quarta-feira, 29 de novembro de 2006

Guiné 63/74 - P1325: Memórias de Mansabá (7): O Comandante do COP6, Correia de Campos, e as Minas na Bolanha de Manhau (Carlos Vinhal)

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Guiné > Região do Oio > Mansabá > CART 2732 ( 1970/72) > Estrada Mansambá-Farim >O Carlos Vinhal e o Sousa à sua esquerda, segurando uma mina anticarro detectada a tempo e levantada.

Texto e foto: © Carlos Vinhal (2006), ex-Furriel Miliciano de Artilharia, com a especialidade de Minas e Armadilhas, CART 2732, Mansabá (1970/72).

Texto enviado a 3 de Novembro de 2006:


Minas na Bolanha de Manhau - 28 de Agosto de 1971

Como se tem falado, e bem, ultimamente do nosso Coronel de Cavalaria António Valadares Correia de Campos (1), vou contar um episódio onde eu e ele fomos intervenientes.

Em 10 de Agosto de 1971 chegou a Mansabá a CART 3417, companhia independente como a nossa, para fazer o seu IAO connosco. Faziam alguma instrução no quartel e, acções de patrulhamento e emboscadas no mato. A princípio integrados em pelotões da CART2732, em fase mais adiantada, sozinhos.


Correia de Campos, comandante do COP6

O comandante desta companhia era um capitão muito jovem, daqueles que a determinada altura começaram a proliferar pela Guiné em virtude do desgaste dos capitães mais velhos e com algumas comissões de serviço em teatro de guerra.

No dia 28 de Agosto de 1971, pela manhã, saíram para o mato acompanhados por alguns elementos do Pelotão de Milícias 253, para uma zona não muito distante, mais propriamente para a zona da Bolanha de Manhau, a leste de Mansabá.

Por volta das 13 horas dirigia-me eu à Messe para almoçar, quando o então comandante do COP6, Major Correia de Campos, encontrando-me na parada, me ordenou para eu avisar o oficial de piquete de que era preciso organizar imediatamente uma coluna auto para ir a Manhau e que o furriel de Minas e Armadilhas deveria ir também.


O capitão da CART 3417, vítima de uma mina A/P


O Major Correia de Campos acrescentou que o comandante da CART3417 tinha pisado uma mina antipessoal, precisando de evacuação urgente e que havia mais minas detectadas, pelo que era preciso neutralizá-las. Informei-o que era o meu pelotão que estava de piquete e que eu mesmo era o furriel de Minas e Armadilhas. Disse-lhe também que iria providenciar no sentido de que as suas ordens fossem cumpridas imediatamente.

Organizada a coluna, prontamente ele subiu para a viatura da frente. De pé, ao lado do condutor, com uniforme não camuflado e com os galões nos ombros, viajou até ao local para recolhermos o ferido e para eu me inteirar da quantidade de minas a neutralizar. O dia estava cinzento, caía uma chuva miudinha incessante e o percurso foi feito em picada por zonas de alto risco de contacto com o IN e de alta probabilidade de aparecimento de minas anticarro. Nem mesmo assim ele se protegeu da intempérie e das possíveis vistas do IN.

Chegados, deparámos com o capitão já assistido pelos enfermeiros da sua Companhia. Tinha já a perna garrotada e estava a soro. Vociferava contra a sua falta de sorte e estava visivelmente nervoso. O caso não era para menos. Era muito novo e tinha sido ferido logo na sua primeira comissão de serviço no Ultramar.

Como se pode depreender, o moral das tropas estava muito em baixo. Foram sujeitos à mais dura provação. O seu Comandante tinha sido, cedo de mais, vítima da guerra. Não estavam em condições de continuar a instrução daquele dia pelo que iriam regressar connosco.

Organizou-se a coluna de regresso ao quartel. O nosso Major e o sinistrado vieram na minha viatura. O percurso foi feito devagar para evitar solavancos exagerados.

O capitão recolheu à Enfermaria para ser devidamente tratado e esperar por um heli para o evacuar para o HM241. Eu fui aprontar o meu equipamento para voltar a Manhau a fim de rebentar as minas detectadas e trazer de volta os militares da 3417. A chuva continuava e a fome apertava, mas o dever obrigava.

Em Manhau rebentei três minas antipessoais e regressámos trazendo connosco o pessoal da 3417. Cerca das 15H00 pude comer qualquer coisa, requentada, só para não ficar em branco.


Uma coluna auto até ao HM241, em Bissau e, e regresso a Mansabá: um pesadelo de 200 quilómetros


Cerca das 17h00 veio a ordem do nosso Major Correia de Campos para evacuar o Comandante da CART 3417, em coluna auto, uma vez que a chuva não abrandava e os helicópteros não tinham condições para levantar.

O melhor que puderam, os enfermeiros acondicionaram o capitão numa das viaturas, para que a viagem de quase cem quilómetros até Bissau (!), debaixo de chuva intensa, se tornasse para o ferido o menos penosa possível. Só pedíamos a Deus que não tivéssemos nenhum contacto com o IN até Mansoa, porque então seria o bom e o bonito. Já bastava a chuva para complicar. O estado geral do sinistrado não era muito bom, porque já tinha passado bastante tempo desde a triste ocorrência. As horas de sofrimento físico e psicológico somavam-se.

Lá nos pusemos a caminho em marcha moderada, convencidos de que só iríamos até Mansoa. O normal seria as tropas dali continuarem até Bissau, mas não. Constatámos que não estava prevista nenhuma coluna a partir dali, pelo que com muita resignação, espírito de sacrifício e altruísmo, continuámos nós a viagem até ao HM241 onde chegámos cerca das 18H30. A viagem não se pôde fazer em velocidade elevada para não fazer sofrer ainda mais o ferido.

Voltámos tão rápido quanto possível, porque a noite já ia alta. A chuva que nos tinha acompanhado até Bissau, continuou até Mansabá.

Voltando ao senhor Coronel Correia de Campos, quem sou eu para enaltecer a sua figura? Sei apenas que era chamado para as situações mais complicadas no CTIG. A determinada altura deixou o comando do COP6 para assumir o comando noutra zona complicada da Guiné onde a sua presença era mais necessária.


Carlos Esteves Vinhal
Ex-Fur Mil Art Minas e Armadilhas
CART 2732
Mansabá, 1970/72 (2)

Leça da Palmeira
Matosinhos

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Notas de L.G.:

(1) Vd. post de 2 de Novembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1235: Coronel Correia de Campos: um homem de grande coragem em Sambuiá e Guidaje (A.Marques Lopes)

(2) Vd post de 18 de Abril de 2006 > Guiné 63/74 - DCCXI: Breve historial da CART 2732 (Mansabá, 1970/72) (Carlos Vinhal)

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