio na formação dos alunos, a exemplo do que aconteceu na Biblioteca. Com o passar dos tempos, foi também possível proceder à constituição de um pequeno núcleo museológico de modo a preservar as memórias da Escola.”
É neste sentido que vale a pena deambular por esses espaços, outrora áulicos, agora com a dignidade necessária para acolher quem visita o gabinete reservado ao oficial general que comanda a casa, foi por ali que eu andei a bisbilhotar.
Está feita a visita, o senhor general teve a deferência de oferecer café a quem lhe bateu à porta, ainda há muito para ver, talvez o mais espetacular, a Biblioteca e a Capela Real, é o percurso a seguir.
(continua)
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Nota do editor
Último poste da série de 25 DE FEVEREIRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24097: Os nossos seres, saberes e lazeres (557): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (91): A Coragem da Gota de Água é que Ousa Cair no Deserto (Mário Beja Santos)
5 comentários:
Olá Camarada
Bem gostava de saber que é o autor dos azulejos da fotos 1 a 5 e, bem assim do tecto oval.
No Palácio Almeida Araújo (Palmela) junto ao RAA 1 em Queluz (residência oficial do CEME) existe algo de muito parecido. Quando o estudei não consegui determinar o(s) autor(es).
Quando o Zé Ramalho saiu de CEME foi publicado "O Palacete do Camarista-Real" que descreve este palacete. Ou Direcção de História e Cultura Militar ou as Relações Públicas do EME deve ter um exemplar que te possa dispensar, pois que o livro não se vende.
Os autores, além de mim é um Cor Eng.ª Berger, um Maj. Eng.ª Arqtº (na altura) e uma alferes historiadora de arte voluntária de nome Sílvia.
Poderei enviar a identificação mais completa do livro.
Um Ab.
António J. P. Costa
Interessante
Teria eu uns vinte anos (1965) quando o Conde Almeida Araújo (o último?) me convidou e a outro colega, para almoçar com ele no Palácio, em Queluz. Foi bacalhau com todos junto de uma piscina.
Este Almeida Araújo era nosso colega vendedor de automóveis americanos (Dodge, Plymouth) eu tratava do processamento das comissões e o outro colega dos relatórios de vendas.
O Palácio Almeida Araújo, em Queluz, conhecido como Palácio Pombal, teve vários donos, desde o 2º. Marquês de Pombal, o Conde Almeida Araújo (avô do meu conhecido), aos Duques de Palmela e em 1978 ao Exército CEME.
Não tenho a certeza mas julgo que os tectos são de autoria do pintor Manuel da Costa, autor de outros tectos de palacetes conhecidos.
Saúde da boa
OK Camarada
Por mim vou procura o tal Manuel da Costa.
A piscina é um lago muito engraçado, mas falta-lhe a "Boneca" por onde a água saía.
Segundo soube pelo vizinho Albano que morava na "Vivenda Maria" foi dada pelo Almeida Araújo (filho(?)) a um amigo.
Bom domingo
António J. P. Costa
To Zé e Mário: não sou perito em azulejo mas adoro e acho o nosso uma arte maior... Esse azulejo majóliça, pintado a rosa, deve ser do período regência rococó, circa 1760/70... Nessa época não eram assinados, só um século mais tarde se começava a valorizar a autoria... Nessa época os ceramistas copiavam desenhos ou gravuras de autor, de franceses, que estavam na moda... Ab, Luis
Olá Camarada
Ainda tens que ver a "Estação Chronographica" que tem as coordenadas geográficas em relação ao Castelo de S. Jorge impressas numa lápide de mármore. Se conseguires entrar até podes ver as pinturas a fresco...
Um Ab.
António J. P. Costa
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