quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Guiné 61/74 - P25841: Historiografia da presença portuguesa em África (436): Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Uma verdadeira surpresa, este artigo escrito por um comerciante francês instalado na Guiné, vaticinando, em abril de 1914, que a colónia portuguesa está na rampa de lançamento, tem a prosperidade ao seu alcance; é um artigo de comerciante para investidores, está magnificamente ilustrado, peço a atenção do leitor para um tornado no porto de Bissau, o que era o cais de Bissau, jamais tinha visto uma imagem de Bissau tirada do mar com esta precisão, estima a população guineense em 800 mil habitantes, não descura as referências aos serviços marítimos e outras comunicações, o que se importa e exporta, ficamos a saber que o comércio está praticamente em mãos internacionais, que a única entidade bancária é o Banco Nacional Ultramarino, elogia as tarifas aduaneiras, informa os interessados sobre a evolução comercial e os dados económicos entre 1903 e 1912. Por pura curiosidade, irei adiante referir o que fui apanhando nos relatórios da delegação do BNU em Bolama no período do fim da guerra, as coisas já não se passavam exatamente assim.

Um abraço do
Mário



Um comerciante francês, Georges Courrent faz um estudo da Guiné em 1914 (1)

Mário Beja Santos

Mão amiga na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa pôs-me na frente a revista La Dépêche Coloniale, com data de 15 de abril de 1914, a reputada publicação traz um estudo sobre a Guiné Portuguesa. Não escondo a satisfação de ver imagens que desconhecia totalmente e conhecer a opinião de um negociante que conheceu com alguma profundidade a colónia. Vale a pena aqui fazer uma síntese, só lastimo é não se poder tirar partido das esplêndidas imagens que o autor captou, logo na primeira página o cruzador português D. Luís, a imagem de uma família mandinga e caçadores que apanharam duas gazelas.

O autor situa a Guiné, refere os seus rios (dizendo que os principais são o Geba, o Farim e o Grande, e os secundários o Corubal e o Cacine, o que não é verdade); refere que a diocese depende de Cabo Verde, tal como a Justiça é exercida por um tribunal dependente de Lisboa; falando do Exército, o contingente militar era constituído por quatro companhias de infantaria indígena e duas secções de artilharia. Os produtos de exportação eram a borracha, a cera, o coconote, o amendoim, a cola e os couros; falando da geografia, alude à parte continental e a parte insular; as povoações principais ao tempo eram Bolama, Bissau, Cacheu, Farim, Buba, Geba e Bafatá, e estima a população em 800 mil habitantes.

Depois de nos dar um quadro das etnias existentes apresenta-nos o contexto religioso, dominado pelo animismo e o islamismo, mas não esquece os Grumetes e a sua ligação à religião católica; observa que a agricultura não conhece o desenvolvimento, limitando-se às culturas indígenas, onde preponderam o arroz, o milho, o algodão e o amendoim, a indústria era praticamente inexistente; apresenta-nos Bolama, Bissau e Cacheu. Ficamos a saber quais eram os serviços marítimos da época: o serviço regular era garantido pela Empresa Nacional de Navegação, uma vez por mês, e dá conta como o correio também podia ser expedido através de Dacar, menciona os vapores alemães da companhia Woermann que tocam Dacar e podem receber o correio vindo de Bissau; havia o cabo-submarino da companhia inglesa West-Telegraph Company, e uma linha telegráfica terrestre que ligava a capital ao interior (Farim, Bafatá, Bambadinca, Xitole, Buba e Bolama); na medida em que este estudo saiu do punho de um comerciante, é compreensível que ele enfatize os principais lugares de embarque e desembarque, a natureza das comunicações internas, os principais produtos exportados, chama a atenção quanto ao valor de certos produtos como o coconote, com grande procura no mercado alemão. Dá-nos a lista das casas comerciais e companhias instaladas na Guiné: C. F. A. O., Marselha; a Companhia Franco-Escocesa, Paris e Londres; C. F. C. A., Paris e Antuérpia; N. S. C. A., Bordéus e Nantes; R. T. e Companhia, Hamburgo; R. P., Hamburgo; A. S. G., Lisboa; S. C. C., Paris e G. C., Bordéus-Lisboa. Ficamos igualmente a saber quais as principais mercadorias importadas: os tabacos e os petróleos vinham da América mas com trânsito por Hamburgo; os tecidos eram provenientes de Inglaterra e da Bélgica; as bebidas alcoólicas e a quinquilharia vinham de Hamburgo. Os principais artigos ditos de frete, tinham o seu embarque quase exclusivo em Hamburgo. Refere as épocas das operações comerciais, a venda feita pelos indígenas aos comerciantes, todas as operações comerciais são feitas diretamente com os indígenas, através do escritório principal ou das suas sucursais.

Peço a atenção do leitor para as imagens que o autor nos dá do cais de Bissau ao tempo e a imagem fotográfica de um tornado tirada no porto de Bissau. Refere detalhadamente como se fazem as operações comerciais, lembra os interessados que as operações bancárias são feitas através do Banco Nacional Ultramarino, talvez para surpresa de muitos dos leitores dirá que as tarifas aduaneiras da Guiné eram muito moderadas, comparadas com as das colónias francesas, com baixos direitos de importação, dá-nos quadros das receitas alfandegárias, dos principais produtos exportados entre 1903 e 1912 e também o movimento comercial relativo a esse período.

Atenda-se a um aspeto curioso por ele referido. Durante muitos anos, os números da importação eram muito superiores ao da exportação, as casas comerciais faziam as suas transferências através do Banco Nacional Ultramarino; hoje é totalmente diferente. Os números da exportação equivalem-se ao da importação, isto devido ao facto de o comércio ter aumentado exponencialmente. Para o autor, a Guiné estava em plena evolução, mesmo modesta, a sua tarifa aduaneira tinha-se saldado em boas receitas. Segundo este comerciante francês, o futuro da colónia apresentava-se seguramente sob os mais brilhantes auspícios.

Nunca esquecendo que o seu estudo se destina a informar potenciais investidores, dá-nos os regulamentos e as tarifas aduaneiras, os principais artigos do novo regime aduaneiro e os direitos específicos.

Não deixa de ser curioso o mapa que ele insere no seu artigo, uma leitura atenta permite-nos ficar a saber que a Norte, indo do Cabo Roxo até à região do Gabu, os pontos mais importantes além de Varela eram Cacheu, Barro, Farim, Geba, Dandum, Coiada, Canquelifá, descendo, destacam-se Fá e Bambadinca, Gole (Porto Gole), temos depois por grau de importância as ilhas de Jata, Pecixe e Bissau; e falando da região Sul, independentemente da pontuação que ele faz sobre o Bijagós, as povoações que ele destaca são Grampará, Buba, Bolola, Contabane, Cumbijã, Cacine, há imagens surpreendentes da vida de Bissau, das tabancas e, por último, ficamos com duas imagens, uma seguramente inédita da aldeia indígena de Bambadinca e a fotografia do senhor Georges Courrent, com o seu casaco bem assertoado, gravata à maneira, o bigode aparado e o cabelo parece ter sido alisado por um profissional.

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 7 de agosto de 2024 > Guiné 61/74 - P25817: Historiografia da presença portuguesa em África (435): Quando o Governo de Cabo Verde só noticiava as receitas alfandegárias da Guiné (Mário Beja Santos)

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