domingo, 26 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1318: Xime: uma descida aos infernos (2): Op Abencerragem Candente (Luís Graça, CCAÇ 12)

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Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Xime > 1972 > Obus 10,5 (ou 105 mm). No aquartelamento do Xime, existiam três obuses deste calibre e um morteiro 81 m/m. Eram estas as armas pesadas que existiam em 1972. As mesmas que existiam em 26 de Novembro de 1970.

Foto: © Sousa de Castro (2005). Direitos reservados.


Extractos da História da CCAÇ 12: Guiné 69/71. Bambadinca: Companhia de Caçadores nº 12. 1971. Cap. II, pp. 41 a 43 (Vd. abreviaturas em anexo).

Texto revisto e anotado por L.G. (1):


(17) Novembro/70: Violenta reacção do IN à penetração das NT em Ponta do Inglês durante a Op Abencerragem Candente

Embora se admitisse que o seu dispositivo no Sector L1 [correspondente ao triângulo Xime-Bambadinca-Xitole] tivesse sofrido importantes alterações, uma vez que se havia manifestado fracamente nos últimos meses, em especial no subsector do Xime, o IN não deixaria, no entanto, de reagir violentamente à penetração das NT em Ponta do Inglês no decurso da Op Abencerragem Candente, causando 6 mortos e 9 feridos [O aquartelemento da Ponta do Inglês, controlando a entrada no Rio Corubal, tinha sido abandonada por decisão do brigadeiro Spínola, logo no início do seu consulado, no último trimestre 1968].

Participaram nesta operação as seguintes forças, constituindo 3 Agrupamentos [num total estimado em cerca de 250 homens]:

(i) a CCAÇ 12 (sedeada em Bambadinca, ao serviço do BART 2917), a 3 Gr Comb (2° e 4º);

(ii) a CART 2715 (aquartelada no Xime), também a 3 Gr Comb;

e (iii) a CART 2714 (aquartelada em Mansambo), a 2 Gr Comb.

A missão era patrulhar a área definida pelo RGeba-Corubal-Buruntoni-Canhala a fim de:

(i) explorar eventuais vestígios IN;

(ii) deixar vestígios da passagem das NT e panfletos de acção psicológica;

e ainda (iii) contactar com a população desarmada, convidando-a a apresentar-se.

Os 3 Agrupamentos actuariam independentemente e por itinerários diferentes mas de modo a apoiar-se em caso de necessidade: Agr A (CART 2714), Agr B (CCAÇ 12) e Agr C (CART 2715).

No planeamento da operação, o Agr B faria a nomadização da região compreendida entre o RGundagué e a estrada (interdita) Xime-Ponta do Inglês, montando emboscadas durante a noite na área de Darsalame Baio e reunindo-se ao Agr C no nosso antigo aquartelamento da Ponta do Inglês, enquanto este bateria a região compreendida entre a referida estrada e o RCorubal, emboscando-se na área do Poindon.

Notícias de elevada classificação admitiam que o IN tivesse retirado do Sector 2 [também conhecido por região do Xitole e já na altura integrado na Frente Xitole / Bafatá ] dois bigrupos (Poindon e Baio) e um grupo de artilharia (Mangai).

De qualquer modo, depois da Op Boinas Destemidas [levada a efeito em Outubro de 1970 pela CCAÇ PARAS 123 na região de Ponta Varela, e da qual resultara a morte de sete guerrilheiros e a captura do respectivo armamento], o IN revelara-se apenas uma única vez (um grupo de 5 elementos tinha flagelado o Xime com armas ligeiras no mês anterior).

Desenrolar da acção:

A 25 [de Novembro de 1970], pelas 7h00, os Agr B e C saíram do Xime, no momento em que Mansambo era atacado com mort 82, LRockets e armas ligeiras por um grupo IN não estimado, atrasando a saída do Agr A.

Em Madina Colhido experimentaram-se os rádios, verificando-se que o do Agr B só ligava com Bambadinca e o do Agr C com o Xime, não havendo ligação entre eles [imprevidência, impreparação, incompetência, acrescednto eu] . Por outro lado, tentando-se também entrar em ligação com o PCV [posto de comando volante], esta não foi conseguida, uma vez que a frequência terra-ar que fora atribuída à operação não estava dentro das gamas de frequência da FA (!).

Em virtude disso, os 2 Agr foram obrigados a seguir juntos [grave erro!, direi hoje, pensando no comprimento de centenas de metros da coluna, em marcha, qual cobra sulcando o alto capim da savana arbustiva da região].

Depois de atingirem a Ponta Varela, contornaram a bolanha em direcção da antiga tabanca de Poindon, não tendo detectado entretanto vestígios recentes de presença IN nem de população. Ao escurecer, e quando as NT se preparavam para montar emboscadas, verificar-se-iam porém dois casos de intoxicação devido às conservas da ração de combate [!], pelo que tiveram de regressar ao Xime, aonde chegaram pelas 21h.

Entrando-se em contacto rádio com o comando de Bambadinca, a comunicar-se o sucedido e a pedir-se instruções, foram dadas ordens para os Agr B e C seguirem para a Ponta do Inglês pela respectiva estrada, ao raiar da madrugada do doutro dia [26 de Novembro], e aonde deveriam aguardar novas instruções [segundo erro, e este o mais grave!].

A 26, pelas 5.45 h da madrugada, iniciou-se de novo a marcha, tendo a progressão decorrido normalmente, e sem se notarem sinais de recente passagem nos trilhos do Baio e nas imediações do acampamento destruído durante a Op Boinas Destemidas em Xime 3C1-29.

Três horas depois, pelas 8.50h, já perto da Ponta do Inglês, o IN desencadearia uma violenta emboscada em L sobre a direita, precedida por um tiro isolado que foi confundido com um sinal de aviso duma eventual sentinela avançada, e que apanhou na zona de morte os 3 Gr Comb do Agr C [ CART 2715] e 1 Gr Comb (4º) do Agr B [CCAÇ 12].

Os primeiros tiros do IN, especialmente de LRockets, atingiram mortalmente o picador e guia do Agr B, Seco Camará, que ia na frente, e os quatro homens que o seguiam, incluindo um graduado [furriel miliciano Cunha], tendo ferido gravemente outro. Com rajadas sucessivas de LRockets e armas automáticas o IN, fixando as NT, lançou-se ao assalto sobre os primeiros homens, mortos ou gravemente feridos, conseguindo apanhar-lhes as armas, e só não os levando devido a pronta reacção das NT.

É de destacar aqui a acção heróica dos soldados Soares (CART 2715), que veio a ser mortalmente ferido, Sajuma (apontador de bazuca do 4º GR Comb/CCAÇ 12) que ficou ferido numa perna, e Ansumane (apontador de dilagrama, também do 4º Gr Comb/CCAÇ 12, ferido ligeiramente nas costas), que se lançaram ao contra-ataque, juntamente com outros camaradas e alguns graduados, a fim de quebrar o ímpeto do IN e de recolher os mortos e feridos.

O ataque durou cerca de 20 minutos, sendo a retirada do IN apoiada com tiros de mort 82 e canhão s/r (!) que incidiram sobre a estrada, e especialmente sobre os 2 últimos Gr Comb (1° e 2º) da CCAÇ 12, assim como rajadas enervantes de pistola-metralhadora, de posições que ainda não se haviam revelado, nomeadamente de cima das árvores.

Pelos elementos da frente foram ouvidos gritos de dor entre as fileiras do IN, tendo o rápido reconhecimento da zona confirmado que este deveria ter tido vários feridos e mortos prováveis [Esta parte do relatório era música, para não desmoralizar ainda mais as NT e sobretudo enganar o comando].

Em consequência da emboscada IN, uma das mais violentas de que há memória na região do Xime, pelo seu impacto sobre as NT, a CART 2715 [Xime] sofreu 5 mortos (l Furriel Mil) e 7 feridos, e a CCAÇ 12 teve 2 feridos (dos quais 1 grave, o Sold Sajuma Jaló), e 1 morto (o picador e guia permanente das NT Seco Camará, na altura ao serviço da CCS do BART 2917, e que do antecedente já tinha dado provas excepcionais de coragem e competência, tendo participado com a CCAC 12 em quase todas as operações a nível de Batalhão no Sector Ll).

Sob a protecçãodo helicanhão (que seguia para Mansambá no momento em que foi pedido o apoio aéreo), os 2 Agr regressaram ao Xime, com 2 Gr Comb do Agr B [1º e 2º da CCAÇ 12] a abrir caminho por entre a mata densa, 1 Gr Comb do Agr C [ 2715] a manter segurança à rectaguarda e os restantes empenhados no transporte dos feridos e mortos, tendo as heli-evacuações sido feitas numa clareira já perto de Madina Colhido e depois de percorridos mais de 5 Km, em condições extremamente penosas [No helicóptero vinha uma ou mais enfermeiras-paraquedistas].

Notícias posteriores [ não se indica a fonte...] admitiam que nesta emboscada o IN tivesse sofrido 6 mortos. Entretanto, desta reacção do IN contra a penetração das NT num dos seus redutos, concluiu-se que aquele foi excepcionalmente bem comandado porque:

(i) escolheu um local que por ser muito fechado dificultava a manobra;

(ii) utilizou pessoal em cima de árvores para ter uma melhor visão e comandamento sobre as NT;

(iii) tinha a retirada preparada com armas colectivas (morteiro, canhão s/r) que só se revelaram na quebra de contacto;

(iv) fez fogo de barragem, especialmente de LRockets, sobre o Gr Comb que seguia na vanguarda, permitindo lançar-se ao assalto.

O que o relatório do comandante da Operação, o segundo comandante do BART 2917, não faz (nem podia fazê-lo!...) era dar a mão à palmatória...


Durante este mês [de Novembro de 1970] a CCAÇ 12 continuou empenhada na segurança aos trabalhos de construção da estrada Bambadinca-Xime [a cargo da empresa TECNIL].

De 1 a 10 [de Novembro de 1970], o 2º Gr Comb esteve de reforço a Missirá juntamente com o Pel Caç 54, patrulhando e montando emboscadas na região de Sancorlã/Salà e margem do RCuio/RGambiel, com a missão de interceptar uma coluna de reabastecimento IN que, segundo notícias que não se vieram a confirmar, seguiria de Madina/Belel para a área de Bafatá.

Realizou-se ainda uma coluna logística até ao Saltinho.

Abreviaturas:

Agr = AgrupamentoBART = Batalhão de Artilharia
CART = Companhia de Artilharia
CCAÇ = Companhia de Caçadores
CCS = Companhia de Comando e Serviços
FA = Força AéreaGr Comb = Grupo de Combate
IN = Inimigo
LRockets = RPG, lança-granadas-foguetes
Mil = Miliciano
Mort = Morteiro
NT = Nossas Tropas
Op = Operação
Pel Caç Nat = Pelotão de Caçadores Nativos
PCV = Posto de comando volante (em geral, de avioneta Dornier)
R = Rio
s/r = (canhão) sem recuo
Sold = Soldado

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Nota de L.G.:

(1) Vd. post anterior, de 26 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1317: Xime: uma descida aos infernos (1): erros de comando pagam-se caros (Luís Graça)

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