Navio de carga Alenquer > Foi construído em Inglaterra em 1948. O seu comprimento era de cerca de 137 metros. A sua arqueação bruta não chegava às 5,3 mil toneladas. Armador: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa. Velocidade de cruzeiro: 13 nós. Nº de tripulantes: 37. Foi nesta embarcação que o José Martins (CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70) foi parar à Guiné...
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000)
N/M Ana Mafalda > Foi neste luxuoso paquete da nossa marinha mercante colonial que companhias como a CART 1690 (Geba, 1967/69), do A. Marques Lopes, ou a CART 2339 (Mansambo, 1968/69), do Carlos Marques dos Santos, partiram de Lisboa com destino à Guiné ...
O Ana Mafalda era um navio misto, de carga e de passageiros, construído pela CUF - Companhia União Fabril, em Lisboa, em 1951 e abatido em 1975. O seu comprimento era de 103 metros. A sua arqueação bruta pouco ultrapassava as 3,3 mil toneladas. Teve dois armadores: Sociedade Geral de Comércio, Indústria e Transportes, Lisboa (1950-1972); e Companhia Nacional de Navegação, Lisboa (1972-1973). Velocidade de cruzeiro: 12 nós. Alojamentos para 16 passageiros em primeira classe, 24 em segunda e 12 em terceira classe, no total de 52 passageiros. Nº de tripulantes: 47.
Fonte: Navios Mercantes Portugueses (2000) (com a devida vénia)
1. A propósito do transporte de tropas para a Guiné (durante muito tempo, exclusivamente de barco), lancei para a tertúlia a seguinte questão, que não é inocente mas também não é provocatória:
- Vocês ainda se lembram do cheiro nauseabundo, fétido, do cheiro a merda e a vomitado, que vinha dos porões dos Niassas, dos Uíges e dos outros navios negreiros que transportavam a carne para canhão?... Oficiais e sargentos iam em 1ª classe e em classe turística, já não se devem lembrar muito bem desses malditos, inconfundíveis e indescritíveis cheiros… Mas o pobre soldado, meu Deus!, esse seguramente que ainda hoje se lembra desse cheiro nauseabundo, tão característico dos navios da nossa marinha mercante que foram fretados pela tropa.... Enfim, estamos a falar das duras condições em que chegavamos à Guiné, o tal sítio que ficava longe do Vietname...
Alguns camaradas apressaram-se a responder-me, dando o seu testemunho, fazendo um comentário ou contando uma pequena estória... Estou-lhes grato.
2. Mensagem do David Guimarães, com data de ontem:
Amigo Luís:
Boa estada em Itália. Isso importa. Depois continuarás esta amálgama de guerra em que estamos... Ainda bem, pois vale a pena... Acho que parar não, muitas histórias há a contar e muitos barcos a explorar. Isso, aqueles que nos levaram e trouxeram à guerra, embora eu fosse já um dos primeiros que gozei o privilégio de voltar em Avião 707 dos TAM [Transportes Aéreos Militares]... Que luxo!
3. Mensagem do Carlos Marques Santos:
(...) Só de propores que se fale dos cheiros dos nossos paquetes, já estou com náuseas. Cinco dias intermináveis!
Nem de sargento de dia se podia fazer o porão, onde desgraçadamente iam amontoados os soldados.
Só vivido. Contado ninguém acredita.
Eu e os meus fomos no Ana Mafalda. Esse era um autêntico negreiro.
4. Texto do José Martins:
Caro Luís: Antes de mais faz uma boa viagem e goza esses dias de calmaria (?) em Itália. Cuidado com os mafiosos!
Estórias da minha ida de barco, o Alenquer, é bastante soft. Levava apenas 12 passageiros. Creio que tenho algo escrito sobre a viagem. Em caso afirmativo irei enviar. Será uma estória fora do contexto normal.
Quanto à História (com H, grande) é fantástica. É digna de antologia, já que escritos como este não abundam. É pena porque estas histórias deviam/devem ser dadas à estampa.
Um abraço do José Martins
(ex-furriel miliciano de transmissões, CCAÇ 5, Canjadude, 1968/70)
5. O Marques Lopes tem uma descrição realista mas bem-humorada da sua viagem no Ana Mafalda: vd post de 28 de Junho de 2005 > Guiné 69/71 - LXXXVII: A caminho da Guiné, no "Ana Mafalda" (1967)
Aqui vão alguns excertos, para recordar:
(...) "Os alferes, sargentos e furriéis foram distribuídos pelos beliches dos camarotes de segunda e terceira classe. Em primeira classe ficou o capitão da companhia, o comandante do navio, o imediato, o oficial das máquinas, certamente, e uns mangas que se penduraram em nós à boleia, que eu não sei quem eram nem procurei saber.
"O Zé Soldado, sempre o mais fodido nestas situações, foi para o porão onde estavam montados uns beliches de ferro com umas enxergas em cima, e onde casa de banho não havia.
"Largámos às 12h00 do dia 8 de Abril de 1967. Foi uma bela viagem, como devem calcular, com os baldes dos dejectos do porão a serem despejados borda fora de manhã e ao fim da tarde (ao menos haja regras). Mas os despejos começaram logo à saída da barra do Tejo. Eu, pessoalmente, nunca tinha chamado tantas vezes pelo Gregório" (...).
6. Eu próprio já aqui evoquei a minha viagem no Niassa, em finais de Maio de 1969: vd post de 23 de Junho de 2005 > Guiné 63/74 - LXXVI: (i) A bordo do Niassa; (ii) Chegada a Bissau
(...) "Excertos do Diário de um tuga. Luis Graça (ex-furriel miliciano Henriques CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71).
(...) "Eis-nos nos tristes trópicos. Atravessámos hoje o Trópico de Câncer, com peixes voadores e alguns tubarões a acompanhar-nos (...).
"Alguém se lembrou de abrir uma garrafa de champagne como se tivéssemos atravessado o Equador em alegre cruzeiro pelo Atlântico Sul. Com um sorriso amarelo, também participei neste ritual de iniciação e ergui a minha taça:
- Afinal, estamos todos no mesmo barco!, - pensei.
"De resto, come-se e bebe-se o dia todo para matar o tédio da vida a bordo. Há os viciados da lerpa. Os oficiais superiores, esses, divertem-se com o tiro ao alvo na popa do navio, enquanto a malta da turística escreve cartas, aos pais, namoradas, noivas e mulheres, cartas que eu imagino já molhadas de lágrimas salgadas e de saudades. As praças, essas, vomitam nos porões. Todo o navio fede e no meio do cheiro nauseabundo há um desgraçado de um desertor que vai a ferros" (...).
7. Testemunho do Carlos Vinhal:
Caros camaradas.
Eu também foi um digno passageiro do Ana Mafalda.
Não há dúvida que o Ana Mafalda se fartou de levar gente para a Guiné. Parece que a grande maioria dos tertulianos viajaram nele.
Quando a minha Companhia embarcou no Ana Mafalda no Cais do Porto do Funchal, já ele vinha com lotação esgotada. Juro que é verdade. Trazia de Lisboa uma Companhia açoriana (CCAÇ 2726) e ainda lá conseguiram meter mais uma madeirense.
O navio já trazia uma vedação em madeira que dividia o barco a meio, para impedir que açorianos e madeirenses se juntassem e trocassem mimos entre eles. Ainda houve umas escaramuças através das grades, mas nada digno de registo ou que fosse contra o RDM. Só um pouco de álcool à mistura.
Confesso humildemente que nunca desci aos porões, porque não tive coragem. Espreitei uma vez cá de cima lá para baixo e chegou. Por sorte não me tocou nenhum Sargento de Dia a bordo.
Apesar de tudo a viagem foi tão pequena que o sofrimento não deve ter sido muito e apenas se dormiram 4 noites a bordo. Durante o dia o pessoal andava cá por cima.
Alguém falou de imundicie, e de fome ninguém fala? Eu já fui dos sortudos que vieram de avião, mas tenho amigos que regressaram também de navio e queixam-se de que a alimentação no regresso era inferior e de pior qualidade, comparada com a de ida. Subentende-se que para lá nos queriam gordinhos, para cá cada um que se desenrascasse - passe o termo pouco ortodoxo.
Cordiais saudações.
Carlos Vinhal
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Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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