domingo, 27 de fevereiro de 2022

Guiné 61/74 - P23038: Efemérides (363): Há meio século, nestes dias 26 e 27 de Fevereiro, sábado e domingo, foi levada a cabo a Operação Juventude V na zona Caboiana/Churo (Ramiro Jesus, ex-Fur Mil Cmd, 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73)

© Infografia da Carta de S. Domingos, 1:50.000 - Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Mensagem do nosso camarada Ramiro Jesus (ex-Fur Mil Comando da 35.ª CComandos, Teixeira Pinto, Bula e Bissau, 1971/73), com data de 8 de Fevereiro de 2022:

Boa tarde, camaradas d'armas

Nestes dias, em que quase só se escreve e só se ouve falar de guerra, vinha também recordar o dia mais trágico e doloroso da minha comissão na Guiné.

Pois é, foi em 26 e 27 de Fevereiro de 1972 que o meu grupo e outro, da nossa 35.ª CC, fomos incumbidos de levar a cabo a operação "Juventude V", na região da "famosa" Caboiana / Churo.

Saímos já noite dentro, entrámos de madrugada, por uma zona de bolanhas, onde não "lembrava ao diabo" passar - para surpreender - e desde a manhã de 27 que estivemos constantemente em escaramuças e a destruir equipamentos e moranças, depois de termos capturado sete elementos.
Até que, pela hora de almoço/início da tarde, desembocámos numa lavra enorme e, portanto, uma zona quase desmatada, onde nos esperava um enorme "contingente", que se tinha reunido naquele ponto estratégico e que nos deu tanto trabalho que quase esgotámos todos os tipos de munições, para as várias armas que utilizávamos.

Alertado o Comando do nosso CAOP1 - que estava no ar, no DO - fomos reabastecidos e aconselhados a seguir determinado rumo, para sair daquele inferno, já que tinham verificado que estávamos perante um grupo enorme de combatentes, mas o nosso capitão, mais uma vez, desobedeceu, respondeu ao coronel Durão que «cá em baixo mando eu» e pôs-nos em perseguição do IN, talvez na esperança de que, também eles, estivessem com escassez de material.
Só que, passadas poucas centenas de metros, uma rajada e um disparo de RPG7 e... tinham morto o nosso 1º Cabo João Carlos Conceição Ferreira e quase decepado o braço esquerdo do Capitão Ribeiro da Fonseca, o (por muitos conhecido, em Mafra) bala real.

Então, com duas macas improvisadas (com o morto e o ferido grave), lá fomos encaminhados para uma zona de evacuação de dificílimo acesso (para sairmos da lavra, dos trilhos de acesso e despistar o IN) e lá conseguimos sair sem mais problemas, embora exaustos.

Quando, com a minha equipa, entrámos no helicóptero, o piloto, com a melhor das intenções, disse - animem porque o Benfica está a ganhar ao Belenenses - ao que respondi, talvez demasiado bruscamente: vá à fava, pois nós estamos a perder. É que, curiosamente, também há cinquenta anos estes dias (26 e 27) eram sábado e domingo.

E ia despedir-me por agora, mas atendendo ao momento e às (más) recordações, gostava de deixar um apelo aos dirigentes do mundo para se perguntarem, cada um deles a si mesmo, se gostariam de estar a viver, com suas famílias, o que se passa hoje na Ucrânia.

Um Abraço
Ramiro Jesus

____________

Nota do editor

Último poste da série de 3 DE FEVEREIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22963: Efemérides (362): Faz hoje 49 anos que a CCAÇ 12 e a CART 3494 sofreram uma emboscada em Ponta Varela, Xime, sofrendo um ferido ligeiro e o IN 2 mortos e 1 ferido... E para mim foi o batismo de fogo (António Duarte)

1 comentário:

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Ramiro, vem sempre a propósito relembrar aquelas situações, nomeadamente operacionais, que no TO da Guiné nos marcaram há 50 ou mais anos...

Pelas normas do nosso blogue, evitamos falar da atualidade noticiosa do nosso país e do resto do mundo. Vamos dando conta, isso sim, da morte dos nossos camaradas.

Mas, concordo contigo, é impossível estar a escrever sobre acontecimentos dolorosos de há 50 anos pondo entre parênteses o que se está a passar neste momento no nosso velho continente...

Desde as invasões napoleónicas (1807-1811) e guerra civil de 1832-1834 que a população portuguesa não conhece, há quase dois séculos, diretamente no corpo e na alma, o que é a tragédia da guerra, com todo o seu cortejo de horrores... As "guerras de África" e nomeadamente a de 1961/74, essas, passaram-se bem longe das casas dos portugueses, no Portugal continental e insular de então...

E oxálá que não voltemos a conhecer essa(s) tragédia(s), as guerras diretas e indiretas... Nós, a Europa, o Mundo (que é cada vez mais uma "aldeia global")... Confesso que não ligo sequer a televisão à hora das refeições... Mas estou solidário com todos os sofrem neste momento com a situação na Ucrânia.

Um abraço, saúde e paz. Luís