quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23674: Historiografia da presença portuguesa em África (337): Viagem por alguns títulos da Coleção Pelo Império, da Agência Geral das Colónias (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Janeiro de 2022:

Queridos amigos,
A coleção Pelo Império teve vida afortunada nas décadas de 1930 e 1940, são escassas as referências a acontecimentos guineenses, dedica-se uma monografia a Honório Pereira Barreto, há uma referência à obra de Senna Barcelos e temos depois algumas expedições militares, que aqui se transcrevem. Pode ser que no desenvolvimento desta pesquisa ainda surja mais alguma surpresa. Estava mergulhado nesta leitura quando retirei de um cartapácio dedicado ao Boletim Geral das Colónias algumas apreciações do antigo Governador Leite de Magalhães, que em 1931 foi retirado da Guiné numa revolta republicana de que aqui já se fez larga referência. O artigo em causa foi publicado em julho de 1932, é um pouco mais do que uma mera curiosidade.

Um abraço do
Mário



Viagem por alguns títulos da Coleção Pelo Império, da Agência Geral das Colónias

Mário Beja Santos

Nas décadas de 1930 e 1940, a Agência Geral das Colónias publicou um número impressionante de monografias referentes a figuras distintas da colonização, operações de ocupação e pacificação, e até investigadores e políticos marcantes ligados à criação do Império Africano.

O número 118, publicado em 1947, é dedicado a Cristiano José de Senna Barcelos, figura da Armada de grande distinção, no blogue já se fez larga referência aos seus "Subsídios para a História de Cabo Verde e da Guiné". É autor do texto o Tenente-Coronel Joaquim Duarte Silva. Vejamos um resumo que pode levar o leitor a interessar-se pelas investigações de Senna Barcelos, do maior relevo para o conhecimento da Guiné. Este oficial da Armada começou por escrever em 1892 um Roteiro do Arquipélago de Cabo Verde, um trabalho de caráter técnico, evidenciou aqui as qualidades de meticuloso investigador. Era natural da ilha Brava, sua terra natal. Em janeiro de 1899 foi nomeado para proceder, com a máxima economia, a estudos geográficos e hidrográficos no Arquipélago de Cabo Verde, auferindo apenas os seus vencimentos como se tivesse embarcado em qualquer dos navios em serviço no arquipélago.

Indiscutivelmente a sua obra capital são os "Subsídios para História de Guiné e Cabo Verde". A Academia Real das Ciências de Lisboa tomou a seu cargo a publicação do trabalho. Estes subsídios compõem sete partes, vão de desde 1470 a 1889. Escreve o autor Senna Barcelos se distingue pelo desassombro das suas opiniões, não gostava de louvaminhar e nunca escondeu o martírio do povo cabo-verdiano. Era um martírio que inspirava comentários acerbos, verdadeiros gritos de revolta. Senna Barcelos criticou profundamente as medidas tomadas por D. Manuel I como as de autorizar a execução de brancos e de pretos cristãos que se mostrassem rebeldes em sair da Guiné, bem como também criticou a penas brutais aplicadas aos lançados da Guiné, apesar de eles muitas vezes serem traidores à Pátria, colocando-se ao serviço de estrangeiros como pilotos e práticos nos rios e portos da Guiné – aplicava-se-lhes a pena de morte em caso de reincidência. Como Comandante da Canhoneira Rio Ave, tomou parte em operações militares e foi condecorado com a Cruz de Cavaleiro da Ordem da Torre e Espada.

Do número 55 desta coleção, com o título Glórias e Martírios da Colónia Portuguesa, tendo como autor o General Ferreira Martins, vejamos as referências à Guiné, com destaque para a campanha de 1908. Em dezembro do ano anterior chegaram à colonia o Capitão Ilídio Nazaré e o Tenente D. José de Serpa Pimentel, respetivamente Chefe e Subchefe do Estado-Maior da futura expedição. Nazaré foi encarregado do comando de um destacamento incumbido de proteger o restabelecimento das comunicações telegráficas que os Biafadas tinham cortado na região de Quínara, estavam revoltados no início de 1908. Em 19 de março desse ano desembarcava a expedição de Macuas destinada a castigar o régulo Infali Soncó. O Governador Oliveira Muzanty conduzia as operações. Juntou-se uma companhia da Marinha, uma companhia mista da Infantaria (deportados europeus e atiradores indígenas), em 1 de abril foram transportados para o Xime, ponto de concentração. Do Xime seguiram para Bambadinca, daqui para Canturé, aqui se travou o primeiro combate, houve resistência, mas a povoação foi assaltada e incendiada. Mais adiante destrui-se a tabanca de Madina, último reduto do régulo, a 9 era hasteada a bandeira portuguesa no Cuor. Chegou, entretanto, uma companhia de Macuas, forneceram-lhe armas, ficaram acantonados em Carenquecunda.

A expedição militar volta-se agora contra os Papéis insubmissos, a artilharia bombardeou Intim, Badim e Antula, os aguerridos Papéis atacaram a coluna, mas as povoações caíram, tivemos baixas. Deu-se combate muito duro no alto do Intim, foi o último ataque dos Papéis e Balantas, a campanha de 1908 terminou em 11 de maio.

Segue-se a referência à campanha do Oio de 1913, liderada pelo Capitão Teixeira Pinto. Ele contou com a ajuda de Vasco Calvet de Magalhães, Administrador da Circunscrição de Bafatá, e da Abdul Injai, andou disfarçado de comerciante para reconhecer a área, na direção Mansoa-Farim. Descreve-se os ataques gizados por Teixeira Pinto, ele conta com um pelotão de Infantaria, duas peças de artilharia e centenas de auxiliares, está apoiada por duas lanchas-canhoneiras, encontra resistências, mas vai marchando a coluna para Morés, há recontro, destroem-se tabancas, distingue-se pelo seu heroísmo e bravura Abdul Injai. Em 7 de junho de 1913 a bandeira portuguesa foi hasteada em Mansabá.

O autor dedica um capítulo aos mártires da Guiné, 1914, refere abundantemente a resistência encontrada para ocupação ao longo do século XIX, assassínio de governadores, a chacina de Jefunco, em 1878, da força comandada pelo Tenente Calisto dos Santos, todos massacrados e muito mais. Escreve o autor: “Ao findar o século, pode dizer-se que as únicas regiões onde era reconhecida a nossa autoridade eram as ocupadas pelos povos Mandigas e Fulas, à exceção do Oio, onde, em 1897, uma pequena coluna comandada pelo Tenente Graça Falcão foi trucidada, escapando milagrosamente este oficial, mas não tendo a mesma feliz sorte o Tenente António Caetano e o Alferes Luís António. Seguiram-se, no primeiro decénio do século atual, as campanhas, menos infelizes, empreendidas de 1901 a 1909 pelos Governadores Júdice Biker e Muzanty”.

E descreve os trágicos acontecimentos de 5 de fevereiro de 1914, saiu de Mansoa um pelotão de Cavalaria comandado pelo Alferes Manuel Augusto Pedro, com a missão de reconhecer o local onde conviria lançar uma ponte. Segundo a narrativa de um sobrevivente, a coluna foi atacada pelo gentil de Braia, a massa atacante empurrou o pelotão do Alferes Pedro para junto do rio. Aqui foi morto a tiro, os outros tentaram salvar-se caminhando para o lodo onde foram trucidados à catanada, entretanto subia a maré, não foi possível tirar o cadáver do alferes do lodo nem dos restantes soldados do pelotão, veio uma força auxiliar, mas era tarde.

Aqui se põe fim aos apontamentos tirados da Coleção Pelo Império, vamos separadamente fazer referência a um curioso documento assinado pelo antigo Governador Leite de Magalhães e publicado no Boletim Geral das Colónias, em 1932.


José Henriques de Mello
Pelotão da Companhia Mista. Fotografia de José Henriques de Mello
No Xime, durante a campanha do Cuor, 1908. Fotografia de José Henriques de Mello
No Xime, manufatura do rancho de Infantaria, 1908. Fotografia de José Henriques de Mello
____________

Notas do editor:

- Fotos editadas por CV

Último poste da série de 28 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23650: Historiografia da presença portuguesa em África (336): Imagem do nosso Império Africano num atlas inglês de 1865 (Mário Beja Santos)

Sem comentários: