1. Mensagem do Idálio Reis:
Caro Luís e demais companheiros da Tertúlia:
Tentamos fazer com o nosso editor um fraternal grupo que detém uma particularidade comum: o de nos terem coagido a fazer uma guerra, subjacente à prestação de um serviço militar obrigatório. Fomos compulsivamente mobilizados para uma longínqua terra, de que tínhamos conhecimento que por lá morriam ou ficavam estropiados muitos dos nossos contemporâneos.
Mas então, perante a cruel realidade de tais notícias, porque não nos escusámos a tomar parte nessa odisseia?
Mas como? Éramos jovens de 22 - 23 anos, vigiados por uma polícia política com regras de um País fascista, de todo impedidos de sair de Portugal sob qualquer pretexto, o viço da idade a embaçar-nos uma consciência deveras imatura, um forte apego familiar aditado pelo afago das nossas prometidas e amigos, o rincão natal que nos grudava, uma situação financeira que não propiciava qualquer aventura. A fuga à guerra de África estava vedada à grande generalidade da nossa geração. Os factos são bem demonstrativos.
Jamais tive qualque pretensão de fugir à guerra colonial, porque os laços sentimentais que me prendiam a este bocado de terra e aos meus eram demasiado fortes para me ver afastados deles permanentemente. Nada disto está absorvido por um qualquer amor pátrio, porque na verdura da minha idade, conseguia reconhecer que ela me escusava o amparo a que tinha direito.
Fui, porque fortemente esperançado que regressaria ao aconchego dos meus maternos lugares. Fui, e não estou arrependido de assim ter procedido. Mas, se por absurdo, me obrigassem a repetir a façanha, preferiria o ónus da prisão. Sem margem para quaisquer dúvidas.
Mas houve alguns que fugiram? Certo, mas são excepções raras. Aos poucos que o fizeram, nada tenho a apontar, pois quando transpuseram a fronteira, eram conhecedores que jamais poderiam regressar. Depararam-se-lhes facilidades para o fazerem, e felizmente que o 25 de Abril lhes abriu as portas.
Reconheço contudo, que uma substancial parte foi considerada herói. Sempre menosprezei essa aura, porque a dar crédito, aviltava-me. E não o mereci.
Quanto aos que, como no caso em análise (1), se entregaram aos movimentos independentistas, deixando os seus camaradas, merecem o meu repúdio. Saem junto dos seus, e passam para o outro lado da barricada, porque a guerra definia-se somente entre dois contendores. Vão lutar pela parte antagónica, sem minimamente se importarem nos que neles acreditaram.
Eu, que vivi a guerra da Guiné, de uma forma cruenta e dolorosa, nada me move contra o PAIGC. E até tenho uma particular simpatia pela grande figura política de Amílcar Cabral, como pelo enorme guerrilheiro que foi Nino Vieira. E os meus locais da Guiné-Bissau, tenho fé em revê-los, pois o peso acentuado dos anos apela-me a isso de um forma extraordinariamente viva. E esta minha ambição, faz-me sonhar e ... deixa-me feliz.
E este blogue é bem significativo disto mesmo. Como, passadas 4 décadas, conseguimos narrar tão emotivamente esses momentos do desespero e da dor? Porque, fundamentalmente, criou-se um sentido gregário tal que só um acrisolado amor mútuo é capaz de concretizar.
A união faz a força, e o comprometimento que partilhava com o meu companheiro de armas, ninguém o ousasse desfazer. E é numa união similar a esta que aderi com grande entusiasmo à Tertúlia, porque estivemos continuamente do lado que nos competia.
Um cordial abraço para todos.
Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835,
( Gandembel e Ponte Balana 1968/69)
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd post de
Tentamos fazer com o nosso editor um fraternal grupo que detém uma particularidade comum: o de nos terem coagido a fazer uma guerra, subjacente à prestação de um serviço militar obrigatório. Fomos compulsivamente mobilizados para uma longínqua terra, de que tínhamos conhecimento que por lá morriam ou ficavam estropiados muitos dos nossos contemporâneos.
Mas então, perante a cruel realidade de tais notícias, porque não nos escusámos a tomar parte nessa odisseia?
Mas como? Éramos jovens de 22 - 23 anos, vigiados por uma polícia política com regras de um País fascista, de todo impedidos de sair de Portugal sob qualquer pretexto, o viço da idade a embaçar-nos uma consciência deveras imatura, um forte apego familiar aditado pelo afago das nossas prometidas e amigos, o rincão natal que nos grudava, uma situação financeira que não propiciava qualquer aventura. A fuga à guerra de África estava vedada à grande generalidade da nossa geração. Os factos são bem demonstrativos.
Jamais tive qualque pretensão de fugir à guerra colonial, porque os laços sentimentais que me prendiam a este bocado de terra e aos meus eram demasiado fortes para me ver afastados deles permanentemente. Nada disto está absorvido por um qualquer amor pátrio, porque na verdura da minha idade, conseguia reconhecer que ela me escusava o amparo a que tinha direito.
Fui, porque fortemente esperançado que regressaria ao aconchego dos meus maternos lugares. Fui, e não estou arrependido de assim ter procedido. Mas, se por absurdo, me obrigassem a repetir a façanha, preferiria o ónus da prisão. Sem margem para quaisquer dúvidas.
Mas houve alguns que fugiram? Certo, mas são excepções raras. Aos poucos que o fizeram, nada tenho a apontar, pois quando transpuseram a fronteira, eram conhecedores que jamais poderiam regressar. Depararam-se-lhes facilidades para o fazerem, e felizmente que o 25 de Abril lhes abriu as portas.
Reconheço contudo, que uma substancial parte foi considerada herói. Sempre menosprezei essa aura, porque a dar crédito, aviltava-me. E não o mereci.
Quanto aos que, como no caso em análise (1), se entregaram aos movimentos independentistas, deixando os seus camaradas, merecem o meu repúdio. Saem junto dos seus, e passam para o outro lado da barricada, porque a guerra definia-se somente entre dois contendores. Vão lutar pela parte antagónica, sem minimamente se importarem nos que neles acreditaram.
Eu, que vivi a guerra da Guiné, de uma forma cruenta e dolorosa, nada me move contra o PAIGC. E até tenho uma particular simpatia pela grande figura política de Amílcar Cabral, como pelo enorme guerrilheiro que foi Nino Vieira. E os meus locais da Guiné-Bissau, tenho fé em revê-los, pois o peso acentuado dos anos apela-me a isso de um forma extraordinariamente viva. E esta minha ambição, faz-me sonhar e ... deixa-me feliz.
E este blogue é bem significativo disto mesmo. Como, passadas 4 décadas, conseguimos narrar tão emotivamente esses momentos do desespero e da dor? Porque, fundamentalmente, criou-se um sentido gregário tal que só um acrisolado amor mútuo é capaz de concretizar.
A união faz a força, e o comprometimento que partilhava com o meu companheiro de armas, ninguém o ousasse desfazer. E é numa união similar a esta que aderi com grande entusiasmo à Tertúlia, porque estivemos continuamente do lado que nos competia.
Um cordial abraço para todos.
Idálio Reis
Ex- Alf Mil da CCAÇ 2317, BCAÇ 2835,
( Gandembel e Ponte Balana 1968/69)
____________
Nota de L.G.:
(1) Vd post de
3 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1560: Questões politicamente (in)correctas (25): O ex-fuzileiro naval António Pinto, meu camarada desertor (João Tunes)
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha
13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1585: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (1): Carlos Vinhal / Joaquim Mexia Alves
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1586: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (2): Lema Santos
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1587: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (3): Vitor Junqueira / Sousa da Castro
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1588: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (4): Torcato Mendonça / Mário Bravo
13 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1589: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (5): David Guimarães / António Rosinha
13 de Março de 2007 >Guiné 63/74 - P1591: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (6): Pedro Lauret
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1592: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (7): João Bonifácio / Paulo Raposo / J.L. Vacas de Carvalho
14 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1593: Debates da nossa tertúlia (I): Nós e os desertores (8): A. Marques Lopes
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