Joaquim Jorge, Ferrel, Peniche.
Foto: Luís Graça (2015)
Brasão da CCAÇ 616 (Empada, 1964/66).
A divisa, em latim, "Super Omnia", quer dizer "acima de tudo".
Foto do álbum do Francisco Monteiro Galveia
(ex-1º cabo op cripto, vive em Fronteira)
CCAÇ 616 > Empada, 1964/66 > Pequeno resumo dos dois anos
em que estive na guerra (*)
por Joaquim Jorge
Parte II - 1964: O ataque ao quartel e às tabancas,
na noite de 16 de julho
Estávamos há quinze dias no nosso sector de actuação,12 de Abril de 1964, quando fomos atacados pela primeira vez. O inimigo manifestou-se com tiros de pistola metralhadora, espingarda e pistola.
No dia 20 de Abril, portanto oito dias depois, voltaram a flagelar o aquartelamento e a população, tendo sido novamente obrigados a retirar precipitadamente.
Na noite de 30 de Maio, à qual já anteriormente me referi e descrevi, eles cercaram-nos completamente e atacaram em força e intensidade e mais uma vez conseguimos levar a melhor. Foram muito importantes para o futuro da nossa Companhia estes três primeiros êxitos. Deram-nos confiança e impusemos respeito aos nossos opositores.
Entretanto, 'Nino' Vieira, acabara de ser nomeado pelo PAIGC comandante chefe militar da região sul da Guiné dos guerrilheiros e, por informações secretas, nós sabíamos que o seu primeiro objectivo, no seu novo alto cargo, era conseguir a destruição total de Empada e da CCAÇ 616, fazendo o maior número possível de mortos e prisioneiros.
Fomos fazendo patrulhamentos diários, fomos montando emboscadas noturnas, fomo-nos preparando cuidadosamente, fomos esperando e…
Na noite de 16 para 17 de Julho de 1964, foi toda a área abrangida pelo quartel e tabancas de Empada alvo de um ataque bem urdido e em força por parte do inimigo:
Entretanto, 'Nino' Vieira, acabara de ser nomeado pelo PAIGC comandante chefe militar da região sul da Guiné dos guerrilheiros e, por informações secretas, nós sabíamos que o seu primeiro objectivo, no seu novo alto cargo, era conseguir a destruição total de Empada e da CCAÇ 616, fazendo o maior número possível de mortos e prisioneiros.
Fomos fazendo patrulhamentos diários, fomos montando emboscadas noturnas, fomo-nos preparando cuidadosamente, fomos esperando e…
Na noite de 16 para 17 de Julho de 1964, foi toda a área abrangida pelo quartel e tabancas de Empada alvo de um ataque bem urdido e em força por parte do inimigo:
Fase inicial do ataque:
Precisamente ao soar das 22h00, foi lançado um "very-ligth" duma posição estimada a 800 metros do quartel, na direcção leste, junto à estrada que vai para Buba e para Catió.
Imediatamente foram ouvidas, partindo sensivelmente do mesmo local, oito detonações características de morteiro, cujas granadas, passando sobre a área do quartel e tabancas, foram explodir a cerca de 250 metros da última tabanca do lado oeste, todas perto umas das outras.
Após essas granadas, começaram a “cantar” as metralhadoras, pistolas metralhadoras e pistolas inimigas, com uma ou outra granada de mão, fazendo um ruído ensurdecedor. Depois das referidas granadas de morteiro, este não mais se fez ouvir. Durante a primeira hora do ataque o inimigo revelou um enorme poder de fogo, que diminuiu sensivelmente nas horas seguintes até ao final do ataque.
Dispositibo e progressão do inimigo:
Dispositibo e progressão do inimigo:
O dispositivo de ataque do inimigo foi o seguinte: Cerco completo à área populacional embora tenha empregado maior número de pessoal e armas nos lados Norte e Leste. Porém também foram referenciadas pistolas metralhadoras e pistolas a sul e a oeste, denunciando a intenção inimiga de fechar todas as saídas do quartel para evitar a reacção por parte das nossas tropas e dos voluntários. Portanto, um dispositivo de cerco conjugado com ataque de forte intensidade de norte e de leste.
O inimigo, a coberto da sua grande potência de fogo inicial, foi-se aproximando progressivamente das tabancas dos Fulas (Leste) e dos Bijagós (Nordeste). Pelas 00h00 (meia-noite), um grupo de seis inimigos tinha conseguido instalar a sua metralhadora a coberto de uma árvore (poilão) existente a cerca de 10 metros da rede de arame farpado e a 20 metros da primeira tabanca bijagó.
Desse grupo destacaram-se dois homens que conseguiram, cortando estacas e troncos, derrubar parte do arame farpado ao mesmo tempo que, com terra, apagavam os candeeiros improvisados a petróleo que orlavam a cerca de arame farpado. E foi precisamente no momento em que esses homens, transportando a metralhadora e munições, penetraram na zona interior da tabanca dos Bijagós, que foram abatidos com uma “bazucada”, conforme descreveremos mais à frente.
Do lado da tabanca fula, a situação, pelas 00h00 (meia-noite), era idêntica à anteriormente descrita. Uma metralhadora pesada, instalada a poucos metros da rede de arame farpado, “cantava” incessantemente. Essa metralhadora foi também calada pela nossa esquadra da “bazooka”, conforme relataremos mais à frente.
No porto velho (Rio de Empada) atacava outra esquadra de metralhadora inimiga que foi também “calada” pela mesma nossa “bazooka” e pelos morteiros, assim como uma que se encontrava a cerca de 900 metros do quartel, junto à estrada de Buba.
Pelas 02h00 da manhã o inimigo estava derrotado e começou a retirar-se, ouvindo-se apenas uns tiros isolados e à distância até às 03h00 da manhã, a partir do que nada mais se ouviu, a não ser os lúgubres uivos das hienas denunciando que havia mortos do lado de fora do quartel e da população.
Reacção das nossas tropas e dos voluntários:
Durante a primeira fase do ataque as nossas tropas (atiradores) pouparam inteligentemente as suas munições, tendo cumprido à letra as ordens que lhes tinham sido dadas de só fazerem tiro “ao vulto”.
Reacção das nossas tropas e dos voluntários:
Durante a primeira fase do ataque as nossas tropas (atiradores) pouparam inteligentemente as suas munições, tendo cumprido à letra as ordens que lhes tinham sido dadas de só fazerem tiro “ao vulto”.
Respondemos principalmente com tiros de morteiro 60, morteiro 81 e de Lança Granadas Foguete (Bazooka) dirigidos para os locais onde se faziam ouvir as metralhadoras e os morteiros do inimigo. Com essa acção inicial conseguimos “calar” duas metralhadoras pesadas.
Na segunda fase do ataque, que distinguirei da primeira pelo início da nossa reacção, enviámos uma esquadra de Bazooka com mais um Furriel e dois radiotelegrafistas ( 5 praças e um furriel) para a tabanca dos Bijagós donde nos tinham mandado dizer que o inimigo já se encontrava a tentar abater a rede de arame farpado. Rapidamente os 5 homens enviados se aproximaram da tabanca dos Bijagós, tendo chegado no momento preciso em que o inimigo destruía a rede e entrava na tabanca, apagando previamente a fraca luz existente no local.
Aí juntaram-se-lhes mais dois chefes dos nossos voluntários nativos. Dando rapidamente conta da crítica situação, o furriel mandou instalar os seus homens no local mais conveniente e ordenou ao apontador da bazooka que fizesse fogo para o grupo inimigo que se encontrava apenas a cerca de 10 metros à frente. Beneficiando de uma árvore e seus ramos que se encontrava à frente entre esses homens e o grupo inimigo, o apontador e o municiador da bazooka rastejaram uns 3 ou 4 metros na direcção do inimigo, enquanto os outros nossos 5 homens os protegiam pelo fogo.
Pondo-se rapidamente de pé, o apontador da bazooka disparou sobre o grupo inimigo que constituía uma esquadra de metralhadora pesada, matando 4 homens e capturando a metralhadora e uma pistola metralhadora, após o que veio reunir-se aos outros homens.
Seguidamente o furriel ordenou aos seus homens que o acompanhassem à tabanca dos Fulas, no lado leste, onde se ouvia “cantar” uma metralhadora inimiga, já muito perto da rede de arame farpado. Aí chegados, o apontador da bazooka lançou mais duas granadas na direcção da metralhadora, calando-a definitivamente. Em seguida o furriel ordenou ainda aos seus homens que o acompanhassem em toda a volta do quartel e tabancas, tendo o apontador da bazooka feito fogo para vários locais suspeitos, conseguindo-se desta forma calar mais armas inimigas, com especial relevo uma metralhadora instalada no cais do porto velho, a qual também se calou definitivamente. Nesse local, ao amanhecer, foi encontrado mais um cadáver do inimigo com uma pistola que foi capturada.
Após este raide, o inimigo começou a retirada, fazendo, no entanto, alguns tiros mais longínquos que cessaram definitivamente pelas 03h00 da manhã.
Pessoal que se distinguiu:
Toda a companhia actuou de molde a merecer elogios. Porém a acção, verdadeiramente excepcional e corajosa de um punhado de homens, transformou a situação desesperada num êxito retumbante. Foram eles:
- Furriel Miliciano Álvaro da Assunção Rodrigues Pontes (**)
- 1º Cabo nº 2517/63 Vital Martinho (Apontador de bazooka)
- 1º Cabo nº 2514/63 Fernando das Neves Ferreira
- Soldado nº 3359/62 Eduardo Gonçalves Santos Rocha
- Soldado nº 2524/63 Luís Antunes Mendes
- Chefe Caçador Auxiliar Dauda Cassama (Beafada)
- Chefe Caçador Auxiliar Nhobo Baldé (Fula)
Pessoal que se distinguiu:
Toda a companhia actuou de molde a merecer elogios. Porém a acção, verdadeiramente excepcional e corajosa de um punhado de homens, transformou a situação desesperada num êxito retumbante. Foram eles:
- Furriel Miliciano Álvaro da Assunção Rodrigues Pontes (**)
- 1º Cabo nº 2517/63 Vital Martinho (Apontador de bazooka)
- 1º Cabo nº 2514/63 Fernando das Neves Ferreira
- Soldado nº 3359/62 Eduardo Gonçalves Santos Rocha
- Soldado nº 2524/63 Luís Antunes Mendes
- Chefe Caçador Auxiliar Dauda Cassama (Beafada)
- Chefe Caçador Auxiliar Nhobo Baldé (Fula)
Guiné > Carta da província (1961) > Escala 1/500 mil > Pormenor: posição relativa de Empada, Bolama, Buba, Catió e Bedanda. Bolama e Catió eram sedes de concelho ou circunscrição, as restantes localidades eram sede de posto administrativo.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
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Notas do editor:
(*) Último poste da séerie > 28 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P23040: Pequeno resumo dos dois anos em que estive na guerra (Joaquim Jorge, ex-alf mil, CCAÇ 616 / BCAÇ 619, Empada, 1964/66) - Parte I: 1964: 30 de maio, um ataque de seis horas!(**) Morava em Estarreja; faleceu em 9 de outubro de 2018, aos 77 anos. (Fonte: União das Freguesias de Beduído e Veiras, concelho de Estarreja)
3 comentários:
Joaquim, o vosso bazuqueiro não teve uma cruz de guerra ? Não percebo o que se entendia, no tempo do Schulz, por "atos de heroísmo"...
O furriel Pontes morreu em 2018, segundo o que apurei na Net...
Temos cerca de 160 referências sobre Empada no nosso blogue, mas falta-nos imagens e mais testemunhos do teu tempo, da malta da farda amarela ou de caqui do início da guerra...
Joaquim, parabéns pela excelente reconstituição do ataque, das suas várias fases e da vossa reação, sob o teu comando!... Revelaste ser um grande comandante!... Muitos camaradas nunca apanharam um ataque destes, com este poder de fogo, e duração, e numa altura em que ainda não devia haver um bom dispositivo de defesa na maior parte dos aquartelamentos... Claro, houve depois uma escalada da guerra, com o PAIGC a beneficiar de armamento mais potente e sofisticado, como o morteiro 120 e os foguetões 122 mm...
E tudo para quê ?!... Como sempre, a guerra vem a cavalo e vai a pé... Sabe-se como e quando começa, nunca se sabe como e quando acaba...Mas ensina-nos os teóricos, que a guerra é a continuação da política de Estado por outros meios: a violência, o terror, a morte, a destruição...Esmaga-se ou enfraquece-se o "inimigo" para depois ganhar vantagens à mesa de negociações...
Infelizmente, tu, eu e todos nós já tivemos em vida a nossa "dose" de guerra... E esperemos que os nossos filhos e netos e bisnetos nunca conheçam o horror da guerra... Abraço fraternom, saúde e paz. Luís
Bom dia Jorge, saudades... O que é feito do Montes?
Um abraço
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