sexta-feira, 8 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8529: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (19): O alferes maluco... está tolo


Relax no T1 do Hotel Dunane

1. Mensagem José Ferreira da Silva* (ex-Fur Mil Op Esp da CART 1689/BART 1913, CatióCabeduGandembel e Canquelifá, 1967/69), com data de 5 de Julho de 2011:

Caros Camaradas
Junto nova história para incluir nas "Memórias boas da minha guerra".

Um abraço do
Silva da Cart 1689

Memórias boas da minha guerra - 19

O Alferes Maluco


Desde o início da comissão de serviço (Guiné - 67/69), a nossa tropa catalogou uma série de pessoas, donde se destacava também o “Alferes Maluco”. Não havia aversão alguma em relação àquela criatura. Havia, isso sim, uma opinião formada (e aceite) de que aquele Alferes “não batia bem da mona”. Foram inúmeras as histórias que se contavam a seu respeito. Porém, dada a nomenclatura militar, um Alferes era um Oficial e, como tal, uma figura de prestígio das nossas Forças Armadas, a qual não se podia ridicularizar. No entanto, a verdadeira história da guerra da Guiné, está cheiinha de episódios caricatos, aos mais variados níveis, que embora não sendo referidos, não poderão ser esquecidos por quem a viveu.

Estávamos em Agosto de 1968. Aquela Companhia de Intervenção, que havia sofrido as maiores agruras da guerra e, simultaneamente, havia alcançado muito bons resultados militares, via chegada a hora de, merecidamente, repousar nos últimos meses da sua contribuição heróica e pacificadora, em missão errática por terras da Guiné. Foi para o norte e destacou um Pelotão para uma pequena povoação onde o Alfero, o mais graduado, se tornou num Reizinho local. Sem guerra, sem o Capitão por perto e sem os seus camaradas oficiais, ele “vingava-se” do seu passado recente de medricas e de inaptidão militar.

- Então Arménio, é quase meio dia e está ainda na cama? – investiu o Furriel sobre o Enfermeiro, deitado dentro da sua pequena palhota, onde funcionava a Enfermaria.

- Ó Furriel, estou para aqui fodido, que mal me posso mexer. Preciso urgentemente de uma injecção se não vou co'caralho – respondeu, a muito custo, o Enfermeiro.

- Não há problema, porque nos Rangers ensinaram-me muitas merdas e uma foi a de dividir o traseiro em 4 partes e espetar a agulha no quarto superior direito. Correcto? – sossegou-o o Furriel.

O enfermeiro indicou-lhe a prateleira e o remédio a aplicar. Foi num rápido cumprir essa função, que ele nunca julgara vir a ser necessária.

O Arménio parecia melhorar a olhos vistos, sem o furriel fazer ideia alguma da droga que lhe havia injectado. E como já se sentia mais capaz, disse:

- Ó Furriel, ia morrendo à beira dos remédios como morreu a preguiça à beira da água.

- E sem ninguém saber – acrescentou o furriel.

- Não, não é verdade, porque já cá esteve por duas vezes o “Alferes Maluco”. Andou por aqui logo de manhã cedo, a bisbilhotar tudo e a olhar para as caixas e frascos dos remédios. Chegou ao ponto de abrir frascos de xarope e prová-los um a um. Depois, disse que gostava de um que era “docinho” e levou-o, enquanto ia bebericando. Passado umas duas horas, veio pedir-me alguma coisa para as dores de barriga, que o tinham atacado de repente. Disse que tinha bebido o frasco de xarope todo. E concluiu: - O gajo é um perigo. Antes andava, humildemente, como um “morcon”, entre os soldados, mas agora, inchou e ninguém o atura. Entreguei-lhe uma caixa de comprimidos para tomar um de 8 em 8 horas.

- Já que está melhor, veja se me arranja aí uma mezinha para passar junto da tomatada, porque trouxe, das bolanhas de Catió, aquela micose desgraçada – pediu o furriel, ao que enfermeiro respondeu:

- Olhe, já sabe que não há nada melhor que o 1214. Arde muito, mas é bom! Faça como é costume: pincelar amiúde toda a zona das “partes”, mantendo as pernas bem abertas e o ventilador apontado para lá, para soprar e diminuir o ”ardiúme”.

De repente, entrou na palhota o “Vidrinhos”, o básico escolhido para dar apoio ao improvisado Comandante, que, aflito, pediu:

- Ó amigo Arménio, por favor, vê se vais ao quarto do Alferes, porque o “Maluco” está tolo. E insistia: - O “Maluco” está tolo!!! Já se borrou todo e ninguém o percebe, porque não diz coisa com coisa.

Silva da Cart 1689

Relax na Bolanha de Catió
____________

Notas de CV:

(*) Vd. poste de 23 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8466: Outras memórias da minha guerra (José Ferreira da Silva) (8): O grande choque

Vd. último poste da série de 29 de Maio de 2011 > Guiné 63/74 - P8346: Memórias boas da minha guerra (José Ferreira da Silva) (18): Não se brinca com coisas sérias...

4 comentários:

Unknown disse...

Ó Silva faltam acabar duas estórias.
Uma, o que deste ao desgraçado enfermeiro que ficou bom, logo,logo.
Segunda, o Maluco foi evacuado ???

Anónimo disse...

Caro Silva:

Gosto muito dos teus contos e ditos. Manda-nos mais e aparece mais vezes na tabanca.

Um Abraço

Carvalho de Mampatá

Manuel Carvalho disse...

Ó Zé Silva aqui para os nossos lados havia um que, quando alguém se preperava para lhe fazer o ninho atrás da orelha ele dizia olha que eu maluco sou mas burro não. O Portojo quer saber se o maluco anda por cá para se por a toques.
Contas isto muito bem continua.

Um grande abraço

Manuel Carvalho

Silva da Cart 1689 disse...

Caro Portojo
Está sossegado porque o homem está longe. Apareceu há uns 3 ou 4 anos, mas ainda com muito medo e alguns problemas de consciência.
Todavia, Carvalho, o gajo não era burro, não senhor, porque foi dos que menos guerra fez. É natural que tenha continuado por cá a fazer m com fartura mas, pelo que soube, como se fez Revolucionário q.b. no pós 25/04 encostou bem numa EP. Exibiu-nos o Cartão do Partido.
Abraço do Silva