1. O nosso Camarada José Marques Ferreira, que foi Sold. Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Ingoré 1963/65, enviou-nos com data de 25 de Agosto de 2009, mais uma engraçada (para nós diz ele) estória:
Camaradas,
A morte à frente dos olhos… perdão, à frente da avioneta!
As velhinhas e saudosas avionetas “Auster” eram uma maravilha, para transportes rápidos nas guerras coloniais.
A “Dornier” era muito melhor, com mais bojo de capacidade e mais espaço, permitia que fôssemos sentados na base que servia de apoio do aparelho sobre o pavimento.
Todos nós temos algumas ‘estórias’ com estes aparelhos da Força Aérea.
Eu tenho algumas e, numa delas, pareceu-me que não chegaria ao destino, tal foi a reacção que o “Gregório” me provocou, que me agoniou o estômago...
Precisamente porque o piloto passou a viagem a fazer piruetas, subindo e descendo constantemente, em “picanços” de arrepiar. Isto de Bissau até Ingoré. A missão era entregarmos o correio, através do postigo lateral, junto dos respectivos aquartelamentos, nomeadamente no dos meus camaradas de Sedengal.
Um dia, surgiu a necessidade de ir ao quartel-general a Bissau, fazer qualquer coisa que não me recordo. O que eu não esqueço foi o que aconteceu antes de partirmos para Bissau, melhor dizendo, quase nem chegávamos a sair de Ingoré.
Havia uma serração próximo do aquartelamento. Certo dia, apareceram lá pessoas responsáveis pela empresa proprietária dessa serração, numa avioneta (creio que uma “Auster”), que apenas tinha capacidade para três passageiros.
O comandante da companhia contactou essas pessoas, no sentido de nos permitirem essa deslocação a Bissau. E quem havia de ir na aeronave, eu, «o administrador da companhia».
A preocupação foi saber qual o peso que eu transportaria, já que não levaria armas, nem cartucheiras, nem munições. Nada mais do que uma pasta comportando, talvez, meia dúzia de documentos.Feitas as apresentações, lá entramos na avioneta. Como certamente devem estar a adivinhar, nada percebo de avionetas ou veículos do género.
Com a avioneta a funcionar, dirigimo-nos para o início da pista (coisa que outros pilotos com veículos idênticos não faziam), e senti, estranhamente, uma aceleração do motor muito anormal. Avançamos em grande velocidade em direcção à estrada que estava no topo da pista. Na berma, do lado contrário, existiam algumas moranças nativas.
Em Ingoré, esta pista, de terra batida, ficava junto à estrada para S. Vicente, a pouca distância daquela localidade.Voltando à pista, o aparelho deslizava rapidamente, mas não via modo nem jeito de o mesmo levantar voo. E eu via a aproximação da berma da estrada e das referidas moranças a uma velocidade vertiginosa. Pensei então que íamos ficar esborrachados algures por ali, até que, numa espécie de golpe rápido, a avioneta levantou, com o ruidoso roncar do seu motor, por cima das moranças e toca de ganhar altura.
Só vos digo que foi um susto pior que alguns tiros em terra firme… quase borrei as calças, ou calções que trazia vestidos…
Mas, lá em cima, já com perfeita noção que o pior tinha passado, comecei a verificar que quem pilotava ia em direcção, não de Bissau, mas um pouco desviado para nordeste, pelo que, passado pouco tempo, estaríamos no Senegal. Íamos na direcção de Barro, um pouco “inclinados” para a fronteira, portanto, iríamos entrar por lá dentro, mais perto ou mais longe, sem licença de quem quer que fosse.
Quando olhei para a paisagem e vi as vias que eu já bem conhecia, só me restou fazer uma coisa simples; bater no ombro de quem pilotava (pois a barulheira lá dentro era tamanha que não se conseguia contactar com ninguém) e, por gestos, dizer-lhe que a direcção a tomar era a da estrada, que estava por debaixo e atrás de nós, melhor dizendo, na direcção do nosso lado direito.
O homem viu que ia mal, mudou de direcção em ângulo recto e começou a orientar-se pela dita estrada que ia de Ingoré-S.Vicente-Bula-Bissau.
Chegamos, finalmente e em pouco tempo, a Bissau. E só aqui é que me apercebi, que aquele aparelho, excluindo talvez a bússola, não tinha qualquer outro tipo de aparelho de orientação: um mapa, um rádio, nada…
Afirmo isto porque, para aterrar no aeroporto, demos uma volta e aguardamos que da torre de controlo, através de sinalética com bandeiras, no passadiço exterior (não sei como se chamam as áreas de varandas que rodeiam estes equipamentos), lhe fosse dada autorização para aterrar.
Caros camaradas só posso dizer-vos uma coisa: isto pode não ter graça nenhuma para vós, ou interesse algum, mas, para mim, foi uma experiência que me provocou um cagaço tal, que gosto pouco e nem quero recordar muitas vezes…
Nota: - Na foto, o homem que não tinha vocação para piloto de helicópteros (mas oportunidades não lhe faltaram, como esta). Prefiro bem mais andar com os pés assentes no chão… acho que é melhor!
Para todos um abraço,
J.M. Ferreira
Foto 1: © Casimiro Carvalho (2009). Direitos reservados.
Foto 2: © José Marques Ferreira (2009). Direitos reservados.
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Nota de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
2 comentários:
Caro J. Ferreira
Não há dúvidas que o somatório das várias e diversas experiências pelas quais passámos na nossa juventude nos trazem um "saber" colectivo que é inestimável.
Essa tua experiência na "Auster" deve ter-te proporcionado um acréscimo dos conhecimentos dos teus limites... pode-se dizer, sem receio de falhar, que foi um "cagaço do caraças".
Um abraço
Hélder S.
Caro Helder Valério;
Sem dúvida. Mas, hoje, já não se sente. É que aquilo foi em 1964.
Porra, pá! Há tanto tempo, há tantas chuvas!
Mas que foi, foi...
A propósito disto e não só, vou enviar-te um mail logo que possa.
Obrigado pela visita mau caro camarigo.
JM Ferreira
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