quarta-feira, 16 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23085: Historiografia da presença portuguesa em África (308): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (12) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2021:

Queridos amigos,
Estamos a descrever os últimos atos públicos de Honório Pereira Barreto que obteve na sua viagem aos Bijagós um precioso acordo de paz e aceitação da soberania portuguesa em Canhabaque. Mas os britânicos não desarmam, fazem a apologia do combate à escravidão e andam descaradamente a negociar escravos na Serra Leoa. Em Bissau, a Comissão Municipal pede a Honório Pereira Barreto para ficar, a sua presença simboliza paz. Na região do Geba tudo voltou a azedar, mais expedições, mas com resultados inconclusivos. A proteção fortda navegabilidade do Geba é garantida pela fortaleza de S. Belchior. Lemos este derradeiro período da escrita de Senna Barcelos (ele encerrará a sua investigação em 1879, quando a Guiné se autonomizou definitivamente de Cabo Verde) e assistimos a tumultos constantes, a pressão no Casamansa agudiza-se e em breve a problemática de Bolama irá ser entregue a um árbitro, ao Presidente dos Estados Unidos da América, Ulysses S. Grant.

Um abraço do
Mário



Um oficial da Armada que muito contribuiu para fazer a primeira História da Guiné (12)

Mário Beja Santos

São três volumes, sempre intitulados Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné, as partes I e II foram editadas em 1899, a parte III, de que ainda nos ocupamos, em 1905; o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada, oficial distinto, condecorado com a Torre e Espada pelos seus feitos brilhantes no período de sufocação de sublevações em 1907-1908, no leste da Guiné. O levantamento exaustivo a que procede Senna Barcelos é de relevante importância e não há nenhum excesso em dizer que em muito contribuiu para abrir portas à historiografia guineense.

Continuamos a dar palavra a Honório Pereira Barreto, a sua epistolografia é preciosa e ninguém como Senna Barcelos deu destaque a este incontornável conjunto de peças que ajudam a esclarecer estes anos decisivos da pressão francesa sobre o Casamansa e britânica sobre o sul da Guiné. Honório escreve um relatório dirigido ao Governador-Geral em 7 de maio de 1856 acerca da viagem que fez aos Bijagós, e diz claramente: 

“Desde março de 1853, em que os franceses foram atacar a ilha de Canhabaque que apliquei toda a minha atenção sobre as ilhas dos Bijagós”

Critica o comportamento então adotado pelo Governador de Bissau e Cacheu que se devia ter oferecido como mediador em conflitos interétnicos e depois entra diretamente no assunto, dá notas dos factos: 

“Em dezembro desse mesmo ano de 1853, uma esquadrilha inglesa veio à ilha de Canhabaque para exigir uma satisfação pelo assassinato feito de um oficial inglês; era eu então Governador-interino da Guiné; recorreram, porém, à minha mediação e tive a fortuna de acabar a questão a contento de ambas as partes. Longe de aumentar aí a influência estrangeira, cresceu a nossa, apertaram-se os laços da antiga amizade”.

E Honório vai contar os principais aspetos da sua viagem, iniciou-a em 11 de janeiro, descreve a sua comitiva e leva presentes para régulos e chefes. Aportou primeiro à ilha das Galinhas, a etapa seguinte foi Canhabaque, ficou hospedado em casa do régulo de Tuore, de nome Tissac, herdeiro do rei que os franceses mataram em março de 1853. Tenta uma reunião com os 17 régulos e chefes de Canhabaque, reuniu com muitos e deixa-nos o seguinte apontamento: 

"Este povo de Canhabaque é verdadeiramente livre, nem consentem ser vendidos; os régulos são simples presidentes de umas assembleias deliberativas, que só têm lugar quando se trata de negócios de interesse geral para o país”

O ponto fundamental da reunião é de que todos se manifestam de súbditos portugueses; segue para a ilha de Orango, onde é recebido com uma salva de artilharia, e o rei deu-lhe um tratamento régio. 

“Com franqueza direi a Vossa Excelência que depois que cheguei a Orango e depois que vi os objetos que o rei possuía, pois mobilou a casa em que residia com canapé, cadeiras, mesa, oleados, toalhas e esteiras, fiquei embaraçado sobre o presente com que lhe devia corresponder. Felizmente havia a bordo da lancha que me conduziu um oratório para venda, pertencente à viúva Ferreira, objetos que pessoas bem informadas me disseram seria agradável ao rei. Resolvi dar-lho”

Mais tarde Honório enviou ao Governador-Geral o tratado que tinha efetuado com os régulos bijagós da ilha de Canhabaque.

Em 26 de agosto de 1858 fundeou no porto de Bolama o vapor de guerra inglês Tridente, que ali cometeu atos de violência contra os portugueses, e disso deu conta o morador José Carlos Rebelo Cabral a Honório Pereira Barreto: 

“Pelo meio-dia desembarcou o comandante, acompanhado de tenente e alguns oficiais superiores e inferiores do navio, e de David Lourenço, vindo todos eles armados de espada e pistola. O sobredito comandante logo ao desembarcar fez fala aos habitantes, dizendo-lhes que aqueles que fossem cativos podiam embarcar para bordo como livres, porque isto era uma colónia inglesa”

E Cabral roga conselhos a Honório Pereira Barreto que se dirige ao Governador Interino em Bissau a exigir previdências. A situação naturalmente que se agravara, o governador alegava que Bolama era portuguesa, os britânicos diziam que era inglesa. E dá-se um encontro entre Honório e o comandante Close e o que escreve Senna Barcelos é exemplar: 

“A bordo, na presença do comandante, verificou Honório que todos os escravos eram os próprios que constavam das certidões de registo, mas nem assim os escravos foram entregues, levando-os o comandante para Serra Leoa, onde seriam vendidos pelas autoridades aos negociantes revertendo o produto da venda em benefício das mesmas. E assim afirmavam os ingleses que os portugueses é que faziam escravos quando o governo de Serra Leoa era um depósito de negros escravizados”.

Honório sente-se doente e quer-se afastar da política. Em 15 de julho de 1858 dirigiu o seguinte ofício ao Governador-Geral: 

“Tendo acabado de sofrer uma forte febre, havia já embarcado a bordo de uma escuna portuguesa toda a minha bagagem, e só esperava ter mais forças para poder embarcar e retirar-me para Cacheu, quando no dia 12 deste mês veio à minha casa a Comissão Municipal da Praça entregar-me a carta pedindo-me para ficar. Posto que eu esteja inteiramente convicto da inutilidade do sacrifício que de mim exigem, e que faço, não neguei demorar-me nesta até que Vossa Excelência se digne pronunciar como for conveniente e assim o comuniquei à referida comissão. Em nada concorri, nem direta nem indiretamente, para este passo que porventura imprudentemente deu a Comissão Municipal".

Tinham regressado entretanto os tumultos à região de Geba, houvera conflito entre o presídio de Geba e os Beafadas de Badora. O Major Correia Pinto fora a Geba para apaziguar uma questão entre eles, foi preso. O Governador Zagalo reuniu no Porto de Gole um conselho militar, todos foram unânimes que devia haver castigo. 

Entabulou o governador negociações com o gentio do território de Gussará e de Tumaná, eles foram atacar Ganjarra, outros efetuaram a tomada de Bigine, tudo difícil e com traições pelo caminho, não houve condições para impor uma derrota, o governador retirou-se para Bissau e deixou guarnecido o Forte de S. Belchior para proteger a navegação do rio Geba. 

Senna Barcelos diz-nos que o súbdito inglês David Lawrence (que Honório Pereira Barreto considerava ser português) aproveitando-se das más relações do gentio de Badora com o Governo, mandou aos Beafadas três bandeiras inglesas que foram arvoradas em Bambadinca, Fá e Ganjarra. 

Foi neste contexto que o governador Zagalo requisitou 800 soldados do reino para submeter as gentes de Badora. No entretanto, em Cacheu o gentio de Churo declarou guerra à praça, nova expedição que o Governador-Geral não aprovou. Em Geba as coisas azedaram, organizou-se uma expedição para castigar o gentio, envolveu 6 oficiais, 80 soldados e alguns voluntários a que se juntaram 300 auxiliares, incendiou-se e saqueou-se Bambadinca e voltou a calma aparente.

(continua)


Mapa histórico da Senegâmbia em 1707
Destroço da estátua de Honório Pereira Barreto no interior da fortaleza de Cacheu
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Nota do editor

Último poste da série de 9 DE MARÇO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23060: Historiografia da presença portuguesa em África (307): "Subsídios para a História de Cabo Verde e Guiné", as partes I e II foram editadas em 1899, o seu autor foi Cristiano José de Senna Barcelos, Capitão-Tenente da Armada (11) (Mário Beja Santos)

3 comentários:

António J. P. Costa disse...

Olá Camaradas

Continuo a não entender o ódio do PAIGC para com o Honório Barreto.
Pelos escritos que vão aparecendo e relativamente aos quais não margem para dúvidas substanciais. Quem escreve não foi constrangido a fazê-lo desta ou daquela maneira, logo a margem de erro só poderá provir de uma ou outra observação menos correcta. Portanto, o que se escreveu "naquele tempo" é verdadeiro e deve ser considerado como fonte primária. Este ódio é igualmente estendido aos descobridores portugueses que puseram a Guiné em contacto com o resto do mundo com boas ou más consequências.
Nada tenho que ver com isto, mas sugeria aos intérpretes da história que lessem o "Esmeraldo de Situ Orbis" de Duarte Pacheco Pereira que descreve (sem censura nem pressão) as relações de Portugal com a África nos séculos XV e XVI. Poderiam assim começar a reconstruir a História do seu país.

Um Ab.
António J. P. Costa

Antº Rosinha disse...

António J.P.Costa estranha o sentimento dos guineenses para com um dos principais "criadores" deste país, a Guiné-Bissau, Honório Barreto, cuja praceta com seu nome colonial passou a ser chamada Che Guevara.

E tem toda a razão, mas há muitas possíveis explicações.

Mas a principal explicação é a mesma porque muitos guineenses não "alinham" com o pai da Pátria, Amílcar Cabral.

Havia uma estátua de Amílcar Cabral de corpo inteiro guardada durante vários anos, sem pressa de a colocarem em lugar bem nobre, que hoje está junto ao Aeroporto numa rotunda, a sete quilómetros do centro de Bissau.

A sete quilómetros, e vá lá que com Honório foi pior que foi parar a Cacheu.

O lugar dessa estátua chegou a ser destinado a "fingir" na Chapa Bissau que era o lugar consentâneo com a Bissau do tempo de Amílcar e bem junto da sua velha Granja, onde ele trabalhou e deixou o seu nome grudado. Chegou a haver cerimónia a "fingir" nos 20 anos do assassinato, da inauguração simbólica dessa estátua na Chapa Bissau.

Mas não, dentro de Bissau, não, a maioria dos guineenses têm pouco orgulho nas sua terra de origem portuguesa, assim como os brasileiros, muitíssimos continuam a ter sentimento similar, pouco orgulho na paternidade da sua Pátria.

Tanto Honório como Amílcar (o tal luso-tropicalismo que mesmo em Portugal continuam muitos a negar a sua existência) os guineenses não consideram filhos da terra.

São filhos de...Caboverde/Portugal. (França era melhor)

Mas o sentimento anti-Honório ao serviço de Portugal/Caboverde, foi o azar de Honório, porque se fosse ao serviço da...França ou Inglaterra.

Esta é uma das "minhas/deles guineenses" principais explicações, para, pelo menos não maximizar estas figuras.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

A ignorância da sua própria história não favorece nenhum povo...Infelizmente, é o que acontece um pouco em todo o lado... O que sabem os nossos putos da história do seu país e do seu povo ? E da história das relações de Portugal com os outros povos, do Velho e do Novo Mundo ?

O ensino da história na Guiné-Bissau presumo que ainda seja demasiado "ideológico", muito centrada na "hagiografia" dos heróis libertadores da Pátria...

Por outro lado, a luta pela sobrevivência no dia a dia, a preocupação com a satisfação das necessidades básicas, não deixa tempo (nem recursos) para o investimento na educação e na cultura. Não sei qual o papel que as rádios locais têm tido neste aspeto, ajudando os guineenses a saber mais sobre a sua "pré-história" e sua "proto-história"... Mas têm de ser as "elites" (a começar pelos excelentes quadros que a Guiné-Bissau tem na diáspora) a puxar esta "carroça", a dar o exemplo, a redescobrir e a revalorizar o papel de homens nacionalistas ("avant la lettre") como o Honório Barreto...