1. Texto do António Graça de Abreu (ex-alf mil, CAOP 1, Teixeira Pinto; esteve também em Mansoa e Cufar, 1972/74):
Excertos do livro Diário da Guiné, de António Graça de Abreu (1), recente membro da nossa tertúlia (conhecemo-nos ontem pelo telefone, é professor de inglês na Escola Secundária José Saramago, em Mafra, e tradutor de chinês; além disso, ele vai ter a gentileza de me mandar um exemplar autografado do seu livro, o seu 12º livro publicado).
Canchungo, 18 de Agosto de 1972 > A história dos três majores, do alferes e dos dois intérpretes negros assassinados pelo PAIGC (2).
Neste CAOP 1, o alferes Marques ocupa o lugar que outrora foi do alferes Joaquim Mosca, adjunto de Informações, o capitão Borges mais os majores Barroco e P. estão aqui em substituição dos majores Magalhães Osório, oficial de Informações, Pereira da Silva, oficial de Operações e Passos Ramos, chefe do Estado Maior (*).
No dia 20 de Abril de 1970, estes três majores mais o alferes Mosca e dois negros, Aliu Sissé e Patrão, que serviam de intérpretes, foram brutalmente mortos à saída da estrada entre o Pelundo e o Jolmete.
Dando corpo à política do general Spínola da Guiné Melhor e pacificação do chão manjaco, há dois anos atrás a estratégia político-social do CAOP 1 tentou convencer alguns comandantes militares do PAIGC a depor as armas, trazendo-os para o nosso lado e criando condições para a inserção harmoniosa desta gente numa nova Guiné, moderna, de paz e progresso para todos.
Realizaram-se várias reuniões entre os três majores do CAOP 1 e os guerrilheiros, o diálogo parecia começar a dar frutos. O general Spínola participou também num dos encontros e estava disposto a negociar o fim da guerra com o próprio Amílcar Cabral. Ainda à sombra da bandeira portuguesa, avançar-se-ia para uma Guiné com autonomia, uma espécie de soberania partilhada entre negros e brancos. Não era essa - nem é hoje -, a linha política do governo de Lisboa, nem do PAIGC que lutava pela independência total e expulsão dos colonialistas brancos.
No dia 20 de Abril de 1970, os três majores, o alferes e os intérpretes saíram desta casa, sede do CAOP 1, em dois jipes para mais uma reunião secreta com os chefes dos guerrilheiros. Passaram o Pelundo e avançaram desarmados, sem escolta em direcção a uma pequena floresta, no caminho para o Jolmete. Era o lugar combinado, já utilizado em anteriores encontros. Os guerrilheiros estavam lá, à espera dos militares portugueses, desta vez não para negociar mas para os matar. Foram todos cobardemente assassinados com armas brancas e os corpos, esquartejados. Não foram mortos a tiro porque o barulho provocaria o alarme no quartel do Pelundo, tão próximo.
Eram homens de excepção, nossos antecessores neste CAOP 1, neste edifício, nestas salas. Permanecem na memória de todos (**).
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Notas do autor:
(*) Um dos oficiais que, em 1970 após a morte destes majores, os substituiu no nosso CAOP 1, foi o então capitão António Ramalho Eanes. Citado por Otelo Saraiva de Carvalho, Alvorada em Abril, Lisboa, Livraria Bertrand, 1977, pag. 72.
(**) O major de Infantaria Alberto Magalhães Osório repousa no cemitério do Baraçal, Celorico da Beira, o major de Artilharia Joaquim Pereira da Silva descansa no cemitério de Galegos, Penafiel, o major de Artilharia Fernando Passos Ramos jaz na terra fria do cemitério de Paranhos, Porto, o alferes miliciano Joaquim Palmeiro Mosca dorme para sempre no cemitério municipal do Redondo.
No site http://www.blogueforanada.blogspot/, com data de 20.11.2005, o ex-furriel João Varanda da companhia do Pelundo, conta também esta história e conclui:"Deixo-lhes um abraço fraterno e um apelo a todos os combatentes para que visitem estes cemitérios e coloquem nas suas campas um cravo vermelho de Abril" (3).
Sobre os três majores ver o depoimento do general Carlos Fabião, "Milícias Negras", em A Guerra de África I, Lisboa, Círculo de Leitores, 1995, pag. 371. Na mesma obra, idem, ibidem, II, pag. 716, no depoimento do general Almeida Bruno, "Libertar Guidaje", encontra-se uma fotografia dos três majores em frente das instalações do CAOP 1, em Teixeira Pinto, pouco tempo antes de serem mortos.
Ver também o texto "Desaparecidos em Combate" no jornal Expresso/Revista de 24.4.95 e a sentida resposta do general Ricardo Ferreira Durão, no mesmo jornal a 27.5.95.
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Notas de L.G.
(1) Vd. post de:
27 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1552: Lançamento do livro 'Diário da Guiné, sangue, lama e água pura' (António Graça de Abreu)
12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1517: Tertúlia: Com o António Graça de Abreu em Teixeira Pinto (Mário Bravo)
6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1499: A guerra em directo em Cufar: 'Porra, estamos a embrulhar' (António Graça de Abreu)
5 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1498: Novo membro da nossa tertúlia: António Graça de Abreu... Da China com Amor
(2) Vd. post de:
17 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1436: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (1): Perguntas e respostas
18 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1445: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F.Sousa) (2): O papel da CCAÇ 2586 (Júlio Rocha)
19 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1446: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M. F. Sousa) (3): O depoimento do 1º sargento da CCAÇ 2586, João Godinho
27 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1465: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (4): Os majores foram temerários e corajosos (João Tunes)
6 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1500: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (5): Homenagem ao Ten-Cor J. Pereira da Silva (Galegos, Penafiel)
8 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1503: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (6): Fotografia dos três majores (Sousa de Castro)
12 de Fevereiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1519: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (7): Extractos da entrevista de Ramalho Eanes ao 'Expresso'
25 de Fevereiro de 2007 >Guiné 63/74 - P1549: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (8): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte I
6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1566: Dossiê O Massacre do Chão Manjaco (Afonso M.F. Sousa) (9): O contexto político-militar (Leopoldo Amado) - Parte II
(3) Vd. pst de 26 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCXIII: A morte de três majores e de um alferes no chão manjaco (João Varanda)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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