sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4870: Notas de Leitura (17): Le pouvoir des armes, de Amílcar Cabral (Beja Santos)


1. Mensagem de Mário Beja Santos, ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, com data de 27 de Agosto de 2009:

“Le pouvoir des armes” ["O Poder das Armas"]
Um clássico obrigatório, de Amílcar Cabral

Em Janeiro de 1970, a conceituada editora François Maspero dá à estampa nos “Cahiers libres” (colecção onde foram publicados Ernest Mandel, Eduardo Galeano, Che Guevara, Régis Debray e Malcom X, entre outros pensadores revolucionários) uma escolha de intervenções de Amílcar Cabral retirada de artigos, conferências e seminários, e referente ao período de 1962 a 1969: Le pouvoir des armes.

Cabral, ao tempo, é já o mais prestigiado dos líderes teóricos dos movimentos de libertação envolvendo o Império Colonial Português. Fora entrevistado numerosas vezes pelos media de todo o mundo. Livros que gozavam de enorme fama na luta anticolonial como Lutte armée en Afrique, de Gérard Chaliand, e Révolution en Afrique, de Basil Davidson, tratam-no com indiscutível respeito pela solidez do seu pensamento, pela sua indesmentível capacidade organizativa e pela aplicação estratégica revolucionária sobre as condições concretas da Guiné.

Todos os jornalistas que percorrem os territórios de guerrilha pasmam com a luta armada face à presença militar dos portugueses e dos seus aliados guineenses. Ao longo desses anos 60 ele é respeitado sempre que a comparação se impõe com as revoluções falhadas de África e a ascensão do neocolonialismo. Foi decisivo no lançamento das bases da estratégia do PAIGC, revelou-se brilhante na análise da estrutura social das diferentes etnias que compõem o mosaico guineense, foi Cabral que paciente e minuciosamente organizou em simultâneo a acção política e a militar.

Nesta obra percebe-se como o seu nome já se impusera ao nível da teoria revolucionária, graças à leitura original que ele fazia da luta de classes em países subdesenvolvidos e o papel histórico da pequena burguesia nas lutas dos movimentos de libertação.

A admiração é tanto maior se pensarmos que na época a Guiné (quase do tamanho da Suíça) teria uma população próxima da de Liverpool ou São Francisco. Como se sabe, Cabral referiu em diferentes intervenções que a “libertação” da Guiné restaria ou teria uma influência decisiva em toda a África Austral, modificaria as influências de todo o imperialismo em África e não excluía consequências radicais na vida política de Portugal.

A diferentes títulos, Cabral foi singular: revelou-se insubstituível como teórico do PAIGC, nenhum dos seus companheiros veio a mostrar preparação como a dele, nem cultura, nem poder argumentativo; marxista convicto, era subtil entre os apoios que recebiam de Moscovo, de Pequim, do Terceiro Mundo e também das sociais-democracias; pudera percorrer toda a Guiné no início dos anos 50, a pretexto de um recenseamento agrícola, conhecera o mosaico étnico, indispensável para o longo trabalho clandestino que veio a desenvolver; e a sua análise partia sempre da Guiné, das singularidades da opressão colonial, caracterizando-a num misto de razão e paixão, mesmo que misturasse o azeite com água, caso da Guiné confundido com a situação colonial de Cabo-Verde; era rigoroso quando enunciava a estrutura social da Guiné, mesmo quando camuflava as divergências profundas entre as etnias que mais apoiavam o PAIGC e aquelas que mais se opuseram; com desassombro, impôs o papel da pequena burguesia com indispensável na direcção revolucionária, mas nunca escondendo que esta se podia transformar rapidamente numa força apoiante do neocolonialismo.

Lidos estes textos à distância de meio século, permitem discernir a capacidade genial de Cabral para liderar um movimento revolucionário mas também as suas fraquezas maiores que, após 1974, irão levar um país triunfante para a situação de esmoler da caridade internacional. Prisioneiro duma carapaça utópica da “Guiné de Cabo-Verde”, contribuiu para uma sangrenta separação e para um relacionamento com ódios ocultos.

No seu entusiasmo, Cabral ficcionou cidadãos livres e uma economia próspera dirigida pelo PAIGC que, como é de todos sabido, se veio revelar um insucesso estrondoso.O livro correu mundo, foi cartão-de-visita junto das entidades revolucionárias, despertou mais interesse em conhecer Cabral.

Hoje, é uma referência de um pensamento desajustado aos imperativos do desenvolvimento, mas merece ser relido para se saber que Cabral foi um político invulgar que amava a cultura portuguesa e que escrevia primorosamente português, basta ver a sua obra científica relacionada com a sua especialidade de engenheiro agrónomo.Le pouvoir des armes vai ficar na biblioteca do blogue, seu novo proprietário.



Comentário: este mapa era prato obrigatório da propaganda do PAIGC, dava como adquirido 2/3 do território libertado, outro em disputa, outro controlado temporariamente pelas Forças Armadas Portuguesas, referindo os quartéis como locais sitiados. Como se sabe, misturava-se fantasia com realidade, realidade com desejos, factos lógicos com dados irracionais. Mas era propaganda!

(Beja Santos)

Imagens: © Beja Santos (2009). Direitos reservados.
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Notas de MR:

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