sexta-feira, 16 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25847: Notas de leitura (1718): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1870 a 1872) (16) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Às vezes, dentro do formalismo burocrático do que se escreve no Boletim Official afloram informações que nos esclarecem de que no distrito da Guiné há muito mais informações do que legislação, tarifas aduaneiras, nomeações e até acordos de paz. As informações sanitárias são cada vez mais pertinentes e detalhadas; temos agora o ato da posse de Bolama, a chamada Questão de Bolama chegou ao seu termo; o efeito da guerra europeia em 1870 (guerra franco-prussiana) teve inevitavelmente impact negativo no comércio guineense; sublinha-se que na zona do Churo o respetivo povo não deseja a paz, haverá também consequências com nova sublevação; e há representantes diplomáticos que revelam solidariedade pelas autoridades portuguesas, é o caso do agente consular francês Ovídio Urbain.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, de 1870 a 1872) (16)


Mário Beja Santos

A preocupação dominante das autoridades a partir da cidade da Praia é a fiscalização e o controlo da saúde pública, e assim vamos recebendo informações sobre o estado sanitário da Guiné como ocorre no Boletim Oficial nº42, de 15 de outubro de 1870:
“As moléstias reinantes neste distrito têm sido as endémicas na estação das águas, tanto nas colónias francesas como nas inglesas vizinhas deste distrito, não me consta que reine padecimento algum epidémico contagioso.
Choveu diariamente no mês de agosto findo, mais nas primeiras duas décadas e menos na última: geralmente as chuvas caíram mais de noite do que de dia. O vento não foi constante, soprou de todos os quadrantes, e todos deram chuvas, os dos quadrantes do sueste e sudoeste começavam por aguaceiros pesados precedidos de vento rijo. A atmosfera conservou-se mais húmida; o termómetro centígrado subiu por vezes até 31ºC. As chuvas têm abatido algumas casas a paredes de adobe e de taipa. O tecto do hospital acha-se especado (?) por terem estalado algumas peças do seu madeiramento com o peso da água das chuvas, de igual sorte têm partilhado algumas casas nesta vila. Os pântanos que se formaram no chão do gentio em roda desta vila lá estão; porém, o fosso que circunda a fortaleza já não conserva água estagnada. Febres intermitentes de todos os tipos, reumatismo, sífilis, alguns catarros pulmonares e quatro casos de cólicas secas, foram as doenças de que mais casos se deram.”
Assina o Chefe do Serviço de Saúde, José Fernandes da Silva Leão.

O Boletim Official n.º 43, de 22 de outubro, insere o auto de posse de Bolama na Guiné Portuguesa, procede-se à leitura da sentença arbitral do presidente Ulysses Grant, já aqui se reproduziram elementos essenciais do texto, mas vale a pena adicionar que o árbitro releva que nenhuma das partes deseja reclamar qualquer documento, na posse exclusiva da outra parte e nenhuma delas deseja ter advogado ou agente com relação a qualquer dos assuntos submetidos a arbitragem: “E tendo sido nomeado por árbitro uma pessoa expressamente designada para tal fim nos termos do sobredito protocolo, a qual cuidadosamente examinou cada uma das referidas exposições, manuscritas ou impressas, apresentadas ao árbitro e os documentos aduzidos a favor das mesmas…”

O Boletim Official n.º 44, de 29 de outubro, noticia que é prorrogado até ao fim do ano de 1871 o prazo marcado para serem declarados portos francos para o comércio de todas as nações os portos de Bissau e Cacheu na Guiné Portuguesa. E finda o ano com o Boletim n.º 52, de 24 de dezembro, com notícias da Guiné: “Em 7 de dezembro era pouco lisonjeiro o estado sanitário, e ótimo o alimentício; e o comércio achava-se quase paralisado, não só por causa das circunstâncias da atual quadra do ano mas também em consequência dos acontecimentos bélicos na Europa (presume-se que o autor se refere à guerra franco-prussiana), que bastante têm influído no movimento comercial deste distrito. Conserva-se sem alteração a ordem pública, achando-se ainda, contudo, a praça de Cacheu em estado de assédio, não obstante o gentio haver já pedido a paz que ainda está dependente da ida do Governador da Guiné àquele ponto, o que até então não havia podido realizar-se.”

Importa informar o leitor que há grandes lacunas nos volumes que estou a consultar na Biblioteca da Sociedade de Geografia, é o caso do ano de 1871, praticamente em falta, encontra-se uma referência no Boletim n.º 50, de 16 de dezembro, a nomeação do governador do distrito da Guiné-Portuguesa, trata-se do Capitão do Exército da África Ocidental António José Cabral Vieira, tendo sido exonerado o Capitão Joaquim Alberto Marques, que exercia interinamente a função.

Estamos agora no ano de 1872, no Boletim n.º 3, de 20 de janeiro, consta a portaria n.º 154, que reza o seguinte: “O Governador Geral de Cabo Verde dá conta da pacificação das tribos vizinhas de Cacheu e remete cópia da convenção feita no dia 15 de setembro último com os gentios da Matta, Bucau, Berny, Bassarel, Bianga, Cacanda, Bijapé, Capou e Caboiana, ficando abolidas as baixas contribuições que os navios mercantes pagavam a alguns régulos daquelas tribos e espera-se que brevemente haja inteira harmonia da tribo do Churo.”

No Boletim n.º 6, de 10 de fevereiro, temos um extrato de notícias da Guiné Portuguesa:
“Informa o novo Governador, o Capitão António José Cabral Vieira, que é bom o estado sanitário em todo o distrito, e que é abundante o alimentício em Bissau e Bolama. Que, segundo as últimas notícias, a tribo de Churo ficara de ir à Praça de Cacheu para fazer a paz e que o ex-governador, por ocasião da sua retirada para Bissau, deixara ali uma comissão encarregada de tratar daquele negócio. O rendimento da Alfândega de Cacheu no trimestre findo em dezembro havia sido de réis 622$189; o da de Bissau, nos meses de novembro e dezembro, de réis 5:585$244; e o de Alfândega de Bolama no mês de dezembro de 2:456$086 réis. Neste mesmo número vem inserido o Boletim Sanitário do mês de dezembro de 1871, refere o movimento da população na freguesia de Nossa Senhora da Candelária de Bissau dizendo que houve 12 batismos, quatro masculinos e oito femininos e 12 óbitos, sendo dez de indivíduos do sexo masculino".

No Boletim n.º 7, de 17 de fevereiro, consta a Portaria n.º 35, cujo texto é bem curioso:
“Tendo chegado ao conhecimento deste Governo Geral os valiosos serviços prestados ao Governo da Guiné Portuguesa por Ovídio Urbain, agente consular de França em Bissau, já pondo à disposição daquele Governo, gratuitamente, as suas embarcações para transporte de pessoas e coisas para os diversos pontos do distrito, já oferecendo-se a emprestar quaisquer quantias de que o Governo da Guiné precisasse para as suas despesas extraordinárias: o Governador Geral há por conveniente louvar e agradecer ao referido Ovídio Urbain a continuação dos seus bons serviços prestados ao Governo daquele distrito.”
Acontecimento histórico que se relata neste Boletim Official n.º 43, de 22 de outubro de 1870, a posse de Bolama por Portugal, estão presentes o Governador Geral, Caetano de Almeida e Albuquerque, representante britânico, J. Craig Loggie, secretariou o auto da posse o Segundo-Tenente da Armada Guilherme Augusto de Brito Capelo
Planta da Praça de Bissau, por Bernardino António d’Andrade, 1796

(continua)

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Notas do editor

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