quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P14010: (In)citações (72): "Vem ver o que custou a liberdade", um colóquio/debate "A resistência na guerra colonial", levado a efeito no passado dia 6 de Dezembro em Á-dos-Loucos (Hélder Sousa)

1. Mensagem do nosso camarada Hélder Sousa (ex-Fur Mil de TRMS TSF, Piche e Bissau, 1970/72), com data de 8 de Dezembro de 2014:

Caros amigos Editores

Em anexo envio um texto, em jeito de reportagem, que fiz sobre um evento a que assisti e participei no passado sábado. Foi interessante, na medida em que foi possível falar de aspectos menos comuns da nossa participação nos 'teatros de operações'.

No caso em questão falou-se essencialmente das experiências do pessoal da CCav 2721, já que os elementos convidados a relatar as suas impressões sobre como foi possível 'resistir' ao pensamento dominante eram dessa Unidade.

Abraços
Hélder Sousa




Caros camaradas

O que hoje trago à vossa consideração é sobre um aspecto pouco abordado aqui no Blogue mas que, no entanto, se bem observado, acaba por ter muitos pontos de contacto com as diferentes realidades que muitos de nós vivemos.

Trata-se de se tentar perceber como evoluíram as consciências, melhor dizendo, como foi evoluindo a consciencialização de cada um relativamente à realidade que foi encontrar e vivenciar nos 'teatros de guerra' e como isso acabou também por não só mudar as suas atitudes individuais como igualmente influenciou colectivamente a nossa sociedade de então. Uma e outra gota de água vão-se juntando a outras, formando riachos, ribeiros, rios e chegando ao mar!

Sobre esta temática foi levado a cabo no passado sábado dia 6 de Dezembro em À-dos-Loucos, próximo de Alhandra, um "Colóquio/Debate" com o sugestivo título de "Vem saber o que custou a Liberdade" que ocorreu nas instalações da União Desportiva e Columbófila de À-dos-Loucos, impulsionado pela URAP (União dos Resistentes Anti-fascistas Portugueses) e integrando as comemorações dos 40 anos do 25 de Abril.

Para o efeito foi dado conhecimento da experiência e seus testemunhos que vários elementos da CCav 2721 puderam facultar.


Mesa da Presidência: da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco


Um aspecto da assistência


Conforme o programa, intervieram o antigo Comandante dessa CCav 2721, Major Mário Tomé, o 2.º Comandante Alferes Paulo Salgado [, membro da nossa Tabanca Grande], o Furriel Mário Branco e o Furriel Bento Luís, que foi o impulsionador e organizador do evento. José Manuel Graça, hoje Coronel reformado e então Comandante do Terceiro Grupo de Combate, foi impedido de comparecer a contas com uma arreliadora dor (ciática?). (Em anexo segue foto da mesa do Colóquio, em que da esquerda para a direita temos o Presidente da Junta da União de Freguesias, Mário Tomé, Bento Luís, Paulo Salgado e Mário Branco).

Das diferentes intervenções e testemunhos ressaltou aquilo que já se sabia, em larga medida. Que a maioria dos militares tinha pouco ou nenhum conhecimento da realidade que foram encontrar. Alguns rapidamente se aperceberam de como Portugal não era tão 'pluricontinental e plurirracial' como lhes diziam. Também rapidamente se questionaram sobre o que afinal (não) se tinha feito em 500 anos de possessão daquele território e daquelas gentes, em que nem sequer a língua era comum.

Do meu ponto de vista, o mais importante do que foi dito foi que se as posturas dos graduados foram importantes para as ‘tomadas de consciência’ das militares, na medida em que potenciaram e promoveram várias práticas que a isso ajudaram, como por exemplo a feitura de um Jornal a que deram o nome de “Tabanca” com textos que suscitaram o interesse dos soldados, com a realização de reuniões de tipo ‘plenário’ onde se discutiam todo o tipo de assuntos e que chegaram a incluir leitura de poesia, a verdade é que a ‘tomada de consciência’ foi sempre um acto individual e tanto mais consistente quanto mais profunda e própria foi essa evolução.

A assistência, que se revelou interessada e interveniente, rondando as três dezenas, colocou várias questões e procurando perceber se a ‘resistência’ que se acabava por produzir em pleno teatro de guerra se era ‘passiva’ ou ‘activa’.

Foram esclarecidos que não há que iludir, estava-se em actos de guerra, era necessário defender a pele e isso implicava disparar. Fazê-lo por gosto ou ‘convicção patriótica’ era outra coisa. Mário Tomé revelou que embora pontualmente questionasse uma ou outra situação antes dessa comissão na Guiné.  foi de facto lá, no Olossato, que ‘chocou com a realidade’ e que percebeu a necessidade de ‘contribuir para a mudança’, ‘resistindo’ à ordem vigente. Paulo Salgado e Bento Luís também deixaram os seus testemunhos, os seus percursos de vida e de como a vivência e convivência com aqueles homens da CCav 2721 também foi importante para as suas vidas.

À questão de se saber o que foi ou não ‘activo’ ou ‘passivo’ foi dada resposta essencialmente pela intervenção do ex-1.º Cabo Moura Marques (também presente) esclarecendo que tudo o que contrariava a ‘normalidade’ institucional era ‘resistência’ e, no seu entendimento, bem ‘activa’. Até a simples denominação do seu grupo de combate como “Os filhos da puta” revelava o estado de espírito que grassava entre os soldados.

Foi recordado também que num determinado momento em que houve um surto de cólera nos países vizinhos e se procedeu a uma campanha de vacinação massiva, a militares e população, a rádio tinha um slogan destinado a fazer passar uma mensagem de confiança e tranquilidade dizendo, “Mantenham a calma que ainda não há cólera na Guiné”, o qual foi rapidamente transformado em “Mantenham a cólera que ainda não há calma na Guiné”, representando isso uma atitude muito mais de desafio à ordem do que uma simples gracinha!

Em jeito de conclusão posso dizer que foi bem entendido que mesmo em condições muito adversas é possível desenvolver-se espírito crítico e estender essa atitude a muito mais pessoas. Daí a perceber-se que no momento actual é necessário e urgente insistir na atitude de resistência ao que nos atropela no presente e compromete o futuro, foi uma conclusão natural.

Gostei muito de ‘ver ao vivo’ o nosso ‘tabanqueiro’ Paulo Salgado que veio de perto do Porto para ver os seus antigos “amigos, companheiros e camaradas”, conforme explicou, acompanhado pela nossa também ‘tabanqueira’ Maria da Conceição. Momentos bem passados e de grande elevação.

Abraços
Hélder Sousa

PS - Fui convidado particularmente para este Colóquio porque sou amigo desde o primeiro dia da EICVFXira do Bento Luís.

Quando a CCav 2721 deixou o Olossato e veio para ‘descansar’ para Nhacra (foi tal o descanso que ainda não estavam a sair das viaturas que os transportaram e já estavam a ser alvo de ataque), fui lá visitá-lo duas ou três vezes, de moto, indo de Bissau com outro Furriel, o Fernando Roque, que igualmente foi convidado pelo Bento a estar presente no Colóquio.
____________

Nota do editor

Último poste da série de 30 de outubro de 2014 > Guiné 63/74 - P13822: (In)citações (71): Djarama (obrigado) a este "santástico" blogue por nos proporcionar um espaço de diálogo e de (re)encontro entre o passado, o presente e o futuro (Djuli Sal, neto do Cherno Rachide Djaló)

3 comentários:

Anónimo disse...

Transcrevo do post:
"Mário Tomé revelou que embora pontualmente questionasse uma ou outra situação antes dessa comissão na Guiné. foi de facto lá, no Olossato, que ‘chocou com a realidade’ e que percebeu a necessidade de ‘contribuir para a mudança’, ‘resistindo’ à ordem vigente"
Na comissão seguinte, em Moçambique,a "vontade de resistir" é certificada por Kaulza de Arriaga em Fev2007 (extracto da entrevista em http://descartes36.blogspot.pt/2007/02/kaulza-o-ltimo-centurio.html):
«(...) Conheci um (capitão de Abril)... o Mário Tomé foi meu ajudante de campo... A mulher dele... formada em Direito, era mais inteligente do que ele, de modo que lhe deve ter dado a volta. Ele era muito rígido, chamavam-lhe "o capitão nazi", mas foi sempre lealíssimo e um óptimo oficial.»

Bastos

José Botelho Colaço disse...

Caro Hélder gostei de ler a tua mensagem que não tive conhecimento antes
sobre, o que ou quanto custou a liberdade.
Nesse mesmo dia aproveitei para visitar um dos eventos que a comissão cultural de Marinha promove que quanto a mim é um dia bem passado e que nos dá a conhecer como foi parte do passado histórico da marinha.
A seguir segue mensagem do site.
Um abraço
Colaço.

Bom dia!


Serve este e-mail para esclarecer as dúvidas relativamente ao próximo Itinerário Cultural (IC) a realizar dia 06DEC pelas 10h00.

Este IC contempla a visita à Fragata “D. Fernando II e Glória”, ao Palácio Real do Alfeite e ao Museu do Fuzileiro, na Escola de Fuzileiros em Vale de Zebro.

O ponto de encontro é Fragata “D. Fernando II e Glória”, em Cacilhas, pelas 09h50 (VER FICHEIRO ANEXO).

Seguidamente os visitantes serão conduzidos (via transporte da Marinha) para ao Palácio Real do Alfeite e, posteriormente, para o Museu do Fuzileiro regressando ao local de partida inicial, ficando encerrada a visita, pelas 14h30/15h00.

Este itinerário será conduzido pelo Capitão-de-mar-e-guerra Fuzileiro Rocha e Abreu.

Para este IC, e este apenas, existe um custo relativo ao almoço na messe da Escola de Fuzileiros em Vale de Zebro (10€ por pessoa).



Relativamente ao transporte de || para Cacilhas está a cargo dos participantes (aconselha-se uso de transportes públicos || Cacilheiro || Horário em: http://www.transtejo.pt/pt/horarios_tarifarios/horarios_detail.aspx )





Aproveito para sublinhar que se quiserem podem tirar fotografias durante a visita e se entenderem, podem remeter as mesmas para este e-mail.

As mesmas serão seleccionadas e publicadas no nosso facebook, depois de devidamente identificadas.


Uma boa visita!!!





Qualquer questão disponham.


Com os meus melhores cumprimentos,


cid:image002.jpg@01CF9D24.BFB81710

J. Gabriel Sacôto M. Fernandes (Ex ALF. MIL. Guiné 64/66) disse...

"foi de facto lá, no Olossato, que choquei com a realidade e que percebi a necessidade de ‘contribuir para a mudança’, ‘resistindo’ à ordem vigente".
Afirmou Mário Tomé que, conheci algures entre 1964 e 1966 em Bissau, que, na sua qualidade de Alferes da polícia militar, passeava na Avenida principal de Bissau há noite, de bota alta e de pingalim na mão. Não há consciência revolucionária e anti Imperialista que resista...