domingo, 8 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25920: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte IX: Por um "processo de justiça indígena" (em que foi queixoso contra o seu "serviçal", o biafada de Ganturé, Braima Cassamá), sabe-se que já era comerciante na praça de Bolama, desde pelo menos 1926

 

A assinatura de Manuel de Pinho Brandão, nota de dívida: "Bolama, 31 de março de 1934: A Direção dos Negócios Indígenas | Deve | Um alqueire de arroz casca | 12$00. Manoel de Pinho Brandão, Caixa Postal 26, Bolama".






Capa de um auto, de 49 folhas: "1926 | Governo da Província da Guiné | Curadoria dos Serviçais e Colonos Indígenas | Auto nº 11 | Queixoso: Manuel Brandão, comerciante desta praça | Bacar Cassama, serviçal | Escrivão:  João Marques de Barros.



Portal Casa Comum | Fundação Mário Soares | Instituição: Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, Bissau | Pasta: 10418.080 | Título: Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas, auto n.º 11 | Assunto: Processo de justiça indígena tendo como queixoso Manuel Brandão, comerciante em Bolama, e por arguido Bacar Cassamá, empregado de balcão ao seu serviço. Manuel Brandão acusa Bacar Cassamá de não cumprir adequadamente o serviço e de "fazer a corte a uma sua companheira" (Joana Lopes), além de furto de artigos da loja. | Data: 1926 | Fundo: C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas  | Tipo Documental: Documentos.

Citação:
(1926), "Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas, auto n.º 11", Fundação Mário Soares / C1.6 - Secretaria dos Negócios Indígenas, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=10418.080 (2024-9-7)



Queixa apresentada ao Curador Geral por Manuel Brandão,em papel timbrado da firma Brandáo & Correia (Importação0 direta, comércio geral, com sede em Bolama, endereço telegráfico "Branco", caixa postal nº 41)


"Bolama, 2 de novembro de 1916 | Ilmo. Sr. Curador Geral | Junto a esta um contrato de um rapaz que tive de mandar embora porque já estava abusando demais, fazendo o serviço de má vontade, mostrando má cara aos fregueses, e ultimamente até se deu ao (?) de fazer a  corte a um minha companheira, pelo exposto agradeço a V. Excia. mandar rescindir o mesmo contrato | Com muita estima, etc. (... ) | Manuel Brandão."



Serviço da República | Curadoria Geral dos Serviçais e Colonos Indígenas | Bilhete de Identidade: Bacar Cassamá, do sexo masculino, solteiro, de 25 anos de idade, filho de Solemane Cassama, e de Cadi Dabó, pertencente ao regulado de Cacine, povoação de Ganturé (de que é régulo Solemane Cassama), contrato nº 13, com duração de 1 ano, e salário de 200$00 mensais (sem alimentação), serviço de balcão, a prestar em Bolama... Data do contrato: 6 de março de 1926.

(No verso pode ver-se a impressão digital e os "sinais característicos": 1,70 de altura; cabelo: carapinha; olhos e sobreolhos: pretos; nariz: achatado; cor: bronzeada; boca e lábios: regulares; sinais particulares: nenhuns | Patrão: Manuel Brandão; residência: Bolama)


1. Depois de ouvidos em auto de declarações, o Braima Cassamá (arguido),  o Manuel Brandão (queixoso), a Joana Júlia Lopes (companheira do queixoso, e testemunha indicada pelo arguido) e ainda outras duas ou três testemunhas, foram dadas como provadas as queixas contra o "serviçal" Braima Cassamá, puníveis nos termos do Regulamento do Trabalho dos Indígenas (sic). 

O arguido foi condenado a 8 dias de trabalhos correcionais, por sentença de 6 de dezembro de 1926. Cumpriu de imediato a pena, na administração do concelho,    sendo posto em liberdade em 14 desse mês. Era administrador do concelho de Bolama, o tenente do exército colonial Alberto Soares. O processo foi concluído e arquivado em 24 desse mês e ano. 


Um "salvo-conduto" foi passado em 13/12/1926 ao biafada Bacar Cassamá, com as seguintes observações: "Esteve como serviçal em casa do sr. Manuel Brandão. Foi condenado com trabalho correcional por 8 dias por faltas cometidas ao serviço".


Manuel de Pinho Brandão,
quando chegou à Guiné,
talvez depois da I Grande
Guerra (*)


2. Toda esta documentação (49 folhas) mereceria uma análise mais pormenorizada e atenta para se perceber melhor como era a administração do direito laboral colonial, ainda antes do Ato Colonial de 1930 (revogado em 1961).  

Lembre-se que já tinha ocorrido, em Lisboa, o golpe de Estado de 28 de maio de 1926, que levou ao fim da I República, com a instauração da Ditadura Militar   (1926-1932) e depois o Estado Novo (1932-1974).

Desconhecíamos a existência, no tempo da República,   já no final (1926), desta Curadoria dos Serviçais e Colonos Indígenas que, em 1928, já se chamava Direção dos Serviços e  Negócios Indígenas.

Nesta Curadoria eram apresentadas queixas, tanto de patrões como de empregados: uns por por falta de pagamento dos salários, outros por abusos dos "serviçais"... Era uma espécie de tribunal administrativo...

Para já, importa-nos, nesta série, mostrar que o arouquense Manuel de Pinho Brandão já vivia em Bolama, em 1926,  e estava lá instalado como comerciante. E, mais importante, não era analfabeto, devia ter pelo menos a 4ª classe da instrução primária: escrevia razoavelmente bem, sem grandes erros, e tinha uma assinatura  estilizada. 

Não devia ser uma pessoa "pacífica": também era capaz de pegar num cacete para dar porrada num dos seus "moços"... 

Em 1926 era solteiro, tendo uma companheira, de nome Joana Júlia Lopes (cuja assinatura, tosca,  no auto de declarações indicia de ser de alguém semi-analfabeto). 

Por essa altura o Manuel Brandão ou Manuel de Pinho Brandão  teria já 33 ou 34 anos de idade, e 7 ou 8 anos de Guiné (*).

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

__________________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 3 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25907: Manuel de Pinho Brandão: entre o mito e a realidade - Parte VIII: Nascido por volta de 1893, terá chegado à Guiné depois da I Grande Guerra, tendo-se instalado em Bolama, nos Bijagós e, mais tarde, em Ganjola: em 1960 produzia duas mil toneladas de arroz (Recorte de jornal, enviado pelo Manuel Barros Castro, que o conheceu pessoalmente, e que foi fur mil enf, CCAÇ 414, Catió, 1963/645, e Cabo Verde, 1964/65)

9 comentários:

Anónimo disse...

Em boa verdade, a colonização da Guiné (se é que a houve) nunca poderia ter sido feita por Brandos ...mas por Brandões .

Anónimo disse...

Assina: LG

Anónimo disse...

Nesta altura, 1926v, ele teria pelo menos 2 sociedades, Brandão & Correia e Figueiredo & Brandão, além de uma empresa só em seu nome, Manoel de Pinho Brandão. Tudo ligado ao comércio... Só mais tarde se tornaria agricultor... LG

António J. P. Costa disse...

É bom consultar documentos domo este que explicam a vida da Guiné e o relacionamento entre brancos e africanos. Como este "processo" devem existir muitos mais e cada um confirmará as bases que estiveram no início da guerra. Um Ab. António J. P. Costa

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Infelizmente muitas desta documentação da nossa administração colonial, entregue ao INEP por nós (e imprescindível para se estudar e conhecer o passado) foi destruída, com a guerra civil de 1998/88...Fellizmente que a Fundação Mário ajudaou o INEP a recuperar e salvaguardar io que restou.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

No Portal Casa Comum | Fundação Mártio Soares pode aceder-se ao espólio do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) - Guiné-Bissau, ao que restou da "barbárie" de 1998/99: 5905 documentos... (Uma tragédia para a memória coletiva de um povo|)

Os documentos distribuem pelos seguintes fundos:

A7-Fundo Gabinete do Governador 149
Administração Civil de Cacheu 220
C1.6 - Sec. Neg. Indígenas 3052
Fotografias INEP 51
Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa 2405
Publicações 28


Tabanca Grande Luís Graça disse...

Há quem, por má fé, ressentimento, preconceito ideológico, ignorância, estupidez, antiportuguesismo, etc... arrase a Fundação Mário Soares!... Tenho o maior apreço e gratidão pelos seus técnicos que têm sabido restituir-nos espólios de gente dos mais diversos quadrantes político-ideológicos, (embora maioritariamente "à esquerda"), com os quais podemos conhecer melhor o nosso passado de portuguese e dos povos com quem estivemos em contato (da Guiné-Bissau a Timor)... Como dizem os historiadores, o que é lixo para uns, são "pérolas" para outros...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Tó Zé, ninguém na Academia Militar te contou a história dos Brandões, dos Camachos, dos Rendeiros, dos Teixeira, dos Correias, dos Saad... Só te contaram a hiostória dos nossos maiores, os Gamas, os Cabrais, os Vice-Reis da Índia,!...

Em Mafra, em Tavira, em Santarém, em Lamego..., também ninguém nos contou a história desta "raia miúda" (que também não pode ser diabolizada, nem escrita a preto e branco, porque foi "zé povinho" como nós...). Mas também por eles morreram, estupidamente, inutilmente, gratuitamente, mais de 3 mil camaradas nossos (em combate, por doença, por acidente), fora os gravemente feridos, os doentes para o resto da vida,. etc....

Why, my God?! Porquê, meu Deus?!...(Vai daqui, de Candoz, um pa...lada para o meu coronel artilheiro antiaéreo António José Pereira da Costa!)

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Casa Comum | Fundação Mário Soares

Arquivos > Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) > Guiné-Bissau

Nota biográfica/Institucional

Criado pelo governo da Guiné-Bissau, através do Decreto n.º 31/84, de 10 de novembro, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa (INEP) tem como principal missão promover a investigação nos domínios das Ciências Sociais e Naturais.

A história do Instituto pode ser divida em dois grandes períodos. O primeiro período, que vai da data da sua criação, em 1984, até à segunda metade da década de 1990, mais concretamente até 1998, ano em que se abateu sobre a Guiné-Bissau, e a cidade de Bissau em particular, um conflito militar que causou inúmeras perdas humanas e a destruição de um número avultado de infraestruturas, e o segundo, que começa com o conflito militar de 1998 à data presente. O primeiro período foi caracterizado por um desenvolvimento institucional ascendente tendo sido marcado por grandes realizações nos mais variados domínios da intervenção do Instituto (desde as publicações, a organização de colóquios, seminários e conferências).

Durante o conflito militar de 1998 as instalações do INEP foram ocupadas e transformadas numa base militar no decurso de cerca de um ano que durou a guerra. Durante esse período de ocupação das suas instalações o Instituto não só foi alvo de bombardeamentos, mas também de danos provocados pelos próprios elementos do contingente militar em presença. O balanço da ocupação foi muito pesado. Além do desaparecimento da totalidade dos seus equipamentos, mais de 60% dos acervos documentais da única Biblioteca e Arquivo Histórico dignos desse nome no país foram afectados total ou parcialmente.

Assim, o período a partir de 1999 pode ser caracterizado como o de reconstrução e relançamento das atividades do Instituto, dividida em duas vertentes: uma, de reconstrução das infraestruturas e outra, de relançamentos das próprias atividades de investigação e divulgação dos seus resultados.

Parte integrante do INEP são os Arquivos Históricos Nacionais (da República da Guiné Bissau), cujas atribuições, definidas por decreto em 1989, englobam ser de sua responsabilidade "toda a documentação produzida durante o período colonial".

Estão à guarda dos AHN todos os fundos relativos não só ao governo central da província e suas instituições (incluindo as diferentes repartições, bem como instituições diversas - Tribunais, Hospital, Correios e Telégrafos, Portos, etc.), mas igualmente das diferentes regiões do território (circunscrições civis, postos administrativos).

Estado de Tratamento: Integralmente tratado

(Negritos nossos: LG)