domingo, 23 de agosto de 2009

Guiné 63/74 - P4854: Estórias do Juvenal Amado (21): O dia de Alcobaça e a Feira de S. Bernardo, dia 20 de Agosto

1. Mensagem de Juvenal Amado, ex-1.º Cabo Condutor da CCS/BCAÇ 3872, Galomaro, 1972/74, com data de 22 de Agosto de 2009:

Caros Carlos, Luís, Virgínio, Magalhães e restante Tabanca Grande.

A coisas têm o valor que lhes damos em certa altura das nossas vidas.
A feira de S. Bernardo era aguardada por mim ansiosamente todos os anos. Numa vila pequena sem grandes divertimentos, era esse evento aproveitado para nos divertirmos e gozarmos de alguma liberdade junto do sexo oposto. Os pais fechavam os olhos às voltinhas de carrossel, ou mesmo nos carrinhos de choque a dois.

Enfim coisas que fariam rir às gargalhadas os miúdos e miúdas de hoje, que até nesse ponto não fazem ideia o que a sua liberdade custou a conquistar.

A feira começa a 20 de Agosto e dura uma semana.

Quem estiver interessado, é naturalmente bem-vindo.

Um abraço
Juvenal Amado


O dia de Alcobaça e a Feira de S. Bernardo, 20 Agosto

No posto acabei de render o Pinto, que se deitou de imediato na cama improvisada do mesmo, adormecendo de seguida. Não sei se ele já não estava meio adormecido quando o rendi.

São 2 horas e 15 minutos, olho a mata sombria para além do campo de futebol. O gerador envia aquela luz que dá para ver pouco mais de meio do campo.

O Lourenço é o outro camarada de serviço, render-me-á às 4, somos obrigados a permanecer todos no posto. O lion-brand arde junto a eles para afugentar os mosquitos.

Levantei-me todo encharcado de suor, mas agora tenho frio, saio do posto para desentorpecer as pernas.
Penso na notícia dada pela a rádio e a saudação do locutor de seviço (PIFAS) a todos os combatentes de Alcobaça, espalhados pela Guiné. As suas palavras sobre a alegria a rodos na abertura da feira anual de S. Bernardo, tiveram o efeito de acirrar as saudades.
A guerra era tão longe, só quem lá tinha os seus, se distanciava dos festejos.

“Mais uma corriiiiiiiiiida mais uma viaaaaagem”

“ Esta é para a menina do casaco amaaareelo”

“Tomem os seus lugares e não descer nem subir do carrossel em movimento”

Gritavam os feirantes pelo som distorcido dos altifalantes de corneta.

Os garotos faziam birra para andar em tudo.

O barulho de ensurdecer dos geradores dos carrosséis, pistas de carros, das motas no poço da morte.

As barracas de tiro. “ Oh simpático não vai um tirinho?” As espingardas de pressão de ar com as miras completamente desalinhadas, não se acertava no alvos a dois metros. Mas o que a malta lá ia fazer, era meter-se com as funcionárias de ar duvidoso das ditas, queríamos lá saber dos “tirinhos”

As farturas e os namoricos.

Com os olhos em brasa procurava o olhar de uma em especial não importava que tivesse a família toda a acompanhá-la. Se ela retribuisse o olhar, eu não dormiria nessa noite.

Faço concha com a mão e tapando com o casaco camuflado, acendo um cigarro. Tento espantar o sono.

Por volta das 10 horas tinha sido atacado Cancolim ou outro destacamento na mesma direcção.

Há uns meses Cancolim foi atacado perto da hora de jantar. A Maria Turra tinha dito na rádio do PAIGC que os seus combatentes tinham esperado que a malta acabasse de jogar à bola para depois atacar. Era a acção psicológica deles a actuar.

Os pensamentos baralham-se, não vejo hora de ser rendido pelo Lourenço pira.

Finalmente chamo:

- Lourenço, oh Lourenço está na tua hora. Acorda lá porra.

Deito-me e parece que nem adormeci o Lourenço chama-me, já é dia ainda fosco.

- Oh Amado, não queres ver uma puta de uma perdiz, que está poisada no arame farpado mesmo à minha frente. Só pode estar a gozar comigo -acrescenta.

Caçador inveterado, agarra numa pedra e sem qualquer convicção, atira-a na direcção do pássaro.

Para surpresa dele e minha, acerta no papo da ave que cai para trás. Ficámos incrédulos, não acreditando no que tinha acontecido, a ave aproveitou para meio cambaleante fugir dali para fora.

O Lourenço só dizia:

- E deixei-a fugir e deixei-a fugir f………..

Foi a rir que acabámos a noite de reforço.

Voltando à feira, já lá não vou há mais de dez anos.
Em memória daquela noite, tenho que lá fazer uma visita.

Juvenal Amado

Vinho de palma bem fresco de manhã. O pior era umas horas depois.

A ferrugem antes da partida para o Xime

Juvenal Amado na Parada de Galomaro

Fotos: Juvenal Amado (2009). Direitos reservados.

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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 7 de Agosto de 2009 > Guiné 63/74 - P4794: Estórias do Juvenal Amado (20): Um tiro na Parada de Galomaro

2 comentários:

Anónimo disse...

Parabéns pela simples história de recordações das festas das aldeias/cidades.
Recuei (por momentos) no tempo.
Filomena

Hélder Valério disse...

Olá Juvenal!
Acabado de chegar de uns diazitos de férias comecei a ver o Blogue e ao ler este teu relato verifico que essas festas eram semelhantes me muitos locais...
Por acaso lembro-me de ter ido à tua terra quando "fiz" uma 2ª quinzena de Agosto na Nazaré, já não me lembro foi do ano...
Um abraço
Hélder S.