segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

Guiné 63/74 - P13991: Memórias de Gabú (José Saúde) (47): Vidas


O nosso Camarada José Saúde, ex-Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523 (Nova Lamego, Gabu) - 1973/74, enviou-nos mais uma mensagem desta sua fabulosa série.


As minhas memórias de Gabu

O Mundo é pequeno e as nossas recordações gigantescas

Vidas

Não obstante a velocidade estonteante que contempla um desgastar imutável de vidas que vão paulatinamente marcando gerações, eis-nos perante uma realidade que consome nacos de uma existência humana que marcará eternamente a nossa presença neste cosmos terrestre.

Assumindo a minha condição de exímio sexagenário, sou, de quando em vez, embalado ao colo, da minha saudosa mãe admito, por um sentimento nostálgico onde as luzes da ribalta transcende o hino das emoções e me conduzem, quiçá inadvertidamente, a vidas sentidas dos tempos de tropa.

Tempos em que nós, miúdos e de caras joviais, dávamos um pontapé nas estrelas, sendo que nesse exorcismo irreal deixávamos um sinal claro que o nosso futuro passava irremediavelmente pelo dia da chamada do futuro mancebo para engrossar as fileiras do exército lusitano.

Porém, uma certeza invadia as nossas almas: a guerra no Ultramar. Ou seja, um cenário gigantesco que ditava como encenação provável uma comissão militar em território de além-mar. Mas, existiam também nuances que acarretavam preocupações acrescidas a rapazes que viviam anos de uma efervescente juvenilidade. O futuro, sempre imensurável, sugeria um sonho que nos fazia sorrir. A guerra era coisa distante. Parecia.

Todavia, escondido no nosso ego lá permanecia uma faixa negra onde se lia: segue em via rápida uma encomenda que transporta “carne para canhão”. Ainda assim, a utopia transmitia um similar de odores onde esperança falava mais alto. “Vou à guerra mas regressarei um dia são e salvo ao meu rincão sagrado. Não quero medalhas mas exijo apenas um simples reconhecimento pelos momentos de padecimento. Ponto final”.

E muitos regressaram isentos de malazengas contraídas nos campos de batalha. Outros, infelizmente, chegaram tendo à sua espera uma secção de militares do quartel mais próximo que honrava o defunto com uma rajada de G3. Depois seguia-se o discurso que embelezava o fúnebre momento, frisando o oficial de dia o heroísmo do camarada agora já cadáver. Bolas, que púdica linguagem!

A tropa apresentou-se, creio certamente, para todos nós como uma universidade da vida na qual recolhemos informações que nos levaria a efetivos doutores de uma licenciatura concluída num mar de aventuras e que coabitava com o desenrolar das nossas vidas. A tropa foi, e afirmo obstinadamente, uma inquestionável experiência que muito nos ensinou.

Lembro o dia 10 de outubro de 1972 quando dei entrada como mancebo no CISME, em Tavira. Depois veio Lamego, Operações Especiais/Ranger. O dia 4 de janeiro de 1973 traçou-me um novo destino. Abençoado pela Serra das Meadas, a bíblia dos futuros rangeres, tornei-me um exemplar militar e adquiri louros para uma especialidade que me fez crescer na sua plenitude. Seguiu-se a Guiné e Gabu recebeu-me com “pompa e circunstância”.

Recordo o dia que ousei desafiar calendas escondidas e obrigatoriamente parti para uma comissão militar na Guiné. Num outro lado de África esperava-me o solo guineense. Constatei de imediato que o bafo causado pela aquela terra vermelha me aconselhava cuidados atempados.

Cuidados que, posteriormente, disparavam em todas as direções. O dia-a-dia em Gabu evidenciava novas aventuras. Aventuras que coincidiam com patrulhamentos, com proteções às colunas, quartel e pista de aviação, com visitas permanentes a tabancas, com operações, com saídas constantes para o adensado mato, enfim, um rol de procedimentos comuns imputados a um operacional em tempo de guerra. 

Lembro, também, outros momentos em que o clima de África contemplava as nossas vidas. O paludismo, que me visitou por três vezes, derrubou-me mas levantou-me. Foi uma espécie de ataque de morteiro sem recuo onde a versão primária levou o debilitado combatente a exercitar a sua já usada condição de ranger. Não houve feridos com gravidade, ficando, contudo, a experiência acumulada.

E é neste permanente propagandear de vidas preenchidas em território da Guiné, que me ocorrem situações em que o facilitar permitia o desenvolvimento de momentos caóticos. Alguns fatídicos.

Jovens militares que acreditam na sorte. Vidas que, inconscientemente, se perderam. Tão-só porque não premeditavam no futuro imediato. Facilitavam. Depois vinha a desgraça.

Para uma reflexão aos camaradas sobre as nossas vidas como antigos combatentes na Guiné, fica este meu pequeno texto para avivar memórias do nosso tempo de tropa.

A preparação de um futuro ranger 
Como ranger "encartado" 
Numa coluna que transportava gente nativa, material de guerra e alimentos

Um abraço, camaradas 
José Saúde
Fur Mil Op Esp/RANGER da CCS do BART 6523

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Nota de M.R.: 

Vd. último poste desta série em: 

4 DE DEZEMBRO DE 2014 > Guiné 63/74 - P13972: Memórias de Gabú (José Saúde) (46): A minha máquina fotográfica Olympus. Obrigado pelas tuas imagens

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