segunda-feira, 23 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25971: In Memoriam (510): António Rodrigues (c. 1940-2024): (i) um mordomo da elite portuguesa dos mordomos da elite de Nova Iorque, que era natural da Batalha; (ii) um grande ativista de causas sociais (cofundador do LAMETA); e sobretudo (iii) "o meu irmão mais velho que eu nunca tive"! (João Crisóstomo, Nova Iorque)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3  


Foto nº 4


Foto nº 5 


Foto nº 6


Fotos (e legendas): ©  João Crisóstomo (2024). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de João Crisóstomo: 


Data - 23 set 2024 01:16 

Caro Luís Graca,

Desculpa o atraso. Tem sido um dia difícil.

Para o nosso querido amigo António Rodrigues, nascido na Batalha, acabaram-se as suas muitas batalhas: 

  • primeiro,  a de Foz Coa ; 
  • depois a de Timor Leste (que tem para com ele um grande débito de gratidão, pois nunca foi reconhecido);
  •  e a de Aristides de Sousa Mendes, cuja casa recebeu, especialmente dele, a primeira reparação em 2004. 

 Embora fosse uma reparação temporária, que consistiu em tapar um enorme buraco no telhado, (um trabalho que  três “contractors" acharam era impossível de execução ) e que ele conseguiu fazer quase sozinho. 

Foi reparação uma provisória (ao fim de sete anos o telhado começou a ruir outra vez) mas que foi o suficiente para evitar que a casa inteira ruísse completamente antes da reparação que viria a ter lugar nestes últimos anos e que foi agora inaugurada no dia 19 de Julho, como sabem bem.

Foi durante sua vida como um lutador e herói. Paz à sua alma.

Ele faleceu esta manhã (22 de Setembro) depois de longa doença resultado duma queda. Estava num estabelecimento para "long-staying treatment“ na Barreira, nos arredores de Leiria. Alguns dos seus amigos entre os quais minha esposa Vilma e eu nos contamos, fomos vê-lo, mais do que uma vez, quando em férias em Portugal.

O António nasceu e cresceu na Batalha, numa famíla numerosa de 13 irmãos. Aos 13 nos foi para Lisboa, procurando vida melhor : logo arranjou trabalho ca casa do Dr. António Judice B. Silva, presidente do Banco Lisboa e Açores. De noite estudava e fez a 4ª classe e o 2º  ano do liceu. 

E logo começou a sua vida de motorista e mordomo trabalhando para gente abastada , começando pela famíia Patino.

Cumprido o tempo militar em Braga, RI 8 e depois na base aérea nº 5 em Monte Real, voltou para a família Patino, mas logo percebeu que tinha de sair de Portugal se queria "vencer na vida”.

Primeiro foi para Paris onde se encontravam já alguns dos seus irmãos, e aí viveu algum tempo antes de resolver vir para os Estados Unidos. Mas não esqueço as experiências que ele me contou, de quando vivia em Paris que, na minha opinião, o moldaram para o resto da vida e que de alguma maneira explicam a sua sempre presente vontade de ajudar a toda a gente que ele encontrava precisando de auxílio.

À noite, contava-me ele, passava muitas vezes na zona onde se encontrava o consulado português. E tentava ajudar indivíduos que tinham passado as fronteiras a pé, enganados por passadores que tinham ficado com os seus dinheiros ... e por ali se encontravam, procurando trabalho ou alguém que os ajudassem.

Numa ocasião encontrou três indivíduos, cheios de sede bebendo água na fonte pública; para logo se aperceber que esses três indivíduos andavam à procura dum seu irmão. Que quando chegassem a Paris, assim lhes haviam recomendado que procurassem esse seu irmão … Esse encontro marcou-o.

Mas Washington e Nova Iorque eram o seu sonho. Veio e depois de uns tempos em Washington veio para Nova Iorque e começou a trabalhar para Morris Bergreen, de quem me lembro bem. Era frequente suceder os mordomos precisarem de auxílio para ocasiões especiais nas casas onde trabalhavam e de repente a minha ajuda começou a ser pedida também. A minha experiência de mordomo para a Senhora Onassis (Jaqueline Kennedy Onassis) era apreciada e foi assim que comecei a conhecer os mordomos portugueses de Nova Iorque.

Logo me apercebi que os mordomos portugueses eram a elite dos mordomos e os mordomos da elite de Nova Iorque. Facto que me me veio a ser de ajuda preciosa nas causas e envolvimentos em que me meti , pois muitas vezes era através deles que eu conseguia chegar às pessoas que pela sua influência podiam "fazer a diferença". O que sucedeu muitas vezes como sabe. Mas tudo começou pelo António Rodrigues.

Até ao ano 2000 ele trabalhou como mordomo para o banqueiro Edmond Safra, que o estimava muito. A sua morte repentina e trágica , vítima dum incêndio no Mónaco, causado por um mordomo, abalou-o profundamente e ele resolveu deixar tudo e voltar para Portugal. E não quis voltar mais.

Quando eu ia a Portugal o António acompanhava-me muitas vezes aos meus “encontros", fossem eles familiares ou encontros de camaradas da Guiné e portanto é natural que alguns camaradas nossos ainda se lembrem dele. Por isso se quiseres fazer uma menção dele no nosso blogue, não será de todo impertinente.

Junto algumas fotos que te poderão ser úteis, se quiseres aproveitar alguma. Eu sei que as minhas fotos são de pouca qualidade. Talvez encontres muito melhores de outras fontes que até já terão aparecido no blogue.

Se escreveres algo, podes então dar a conhecer que hoje mesmo providenciei uma "missa de sétimo dia”, para o próximo domingo, como segue:

Info: sobre a "missa de 7º dia”:

Próximo domingo, dia 29 Setembro às 10.30 AM

Endereço:

na Igreja de S. Cyril, 62 St. Marks' Place em Nova Iorque.



É uma pena que muitos dos seus colegas destas lutas já tenham partido. Agora somos todos “voluntários" na linha da frente, com boa ou má vontade…

Para os que ainda cá estamos, convidamos quem puder a participar nesta missa. Depois da missa podemo-nos reunir no salão para um café , um pequeno refresco ou talvez mesmo só um abraço de mutuo apoio. Por mim preciso bem dele.

Crescido no meio de uma família numerosa, em que eu fui o único rapaz , ele foi para mim aqui nos Estados unidos "o meu irmão mais velho" que eu nunca tive. Sei bem que tenho muitos “irmãos" em Portugal como felizmente tenho ainda aqui. Mas... custa tanto tanto perder um amigo!


Um grande abraço,

João
===============

Legendas: 

As 1ª e 2ª fotos não precisam legenda: elas falam por si. 

 A 3ª foto foi tirada no 10º aniversario da paragem da barragem: no meio o então dono dos vinhos “Ervamoira” cuja quinta ia ficar completamente submergida pelas águas da planeada barragem. 

A 4ª: na Casa do Passal em Setembro de 2004: início de remoção do lixo, ainda antes de começarmos a pensar sequer em reparar o telhado.

Foto nº 5: para o nosso casamento (meu e da Vilma)  ele veio a Nova Iorque.

Foto nº 6: Capa da brochura Lameta : na foto, eu e ele muma manifestação contra a ocupação de Timor pela Indonésia. 

Sem comentários: