sábado, 9 de julho de 2011

Guiné 63/74 - P8534: Estórias avulsas (54): Patrulhamento e captura de um elemento do PAIGC no OIO (Jorge Lobo)




1. O nosso Camarada Jorge Lobo, que foi 1º Cabo Atirador de Artilharia da CART 1660 e também esteve adido nos BCAÇ 1857 e BCAÇ 1912, Mansoa, 1967/1968, enviou-nos a seguinte mensagem.

Patrulhamento e captura de um elemento do PAIGC no OIO


Depois da CART 1660 ter permanecido em Mansoa, desde a data da sua chegada à Guiné em inícios de Fevereiro de 1967, foi, mais tarde, destacada para o Olossato a fim de fazer alguns patrulhamentos na mata de Morés, durante um mês.



Certa madrugada, por volta das 04H00, deixamos o aquartelamento, atravessamos a pista de aviação do Olossato e embrenhamo-nos na mata a caminho das proximidades da temível e densa mata de Morés, zona fértil a nível de guerrilheiros IN e perigosamente rodeada de bolanhas. Caminhamos vários quilómetros em patrulhamento, acabando por ficar emboscados (em meia lua) numa mata perto de uma zona descampada, do tipo bolanha na altura seca, e a uns escassos metros do trilho usado pelos guerrilheiros do PAIGC.


Surgiu então uma avioneta por cima de nós indicando-nos que avançássemos um pouco mais em frente. Esta ordem foi recebida com rebeldia e um coro de pragas de protesto. É óbvio que o coronel que nos sobrevoava, se acaso estivesse connosco cá em baixo, não iria com certeza cometer o suicídio de, apenas com uma companhia, entrar naquela zona sagrada para o IN. Além do mais, irritante e contra todas as regras, a avioneta estava a denunciar a nossa presença.


O calor era abrasador e volta e meia tínhamos de nos deslocar, em pequenos grupos, a uma zona próxima onde existia água de péssima qualidade e que tinha de ser desinfectada com os habituais comprimidos. Mas como a sede era muita, praticamente nem dávamos tempo para esperar que os comprimidos fizessem o efeito a que eram destinados na água.


Logo após a avioneta se ter afastado do local e quando nos preparávamos para avançar um pouco mais (cerca das 11H00), surgiram dois guerrilheiros armados de espingarda Kalasnikov com a alça em tiracolo, vindos de dentro da mata, caminhando no trilho da bolanha, entrando na tal zona descampada (zona de morte).


O meu pelotão abriu fogo de rajada sobre eles e um deles caiu logo fulminado pelas balas largando a arma, enquanto o seu companheiro tentou fugir agarrado a uma perna, coxeando, tendo sido de imediato abordado no sentido de o avisar para se afastar da sua arma e para levantar as mão no ar...


Foi de imediato capturado e levado em maca para os arredores, vindo a ser evacuado posteriormente de helicóptero. Durante o tempo de espera pelo heli, elementos nativos da nossa milícia insistiram para que o homem não fosse evacuado, pois eles próprios se encarregariam de o fuzilar ali mesmo...


Eu não concordei com as suas intenções e dei disso conhecimento ao nosso CMDT de companhia, ali presente, o qual deu de imediato ordem para que o guerrilheiro fosse retirado para Bissau, mandando chamar um helicóptero.


A seguir aproximei-me da maca onde se encontrava o ferido, perguntando-lhe em bom português o que fazia ele e o seu companheiro por ali...


Respondeu-me em creoulo, mas entendi bem a resposta quando repetia insistentemente: Filho da p... do Amílcar Cabral… filho da p... do Amílcar Cabral!


Naturalmente que a sua intenção, ao dizer aquilo, seria a de tentar escapar com vida daquela situação e… bem o conseguiu!


Entretanto chegou o heli e lá foi ele na direcção do hospital de Bissau.


Posteriormente foi muito útil às companhias de Comandos e Paraquedistas que se serviram dele como guia nas suas diversas OP na mata de Morés.


Nesta acção foram apreendidas armas Kalasnikov.


O curioso no meio disto tudo, é que passado cerca de um ano, quando o meu pelotão se deslocou de Mansoa à piscina de Nhacra, para tomar uma banhoca e beber daquela água a que já não estávamos habituados... pois não precisava de ser filtrada, acabamos por encontrar lá o nosso ex-guerrilheiro preso em Morés.
Era um rapaz feliz dando enormes mergulhos do trampolim mais alto da piscina.


Recordo que tentei imitá-lo mas acabei por provocar uma pequena lesão na cabeça, quando bati com ela no fundo da piscina… felizmente nada de grave!
Fiquei, mesmo assim, imensamente feliz por ver aquele rapaz alegre ao lado dos nossos companheiros, nesta altura também companheiros dele, e que era uma das companhias de Comandos de Bissau.


Jorge Lobo
1º Cabo Atirador de Artilharia da CART 1660, BCAÇ 1857 e BCAÇ 1912


Fotos: © Jorge Lobo (2010). Direitos reservados.

Emblema de colecção: © Carlos Coutinho (2010). Direitos reservados._________
Nota de M.R.:

Vd. último poste desta série em:

23 de Junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8464: Estórias avulsas (112): Encontro de Camaradas (Mário Fitas)

1 comentário:

antonio graça de abreu disse...

Disse Kemal Ataturk, o pai da república turca, falecido em 1937:

"Não devemos matar os nossos inimigos, devemos matar a sua inimizade tornando-os nossos amigos."

Abraço,

António Graça de Abreu