sábado, 29 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4879: Gavetas da Memória (Carlos Geraldes) (5): A CART 676 chega a Pirada

1. Neste episódio de Gavetas da Memória de autoria de Carlos Geraldes, ex-Alf Mil da CART 676, Pirada, Bajocunda e Paúnca, 1964/66, assiste-se à chegada da 676 a Pirada.


Guiné-Bissau, Out64
A CART 676 chega a Pirada


Após os primeiros 5 meses de permanência em Bissau, onde a CART 676 se desdobrou nas mais variadas missões: patrulhamentos de rotina nos arredores da capital, serviço de manutenção do aquartelamento do Batalhão 600, e principalmente ter desempenhado papel importante (extenuante e perigoso) em cinco grandes operações mandadas executar pelos altos comandos militares, a norte e a sul de Bissau, nas primeiras tentativas para combater uma ameaça que já se adivinhava muito séria, finalmente a Companhia foi enviada para uma missão de quadrícula, isto é, foi ocupar uma determinada zona a nordeste do território, junto à fronteira com o Senegal, para reforçar o policiamento de uma área que se temia passar a ser, a breve trecho, campo de acção privilegiada do inimigo.
Felizmente isso não se veio logo a confirmar e, pode-se dizer que a CART 676 passou aí umas boas e merecidas férias.

Até à nossa chegada, Pirada, Bajocunda e Paúnca, estavam entregues a pelotões de soldados nativos, comandados por alferes e furriéis brancos que coitados pareciam mais uns pobres náufragos famintos quando nos vieram receber de braços abertos, felizes por verem de novo gente igual a eles. Entregues a uma inércia embrutecedora, estavam à beira, com certeza, de um qualquer colapso físico ou psíquico a avaliar pelas suas caras onde se espelhava uma desmesurada e incontida alegria por verem acabado aquele calvário.

A Companhia não se deslocou toda de uma vez. Primeiro foi o 1.º e o 2.º Grupos de Combate, e mais a secção de Comando e Serviços da própria Companhia. Seguia connosco também o alferes médico para verificar e estabelecer as condições sanitárias do aquartelamento. Enquanto o 1.º Grupo e a secção de Comando e Serviços se dirigia directamente para Pirada, o 2.º Grupo ficou logo em Paúnca onde já tinha instalações mais ou menos adequadas.

Quando entrámos em Pirada tivemos logo uma recepção entusiasta por parte da população que nunca tinham visto tanta tropa junta. Foi uma festa que os soldados quiseram logo aproveitar, abraçando as mais desprevenidas bajudas que lhes caíam nas mãos, de mistura com os restantes elementos da população, para disfarçar…

Um dos comerciantes locais, apareceu logo com um criado que sobraçava um enorme cesto de pão acabado de cozer no forno privativo do seu estabelecimento e, começou a distribuí-lo pelos soldados que o fitavam boquiabertos com a surpresa.

Pirada, naquela época, resumia-se a uma rua de terra batida que tinha a meio uma espécie se praceta, com um pequenino monumento e tudo.
Para a esquerda era o caminho para o aglomerado populacional, as palhotas.
Para a direita o caminho levava a uma pequena pista de aviação. Em cada canto desta praceta, erguiam-se quatro edifícios caiados e com telhados de telha. Eram as casas comerciais, representantes locais de outras sediadas em Bissau. Seguindo sempre em frente chegávamos à fronteira com o Senegal, ali a escassos metros. A meio caminho erguia-se a casa do Chefe de Posto e o edifício do Posto Sanitário, ao lado, um celeiro de mancarra que provisoriamente servia de quartel para um pelotão indígena. Era ali que a Companhia iria residir… 150 homens, mais ou menos, iriam ficar alojados onde anteriormente estavam pouco mais de 30…

O 1.º sargento Machado, velho militar transmontano, já muito batido naquelas andanças de trocas e baldrocas de aquartelamentos, depressa se pôs em campo para avaliar a situação.

Depressa vieram as más notícias. As instalações eram piores do que imaginávamos. As camas existentes estavam impróprias para continuarem a ser utilizadas. As enxergas, se àquilo lhes poderíamos chamar assim, eram autênticos viveiros de percevejos e bicharada. Claro que dei logo ordens para juntar tudo num monte à porta da caserna e chegar-lhe fogo, para nos livrar de tal peste.
(Para meu espanto, passados meses, recebíamos mensagens da Sargentada da Manutenção de Bissau, a exigir a devolução daquelas enxergas! Foi um caso sério para os convencer que não tinha havido outra alternativa senão queimá-las)

Instalações sanitárias não havia, nem cozinha, digna desse nome. Era tudo improvisado, à preto que, coitados lá se amanhavam com o pouquíssimo que lhes davam. Nem conseguíamos imaginar como tinham conseguido aguentar até ali. O alferes e o furriel que lá fomos encontrar com a farda em farrapos, responsáveis por aquela tropa fandanga, embaraçados, coçavam a cabeça. O que quiseram foi entregar-nos, o mais depressa possível, os pobres pertences que possuíam e, rapidamente desapareceram da nossa vista, estrada fora a caminho do Gabú.

Desanimados, mas ao mesmo tempo alegres por terem chegado até ali, sãos e salvos e, esperançados de que o amanhã seria melhor, os soldados deitaram mãos ao trabalho e, embora tivessem que dormir no chão, naquelas primeiras noites, a caserna ficou com melhores condições de conforto e higiene.
Para alojar os sargentos e os oficiais também se arranjou solução. O nosso amigo comerciante que tinha encabeçado a recepção às tropas recém-chegadas, também já tinha pensado nisso.

Como de propósito tinha mandado arranjar uma casa, situada nas traseiras de um dos estabelecimentos comerciais que, chegava para albergar os dois oficiais e alguns dos furriéis. Os que não couberam, foram alojados pelo Chefe de Posto, o senhor Barbosa, um simpático velhote que vivia sozinho e ansiava por companhia. A casa que ocupava era demasiado grande para ele e de certo modo até ficava mais resguardado a dormir debaixo do mesmo tecto que a tropa.

Ao fim da tarde do dia da chegada, tudo tinha ficado mais ou menos tratado.
Depois de um retemperador banho de bidão e de um opíparo jantar para os oficiais e sargentos, em casa do nosso anfitrião, o nosso futuro anjo da guarda, Mário Rodrigues Soares era assim que ele se chamava, sentíamo-nos num paraíso até aí inimaginável.

Passados mais de quarenta anos recordo ainda como se fosse ontem.
Viana do Castelo, Agosto de 2009
Carlos Geraldes

Pirada > Cozinha improvisada

Pirada > Os primeiros chuveiros dos Soldados

Pirada, 01DEZ64 > Eu, Cap Seco, Alf Correia e o professor António Óscar Baldé

Pirada, AGO65 > Cap Barão da Cunha, Cap Tadeu, Alf Médico Duarte e eu
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 26 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4865: Gavetas da Memória (Carlos Adrião Geraldes) (4): Abel, o nosso Cabo Maqueiro

3 comentários:

Fuzileiro disse...

No comment.

Anónimo disse...

Carlos Geraldes

Sabes que o Prof António Óscar Baldé,
vive em Lisboa?
Pois é, ele pára em "Bissau 2" - Lisboa, quase todos os dias. Está sempre por lá sentado, quer junto ao Macdonal ou do outro lado, no passeio dos telefones PT.
Aqui fica a informação, caso não saibas.
Estive em Pirada em 2007
Um abraço
Carlos Silva
CCaç 2548/Bat caç 2879

mamadu saido balde disse...

sabes que sou filho do professor antonio oscar balde pois ele faleceu hoje no hospital de amadora sintra e vamos translatar o corpo para a guine bissau qualquer informacao poden me contactar por imail ou telefone omeu imail maribalde28@hotmail.com o meu telefone portugal 00351967873403 e noruega 004792531810 o meu nome e mamadu saido balde filho de antonio oscar balde e de maria isabel sanha eu vi foto do meu pai e