domingo, 13 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23075: Depois de Canchungo, Mansoa e Cufar, 1972/74: No Espelho do Mundo (António Graça de Abreu) - Parte XXIX: Ìndia, Cochim, novembro de 2016




Índia >  Cochim > 17 de novembro de 2016 >  O autor e a esposa. junto à catedral-basílica de Santa Cruz

Fotos (e legenda): © António Graça de Abreu (2016) Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Cochim, União Indiana, novembro de 2016

por António Graça de Abreu

[Escritor e docente universitário, sinólogo (especialista em língua, literatura e história da China); natural do Porto, vive em Cascais; autor de mais de 20 títulos, entre eles, "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp); é membro da nossa Tabanca Grande desde 2007, tem mais de três centenas de referências no blogue; texto enviado em 10 do corrente]


Na boca deste rio tem el-rei nosso senhor uma fortaleza mui formosa, 
derredor da qual está uma grande povoação de portugueses 
e de cristãos naturais da terra 
que se fizeram cristãos 
depois de assentada a nossa fortaleza.

Duarte Barbosa, O Livro de Duarte Barbosa, em 1516



Pois, os façanhudos portugueses de antanho, pouco ajuizados, indomáveis, valentes lusitanos da era de quinhentos, Cabral, Gama, Albuquerque. Hoje, na velha Cochim um cemitério holandês e uma imensidão de túmulos vazios. Da fortaleza do tempo de Afonso de Albuquerque resta um pequeno troço da muralha debruçado sobre o mar.

Entro na igreja de S. Francisco, o primeiro templo católico europeu a ser construído pelos portugueses na Índia, em 1503. Lá dentro, lápides e sepulturas de gente da nossa pequena nobreza e a tumba vazia onde esteve Vasco da Gama falecido em Cochim em 1524. O corpo aqui permaneceu até 1539 quando foi transladado para Portugal, pelo seu filho Estevão da Gama. 

Recentemente, uns brasileiros amantes do futebol passaram por esta igreja e tiveram a original ideia de deixar num expositor ao lado do túmulo uma bandeirinha do Club de Regatas Vasco da Gama, homenagem ao nosso navegador. Algum orgulho num não esquecido, ainda faiscante nome português que até deu o nome a um grande clube de futebol do Rio de Janeiro.

Entro numa escola primária, católica, dirigida por freiras. As salas de aula têm as portas abertas para os miúdos verem os turistas estrangeiros, e vice-versa. Rapazes bem dispostos vestem todos umas camisas com quadrados vermelhos, brancos e pretos e saúdam-nos alegremente num inglês macarrónico.

Adiante, fica a catedral-basílica de Santa Cruz. Edificada por portugueses em 1550, foi reconstruída de raiz em 1888. É por isso, um templo mais moderno, imponente, com mil histórias para contar. Um altar com a Senhora de Fátima.

Avanço para o outro lado da antiga de Cochim, com a sinagoga e o quarteirão judaico. Ainda cruzes de David na fachada de seculares habitações e lojas. Existem judeus em Cochim desde o século XI, e a sinagoga, sóbria, com um conjunto notável de candelabros de vidro e o chão revestido com azulejos chineses, foi construída em 1568. A cidade albergou durante centenas de anos franjas de judeus que fugiam das perseguições na Europa, chegados da Holanda, de Espanha, de Portugal, condenados a um distante exílio definitivo. 

Recordo o nosso médico Garcia da Orta (1501-1568) judeu de Castelo de Vide, que por aqui andou e faleceu em Goa. Dizem-me que com a fundação do estado hebraico, em 1948, a maioria dos judeus de Cochim partiu para Israel e hoje apenas meia dúzia de crentes na religião do ramo plural de Abraão e Isaac vivem neste bairro judaico.

Há uma cidade nova de Cochim do outro lado do braço de mar, que não visitei. É nos quarteirões antigos deste burgo que o meu coração melhor pulsa e o sangue melhor circula.

_______

1 comentário:

Fernando Ribeiro disse...

Artigo em inglês intitulado "Tribute to Cochin Creole Portuguese", publicado em 2010 pelo jornal indiano "The Hindu", a propósito do falecimento do último falante de crioulo indo-português de Cochim, chamado William Rozario: https://www.thehindu.com/news/cities/Kochi/Tribute-to-Cochin-Creole-Portuguese/article16048595.ece