segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Guiné 63/74 - P12673: Manuscrito(s) (Luís Graça) (18): Gostei de voltar a Tavira (Parte I): A estação da CP














Tavira > 2 de fevereiro de 2014 > Estação da CP


1. Julgo que não  mudou muito, a estação da CP, no Largo de Santo Amaro, a escassas centenas de metros do quartel da Atalaia (onnde ficava o CISMI - Centro de Instrução de Sargentos Milicianos)... Lá está o velho relógio para mostrar que o comboio nunca chega(va) à tabela, os azulejos, os bancos de madeira... Os carris são novos... Ronceiro é o comboio, ronceira era a vida da gente...

Levávamos um dia a chegar até aqui... Quem vinha da Oeste estremenho, como eu, das Caldas da Rainha, do Bombarral ou de Torres Vedras,  apanhava a linha do Oeste, até Lisboa, estação do Rossio; depois um "cacilheiro" até ao Barreiro, linha do Alentejo, linha do sul, linha do Algarve... Não me perguntem as estações: sabia-lhas de cor e salteado quando fiz o exame da 4ª classe, na Lourinhã, e depois o exame de admissão ao liceu, em Lisboa ... As estações do caminho de ferro, os rios e os seus afluentes... O que eu já não me lembrava era do Rio Séqua  que muda de nome para Rio Gilão ao chegar à ponte romana da cidade deTavira. Vem lá  Serra do Caldeirão... Sabia, isso sim, que o Gilão desagua na Ria Formosa,  no sítio das Quatro Águas, para onde fui/fomos  muitas vezes em marchas forçadas, para chafurdar nas salinas, como parte do programa de instrução militar de qualquer valoroso e brioso miliciano, com altíssima probabilidade de ir molhar os "cueiros" às bolanhdas da Guiné...

O interior da estação tem um ar mais lavado, um painel de azulejos, pintados à mão,  com a mítica ponta romana sobre o Rio Gilão cujo empredado também ajudámos a polir, e em segundo plano a bela Tavira do casario branco e das torres das igrejas... Destaque para a torre sineira  da Igreja de Santa Maria do Castelo, construída no séc. XIII, no local da primitiva mesquita, no recinto amuralhado do velho castelo... Não tenho a certeza, mas paraceu-me que o gigantesco relógio, quando por lá passei, no largo do Abu-Otmane, estava parado desde esse longínquo dia em que deixei Tavira, a caminho de Castelo Branco, no BC6, já com o posto de 1º cabo miliciano, nos princípios do ano de 1969...

Lá fora, à saída da estação, um conjunto escultórico, em bronze, em forma de dois "cata-ventos": ele, o militar que diz adeus, talvez definitivo e com um nó na garganta; e  ela, a linda morena de Tavira que ficava, em terra, e quem sabe,,, com uma sofrida história de amor para contar, 40 anos depois aos seus netos...

O trabalho artístico data de 2001 e é da autoria do artista belga Francis Tondeur. É uma homenagem do município de Tavira à "memória militar" da cidade cuja origem se perde nos tempos em que fenícios,  e depois romanos, e depois mouros, e depois cristãos lhe deram corpo e alma... É uma belíssima e sentida homenagem ao "passado militar [mais recente] da cidade, embelezando com os cata-ventos que marcam o movimento, a luz e a dinâmica dos contactos desta terra"...

A Alice Carneiro e os meus cunhados Nitas (irmã da Alice) e Gusto acompanharam-me neste fim de semana de "regresso ao passado", às minhas já desfocadas  recordações do tempo de tropa que aqui passei. Fiz, no quartel da Atalaia, no CISMI, a especialidade de armas pesadas de infantaria, no último trimestre de 1968...  Fiz questão de redescobrir e revisitar o trajeto e os lugares...

Em Tavira já tinha passado algumas, em férias, como apressado turista, mas nunca com a intenção de revisitar os lugares da minha memória de miliciano...  São memórias (manuscritas) que ficam para os próximos postes... 

Fotos: © Luís Graça (2014). Todos os direitos reservados.

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Nota do editor:

7 comentários:

Henrique Cerqueira disse...

Tavira
Já aqui comentei que foi a minha pior experiencia de vida militar.
Conto assim um pequeno episódio logo na minha receção a Tavira.
- Viemos em 1971 os recentes recrutas das Caldas da Rainha para Tavira tirar a especialidade. Como chegamos a Tavira por volta das 21:00 horas já não havia jantar para a malta e então muito "convenientemente" para o exército foi-nos excecionalmente permitido licença de sair até á meia-noite. Lá formamos uns grupinhos e fomos aos cafés tentar aconchegar o estômago. Num dos cafés alguém da malta tinha no saco uma lata de salsichas e toca a perguntar ao dono do café se nos podia aquecer a lata e nos fornecer pão para acompanhar. O dono (que por acaso era um Sargento como em quase todo o comércio da altura estava nas mãos de sargentos ou oficiais do Q.P.)então ele logo disse muito solicitamente que sim senhor e que entendia a nossa causa (falta de dinheiro).Lá comemos as salsichas e torradas de pão de forma e uns sumitos. No final o tal "simpático dono" debita-nos doze cachorros quentes. Nós reclamamos... e a seguir fomos passar o resto da noite á prisão do quartel e fomos obrigados a pagar os tais cachorros. O Sargento até era do quartel e por mero acaso também tinha uma tasca quase em frente ao quartel que mais tarde vim a descobrir que alguma comida do refeitório era estrategicamente desviada para os petiscos que lá vendiam aos instruendos ...logo se vê.
Enfim naquela altura a maioria dos civis comerciantes ou não viviam as custas dos instruendos e não tinha pejo nenhum em explorar a malta. Em alguns casos até os pais com filhas casadoiras as enfiavam pelos olhos dentro da malta . Não sei se lembram dos "Casamentos de Parada" tão famosos em Tavira.
Pra juntar á "Festa" a grande maioria dos oficiais e sargentos de instrução em Tavira eram desumanos e desrespeitadores (isto para ser brando nos adgetivos ). Creio que hoje em dia será diferente, mas para mim Tavira nunca mais em termos pessoais.
Henrique Cerqueira

José Marcelino Martins disse...

Saudades de Tavira e do Rio Séqua.

Luís Graça disse...

Henrique:

Obrigado pelo teu comentário... Dois meses e meio, em Tavira, na tropa, em finais de 1968, não dão para viver e guardar na memória grandes peripécias, paixões, amizades, acontecimentos galvanizantes, figuras marcantes, lugares...

A instrução era puxada, e o corpinho ressentia-se...

Lembro-me do meu comandante, o tenente Esteves, um típico militar da época.. lembro-me de ouvir falar do Robles e do Trotil, mas não sei se ainda lá estavam nessa altura...

Lembro-me isso, sim, de um filho da puta de um alferes instrutor, dos vellhinhos, algarvio, que nos humilhava, obrigando-nos a chafurdar na merda da feira do gado, enquanto namorava, à janela,, uma gaja da terra...

Lembro-me do idiota do comandante do RI1 (coronel do tempo da guerra do Solnado...) que nos proibiu a inauguração de uma exposição (documental) sobre a a II Guerra Mundial com o argumento, tonto, de que para guerra já bastava a nossa, lá no ultramar...

Lembro-me da velha e anafada prostituta, andaluza, de olho azul, que morava perto do quartel da Atalaia, e que tirava os três aos infantes...

Lembro-me da amázia (?) de um sorja ou de um tenente qualquer que nos acompanhava nos exercícios de campo, vendendo-nos sandochas e bebibas... Acho que tinha uma carroça...

Tavira era triste como era triste o meu/nosso país em 1968... Não sei se lá chorei, mas devo ter rangido os dentes, algumas vezes. De raiva...

Dos "casamentos na parada" ouvi falar, mas não sei se era lenda... Nunca assisti a nenhum, ou então nunca liguei... A verdade é que aquelas miúdas, de sangue fenício, romano e bérbere, eram verdadeiros "lança-chamas"...

Concordo com o teu juízo: os nossos instrutores, na tropa, na época, estavam longe de ser as melhores pessoas do mundo... Acho que merecíamos muito mais e melhor, aqueles de nós a quem calhou, na rifa, a fava da Guiné... Alguns eram mesmo uns pobres diabos, sádicos, prepotentes, mesquinhos, fanfarrões, boçais, incultos... que nem para soldados básicos eu os queria na Guiné...

Henrique Cerqueira disse...

Camarada Luís Graça.
Retratas na perfeição tudo aquilo que se passava na altura. E olha que não me queixo da dureza da verdadeira (?)instrução, mas tão somente de pessoas e te digo mais que houve mais senas de Desumanidade praticadas por instrutores nossos uma das muitas que me aconteceu foi por exemplo em plena serra do Caldeirão eu estar com tanta fome que de noite arrisquei uma sortida junto da cozinha de campanha e apanhei uma terrina com patas de galinha e pescoços(penso que aí no sul lhe chamam de pipis?)que eram para as petiscadas dos tipos e vai daí comi aquilo tudo mesmo cru . Já para não voltar a falar de humilhações praticadas por oficiais milicianos e sargentos durante essas noites de semana de campo. Ainda hoje com 64 anos e bem vacinado contra comportamentos erróneos eu me arrepio todo e ao ler o teu comentário eu me emocionei. Infelizmente eu associo Tavira as esses comportamentos selváticos que na altura se praticavam em alguns dos quarteis que nos deveriam transformar em Homens preparados para defender o país. Mas não o fizeram e nada ,absolutamente nada me ensinaram que pudesse aproveitar para a vida militar. Ou seja talvez me tenham apurado muito mais o meu instinto de sobrevivência ,daí eu já ter escrito mais que uma vês que na Guiné eu tudo fiz para " VIVER E SOBREVIVER " . Quem quiser que entenda como melhor achar.
Luís desculpa lá mas isto hoje deu mesmo para o desabafo.
Um abraço
Henrique Cerqueira
Como sempre não reparem muito na escrita porque como é meu hábito escrevo com o coração nas mãos e ao correr da "pena"

Henrique Cerqueira disse...

NOTA:
Em relação aos casamentos na parada eu penso que era no sentido figurado. Mas na verdade a malta era obrigado a casar por ordem militar e em Tavira quando os paizinhos se iam queixar que as suas "donzelas" tinham sido "desonradas" por este ou aquele instruendo. Aconteceu pelo menos com dois camaradas meus. Daí se dava o nome de "Casamento na parada".
Agora um aparte. As miúdas Algarvias da altura até que eram tentadoras, lá isso eram .
Henrique Cerqueira

Cesar Dias disse...

Luis, também eu estive 6 meses em Tavira, recruta na 3ª Companhia e na especialidade de Sapador na 2ª Companhia, e pelos vistos estivemos no mesmo turno, com o tal tenente Esteves do qual me recordo como se divertia ao anunciar á sexta feira os cortes nos fins de semana "o militar é a parte válida do povo e como tal não há fim de semana para ninguém". Eu penso que ficámos retidos algumas vezes porque foi nessa altura que Salazar caiu da cadeira. Sobre esse Alferes, lembro-me que era Algarvio e também dava instrução de provas fisicas ao meu pelotão, deves-te lembrar do meu pelotão, pois andavam todos com um estropo de corda ao ombro, fazia parte da farda. Tudo o que referes avivou-me a memória já muito fraca, mas foi a parte de Tavira que conheci.
Um abraço
Bem hajas

Jose(ma) Manuel Lopes disse...

Estive em Tavira, 3 meses. Recordo os bons e maus momentos que lá passei, o alferes Luz, algarvio, que nos deu cabo do coiro e do juizo.
Recordo que estive 3 meses sem ver o meu Douro, meus pais e irmãos, no principio com a desculpa que a Régua era muito longe, e quando o comboio lá chegasse estava na hora de apanhar o de regresso.(ainda havia comboios), depois porque aprendi a gostar do Algarve, das sua praias, da agua quente daquele mar, das lindas meninas queimadas pelo sol e até porque melhorei muito o meu ingles aprendido no liceu. Foi bom e há...!? ainda não tinha 20 anos!!!