quarta-feira, 22 de novembro de 2023

Guiné 61/74 - P24872: Historiografia da presença portuguesa em África (395): O problema das florestas da Guiné portuguesa, anos 1950 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
É bem conhecido que desde a governação de Sarmento Rodrigues havia a preocupação permanente de enviar missões científicas à Guiné, desde a antropologia à saúde, à investigação das potenciais riquezas do subsolo, é bem farta a lista de publicações destinadas a identificar problemas e a propôr soluções. Creio que esta contribuição para o estudo do problema florestal da Guiné suscitará mais do que curiosidade, poderá permitir aos ambientalistas e aos silvícolas guineenses uma fundamentação para a denúncia das derrubas que se fazem no país por pura ganância.

 As denúncias são bem claras: a mais célebre superpotência comercial da Ásia, que se diz amantíssima da paz e fiel amiga do progresso dos povos, socorre-se de intermediários que compram à socapa ou às claras estas preciosas madeiras exóticas que serão transportadas para satisfazer as necessidades das classes possidentes chinesas. Toda a gente sabe o que se passa com o drama florestal da Guiné, mas o melhor é não falar na questão, ela dá réditos valiosos a quem permite este tráfico criminoso.

Um abraço do
Mário



O problema das florestas da Guiné portuguesa, anos 1950

Mário Beja Santos

Este livro intitulado Contribuição para o Estudo do Problema Florestal da Guiné Portuguesa, editado em 1956 pela Junta de Investigações do Ultramar, interessará essencialmente aos engenheiros silvícolas e aos agrónomos em geral, mas espelha uma realidade das florestas do tempo, terá certamente a sua chamada de atenção para os peritos de hoje, assoberbados com a gravidade do problema florestal, sujeitos a ameaças de ganância e a pressões ambientais de elevada intensidade. 

Aquele trabalho da brigada de estudos florestais que se deslocou à Guiné portuguesa nos primeiros meses de 1954 tinha a intenção de ali realizar os primeiros estudos concretos sobre o reconhecimento florestal da Guiné, a produção madeireira já era muito apetecida; e havia também a incumbência de avaliar o comportamento do complexo ecológico perante a alteração mais ou menos profunda do coberto florestal. 

Como acontece em muitos destes estudos, da ambição de muito fazer, havendo pouco tempo, os peritos limitaram-se às regiões florestais de Farim e do Cantanhez, justificando Farim pelo comprovado valor económico e o Cantanhez pela sua tão especial composição florística e fisionomia.

Falando das regiões climáticas da Guiné, os autores lembram que há duas grandes zonas climáticas: Sahelo-sudanesa e Sahelo-guineense. A Guiné integrar-se-á nas duas sub-regiões climáticas daquelas zonas, Baixo Casamansa e Guineense Marítima. O clima do Baixo Casamansa é uma variante marítima do clima Sahelo-sudanês, tal como o clima Guineense Marítimo é uma variante marítima do clima Sudano-guineense. 

Os autores dissertam longamente sobre as parcelas de estudo, obviamente que não podem abdicar da sua terminologia técnica, aqui dispensável. Reportam que o território da Guiné é ocupado na maior parte da sua área por um tipo de vegetação que se engloba na “formação aberta” do tipo da “floresta seca aberta”. E adiantam: 

“Esta formação, bastante complexa e com muitas variantes florísticas, é caracterizada principalmente pela sua fisionomia, em que predomina um estrato arbóreo de 20 a 30 m de altura, relativamente espaçado, um estrato arbustivo, frequentemente muito denso”; lianas e cipós, hoje muito pouco representados.

Quanto ao caráter florestal, concluem ser o bissilão a essência que tem maior interesse, pela sua elevada frequência e valor económico; o pau de sangue é também notável pela sua abundância; o pau-incenso é uma essência de grande porte. Refere igualmente o pau-de-sangue-branco, a tabá (uma essência que consideravam extremamente importante na biologia da floresta), não esquecendo a farroba de lala.

Analisando o equilíbrio entre a floresta e a presença do Homem, destacam o amendoim, então a principal fonte de riqueza da província, não deixando de observar:

“Sendo importantíssima a sua cultura, é curioso notar que algumas das características mesológicas não são das melhores para tal cultura; no entanto, esta cultura tem toda a tendência para se expandir e é, em nossa opinião, uma das causas do empobrecimento florístico da província, devido ao sistema de agricultura itinerante que se utiliza.

" Tais processos culturais constituíam, antes de a agricultura indígena ser chamada aos produtos de exportação o método mais cómodo eficiente pelo prolongado período de pousio que dava à terra, permitindo o retorno da floresta. Hoje as terras não têm pousio suficiente e daí resulta um desequilíbrio que se traduz na intensa laterização do solo, simultaneamente com o profundo empobrecimento florístico. Ao estabelecer as suas lavras de mancarra, o indígena lança fogo à floresta, não cuidado em limitar a área da queimada somente ao terreno de que necessita, pelo que, uma vez queimadas as pequenas árvores e arbustos que protegiam os solos, fica aberto o caminho para o estabelecimento de um estrato muito denso de gramíneas, que em muito inibem a possibilidade da regeneração florestal.”

E traçam um vaticínio algo pessimista:

“O futuro da riqueza florestal da província apresenta, quanto a nós, perspetivas pouco animadoras, pois, por razões várias, a regeneração natural não permite a manutenção das essências valiosas, nem ao menos no seu nível atual.”

E chegam à previsão que dentro de 40 anos o bissilão correrá o risco de ter praticamente desaparecido da floresta guineense. 

"Havia, pois, de encarar a realidade do empobrecimento da floresta da Guiné, propondo: limitar os seus funestos efeitos, condicionando as queimadas; delimitar determinados lotes de terreno e retirar de todo o direito do seu uso; proceder a repovoamento florestais de essências valiosas.”

E escalpelizam os elementos do que deveria ser uma política eficiente contra o uso tradicional e incontrolado das queimadas.

“A ilha de Bolama, hoje uma savana, é exemplo frisante do empobrecimento ambiental de que vimos falando. Ainda seria possível multiplicar estes exemplos alargando as nossas considerações a outras regiões da Guiné, como sejam as regiões interiores do Gabu e do Boé, onde o maior relevo e menor pluviosidade são fatores que facilitam a citada degradação; é necessário estabelecer uma larga rede de proteção florestal, judiciosamente escolhida, de modo a definir quais os terrenos que deverão ser entregues à agricultura ou os que deverão ser entregues à exploração florestal.”

Já no termo do seu trabalho, os autores estimam que era possível adotar “reservas florestais”, sem se correr o perigo de prejudicar a natural expansão da área agrícola e de exploração madeireira da província. E abonam a seguinte argumentação: 

“Além destas reservas florestais de caráter geral, deverão ser estabelecidas ainda reservas integrais de proteção da fauna e da flora. É evidente que na Guiné estas reservas integrais não poderão ser muito extensas. Deverão ser estabelecidas sempre que haja qualquer tipo de flora que, pela raridade ou composição florística, ou, ainda, pela riqueza ou raridade da fauna, seja útil preservas da destruição. São exemplos destas reservas integrais a mata de Umpacaca, pelo seu raríssimo povoamento de pau-ferro, a mata do Cantanhez, pelas suas características de floresta com fácies higrófila, talvez a região mais setentrional do tipo da floresta densa do golfo da Guiné e a lagoa de Cufada, pela sua rica avifauna.” 

Alertam para os riscos que corria a mata do Cantanhez perante o assalto das derrubas agrícolas.

Enfim, uma obra que merecia estar nas bibliotecas dos agrónomos guineenses que se debatem com terríveis problemas para os quais, na generalidade dos casos, não têm o apoio político que o gravíssimo problema florestal guineense justifica

Imagem retirada do livro em análise
O poilão
O transporte de madeiras na Guiné-Bissau, os ativistas e ambientalistas do país contestam a liberalidade desta comercialização
Imagem do Pau de Sangue
O caju
Edição do Instituto da Biodiversidade e das Áreas Protegidas Dr. Alfredo Simão da Silva, Bissau, 2019
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Nota do editor

Último poste da série de 15 DE NOVEMBRO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24852: Historiografia da presença portuguesa em África (394): "Cabo Verde, Formação e Extinção de Uma Sociedade Escravocrata (1460-1878)"; Obra de referência para a História de Cabo Verde e da Guiné, Porventura a investigação de maior envergadura de António Carreira (2) (Mário Beja Santos)

2 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Mário, muito oportuna esta recensão bibliográfica.

Já em 2008, quando voltei a Guiné (pela última vez...), vim de lá muito triste: da floresta-galeria só vi alguns troços no Cantanhez, as bolanhas e savanas da zona leste muito degradadas, o caju a substituir a mancarra ( a "semente do diabo", como lhe chamavam no nosso tempo).

Tenho que reconhecer com mágoa que os neocolonialistas são muito mais predadores do que aqueles a quem andávamos a defender as costas... E a bolsa. LG

Antº Rosinha disse...

Eram as madeiras e os petróleos em Angola, os movimentos (os chefes)tinham consciência
perfeita da nossa incapacidade para explorar aquelas riquezas que estavam ali a mão de semear.

A nossa falta de iniciativa empresarial era alvo de chacota (nas colónias imitando a piada do português, à brasileira).

Os estudantes do império que conheciam bem a "atrasada metrópole", mas também os estudantes do Salvador Correia e outros liceus, já nos anos 50 viam muito negativamente as Missões que Beja Santos fala.

De facto iam desde agrónomos, geólogos...relatórios, bla-bla-bla mas desenvolvimento nada.

A boca mais usual, era que nós tomamos conta disto que governamos melhor.

E alguma razão tinham, não na governação mas na exploração, não há dúvidas.

A verdade é que se colonizou mais nos últimos 13 anos do que no resto dos 500 anos.

Mas isto das madeiras, o PAIGC aproveitos as máquinas monstruosas Volovo dos seus amigos suecos.