segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23041: Notas de leitura (1424): "Portugal no Mundo"; Publicações Alfa - Um pouco da Guiné na obra de Luís de Albuquerque (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Junho de 2019:

Queridos amigos,
É vasta a linhagem de grandes historiadores que se debruçaram sobre os Descobrimentos, basta pensar em Duarte Leite, Damião Peres, Fontoura da Costa, Teixeira da Mota, Vitorino de Magalhães Godinho e Luís de Albuquerque. O trabalho de cúpula deste último foi um conjunto de seus volumes intitulado "Portugal no Mundo", editado pelas Publicações Alfa poucos anos antes do seu passamento. Faz-se aqui referência ao segundo volume deste importantíssimo trabalho, pedindo a atenção do leitor para as viagens de reconhecimento de Fernão Gomes e os primeiros contactos com os povos da Guiné, historiograficamente ainda há muitos pontos em dúvida mas parece claro que depois de um período de puro assalto e captura, que acarretou uma profunda hostilidade dos autóctones, o Infante D. Henrique e os seus sucessores entenderam que a única via era a negociação com os potentados, o que aconteceu e assim se lançaram as bases da presença portuguesa na costa ocidental africana.

Um abraço do
Mário


Um pouco da Guiné na obra de Luís de Albuquerque (1)

Beja Santos

Em 1989, as Publicações Alfa deram à estampa o maior empreendimento editorial da responsabilidade desse grande historiador dos Descobrimentos que foi Luís de Albuquerque, falecido em 1992. Foram seis volumes que abonam a sapiência deste investigador e revelam a sua portentosa capacidade de coordenar projetos científicos de grande envergadura. É precisamente no segundo volume que Luís de Albuquerque e prestigiados colaboradores referem a contextualização histórica do primeiro período da presença portuguesa na Senegâmbia. Começa por dar especial relevo ao arrendamento do comércio da costa ocidental africana ao mercador Fernão Gomes, enquanto as viagens prosseguem para Sul. E escreve: 

“Dá-se por apurado, mas não é seguro, que entre 1462 e o contrato assinado pela Coroa com Fernão Gomes, em 1469, se suspenderam as navegações; isto é tanto mais incrível quanto é certo que então já tinham sido estabelecidos entrepostos comerciais entre a costa atlântica de África, sendo o da feitoria de Arguim um dos mais ativos”.

E, mais adiante: “Este período da colonização portuguesa inicia-se com uma decisão de certo modo estranha: o contrato que entregou o comércio da Guiné a um empresário privado, contra o pagamento de uma determinada renda anual que implicavam atividades marítimas”

E passa a descrever a narrativa das duas viagens de Cadamosto acrescida do relato de uma navegação de Pedro de Sintra, que se realizou entre novembro de 1470 e a segunda metade do ano imediato. Falecido o Infante D. Henrique, sucede-lhe o Infante D. Fernando, filho adotivo do Navegador e seu herdeiro, deu-se o achamento do grupo ocidental das ilhas cabo-verdianas. Há registo de expedições no rio Zâmbia e depois Luís de Albuquerque fala-nos de Fernão Gomes:

“Gomes não era um inexperiente no comércio com a África; na chancelaria de D. Afonso V conserva-se um documento com data de 1457 e já divulgado, em que este cavaleiro é autorizado ‘a mandar as suas mercadorias a Safim e à sua costa’. Quanto ao contrato de 1469, é desconhecido o diploma legal que lhe deu forma jurídica, mas sabe-se por João de Barros o que terá sido estipulado na sua redação inicial e por um instrumento autêntico da chancelaria de D. Afonso V as alterações, decerto vantajosas para os dois contratantes. Que motivos levariam o rei a tomar esta decisão? Não há resposta satisfatória. Esclareça-se que a medida de estabelecer uma área de costa para o comércio exclusivo dos habitantes de Cabo Verde – naturalmente, os habitantes vindos da Europa – foi tomada para incentivar o povoamento e a colonização e deve ter alcançado os resultados pretendidos. Fernão Gomes honrou os seus compromissos, e em particular quanto à cláusula que o obrigava a prosseguir os Descobrimentos"

E elenca o conjunto dessas viagens durante o reinado de D. Afonso V.

Passamos agora para o capítulo “Os primeiros contactos com os povos da Guiné”, também redigido por Luís de Albuquerque. Damos-lhe a palavra:

“Para abrir e depois incentivar as relações com os povos locais, o infante procurou por todos os meios ao seu alcance captar a boa vontade de alguns raros naturais daquelas regiões que decidiram embarcar nos navios portugueses para o visitar. A par deste procedimento, esforçou-se igualmente por motivar alguns dos que se afoitavam a fazer a viagem até à costa da atual Mauritânia. A viagem de rotina realizada por Antão Gonçalves em 1445 foi pouco rendosa em termos materiais. Gonçalves trouxe consigo para o reino um ‘mouro velho’ que manifestara grande vontade de se encontrar com o infante; satisfeito esse desejo, diz Zurara que foi devolvido à sua terra. Além disso, entre os companheiros do navegador contava-se um João Fernandes que andou sete meses pelo interior da África Ocidental, familiarizando-se com os costumes, a língua e o comércio dos seus habitantes, tendo depois regressado ao Reino, e sem dúvida com preciosas notícias. Zurara parece dar a entender que a exploração de João Fernandes foi consequência de uma decisão subitamente tomada pelo aventureiro, mas é mais de crer que ele agisse por indústria de D. Henrique ou de D. Pedro. Não obstante as informações trazidas por este homem, o comércio não recebeu de imediato qualquer impulso notável; os navios henriquinos progrediam para Sul e continuavam a trazer escravos e algumas mercadorias de menor valia (excetua-se, naturalmente, o ouro, que era obtido em pequeníssimas quantidades), mas não se lograva estabelecer entrepostos certos ou relações perenes com mercadores árabes ou azenegues”.

Diz Albuquerque não ilude o problema das fontes dos primeiros contatos dos portugueses na Guiné bem como o limite da costa que deve ser entendida por Guiné. Refere a Crónica de Zuzara, a Relação de Diogo Gomes e o Relato de Luís Cadamosto. Quanto ao entendimento do que era a Guiné, várias respostas são possíveis.

“Para Zurara, o topónimo parece abranger uma vasta área; do mesmo título do seu livro pode-se, sem forçar o seu alcance, inferir que o cronista entendia sobre essa designação toponímica tudo o que fora reconhecido no litoral africano sob a direção de D. Henrique; e como os limites das terras incluídas sob tal nome se não encerram com o falecimento do infante, teríamos assim que a Guiné se estendia desde o Cabo Bojador até ao Cabo Lopo Gonçalves, onde se pode considerar que termina o golfo do mesmo nome; a orla marítima ficaria assim definida pelos reconhecimentos feitos ao longo de quarenta anos (1434-1474), mas resta-nos ainda delimitar a zona da Guiné para o interior, tarefa que consideramos impossível, sem um estudo de fontes geográficas não portuguesas”.

Para Luís de Albuquerque não cabe o direito de restringir o topónimo Guiné ao território e à orla costeira da atual República da Guiné-Bissau e refere o importantíssimo estudo da responsabilidade de Teixeira da Mota sobre a datação do descobrimento da Guiné. O próprio Teixeira da Mota sabia que a palavra Guiné tinha um sentido muito mais vasto. Daí a importância dos trabalhos assinados por Zurara e Cadamosto para se procurar situar esta questão dos limites, Cadamosto é incontornável sobre o território percorrido e o que se pode entender como os seus limites. Trata-se de uma belíssima peça de investigação em que o autor prossegue com a Relação de Diogo Gomes, se bem que esta esteja eivada de defeitos e seja um tanto descosida. 

O historiador esforçou-se por dar ao leitor interessado uma ideia de como os primeiros contatos com os povos da Guiné se processaram, foram muitas vezes recebidos com hostilidade, houve que substituir a rapina à mão-armada e proceder à negociação com os potentados negros. E conclui dizendo que Diogo Gomes e Cadamosto terão sido os grandes diplomatas para a implantação dessa nova maneira de agir. A partir das suas viagens, a costa da Guiné ficava aberta ao comércio português, subia-se o rio Senegal até 800 quilómetros da foz, Diogo Gomes iria da boca do Gâmbia a Cantor, a 400 quilómetros de distância; antes de 1485 atingiram Tombuctu e mais tarde a região do Songo. 

“A vasta área da Guiné abria-se assim, até ao final do século XV, à colonização portuguesa, que foi eficiente durante aproximadamente um século. Depois foram a pouco e pouco chegando os concorrentes e passou-se também a um comércio indiscriminado e indisciplinado, que não olhava a meios para obter lucros”

Em próximo artigo vamos dar atenção a um trabalho de Maria Emília Madeira Santos sobre os “lançados”.

(continua)


Tombuctu
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Nota do editor

Último poste da série de 25 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23029: Notas de leitura (1423): “Pequenos Grandes Navios na Guiné” nos Anais do Clube Militar Naval, número de Janeiro/Março de 1998 (Mário Beja Santos)

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